Atividade garimpeira tem provocado a poluição dos rios na Terra Yanomami, conforme a HAY — Foto: © Bruno Kelly/HAY
Levando violência, destruição ambiental e doenças para a Terra Yanomami, maior reserva indígena do Brasil, o garimpo ilegal avançou 46% na região no ano passado, a maior devastação da história desde a demarcação e homologação do território há quase 30 anos.
Os números são do relatório "Yanomami sob ataque", divulgado no último dia 10 pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), a mais representativa organização deste povo.
Em 2021, a degradação chegou à marca de 3.272 hectares, frente aos 2.234 hectares de 2020 -- 1.038 hectares a mais em um ano.
A Terra Indígena Yanomami é a maior reserva do país, com mais 10 milhões de hectares distribuídos no Amazonas e Roraima, onde fica a maior parte. São mais de 28,1 mil indígenas que vivem na região, incluindo os isolados, em 371 comunidades. A HAY estima que há 20 mil garimpeiros explorando ilegalmente a região.
De outubro de 2018 até o fim de 2021, a área destruída pelo garimpo ilegal quase dobrou de tamanho, ultrapassando 3,2 mil hectares, afirma o relatório.
No ano passado, já havia sido registrado um salto de 30% em relação ao período anterior. De 2016 a 2020, o garimpo na Terra Yanomami cresceu 3.350%, conforme o estudo.
Em meio a estes números, o documento denuncia violações de direitos dos indígenas que vivem na Terra Yanomami.
"À medida que os núcleos garimpeiros ilegais se proliferam e crescem nas diferentes regiões da TIY, as comunidades vizinhas sentem a perda do “controle” sobre o seu espaço de vida. Isto porque a insegurança os dissuade de circular pela região, seja em razão de ameaças explícitas de garimpeiros contra suas vidas, seja em razão da simples presença hostil de não-indígenas."
"É recorrente a queixa de lideranças sobre a intensa circulação de garimpeiros fortemente armados e as consequentes intimidações para que os indígenas coadunem com as condições impostas pelos invasores. Em muitos relatos, os membros das comunidades disseram sofrer com a restrição a seu livre trânsito na Terra Indígena, deixando de usufruir de áreas utilizadas para a caça, pesca, roça, e da comunicação terrestre e aquática com as comunidades do mesmo conjunto multicomunitário", cita trecho do relatório.
Waikás, Homoxi e Kayanau: regiões mais degradas
As regiões que apresentaram maior crescimento anual são, respectivamente, Waikás (296.18), Homoxi (253.31), Kayanau (178.64) e Xitei (124.84). Com exceção das regiões Surucucus, Missão Catrimani e Uraricoera, todas as áreas tiveram um crescimento de 2020 até o fim de 2021. (Veja na tabela abaixo)
Área degradada pelo garimpo em 2021 na Terra Yanomami
Região | Dez/2020 | Dez/2021 | Aumento anual | Variação anual |
Alto Catrimani | 104.36 | 175.43 | 71.069 | 68% |
Alto Mucajaí | 15.75 | 17.11 | 1.36 | 9% |
Apiaú | 76.79 | 106.65 | 29.859 | 39% |
Auaris | 0 | 4.05 | 4.05 | - |
Demini | 2.32 | 1.86 | -0.46 | -20% |
Ericó | 19.04 | 23.36 | 4.324 | 23% |
Hakoma | 24.98 | 42.21 | 17.23 | 69% |
Homoxi | 145.98 | 399.29 | 253.31 | 174% |
Kayanau | 510.17 | 688.81 | 178.64 | 35% |
Médio Catrimani | 12.8 | 4.36 | - 8.44 | - 66% |
Palimiu | 4.76 | 15.59 | 10.83 | 228% |
Papiu | 17.44 | 38.77 | 21.33 | 122% |
Parafuri | 0 | 5.51 | 5.51 | - |
Parima (Arathau) | 77.76 | 112.32 | 34.56 | 44% |
Surucucus | 35.18 | 27.49 | -7.69 | -22% |
Uraricoera | 5.4 | 2.98 | -2.42 | -45% |
Waputha | 0 | 4.01 | 4.01 | - |
Waikás | 1169.93 | 1466.11 | 296.18 | 25% |
Xitei | 11.34 | 136.18 | 124.84 | 1101% |
Total | 2234 | 3272.09 | 1038.092 | 46% |
Quase metade das áreas afetadas por garimpos estão concentradas na região Waikás, no rio Uraricoera, seguidas de Kayanau, localizada na confluência dos rios Couto Magalhães e Mucajaí, com mais de 20% e Homoxi, na fronteira do Brasil com a Venezuela, com 12%.
Em março deste ano, o vice-presidente da Hutukara, Dário Kopenawa, divulgou a foto de uma cratera a céu aberto (veja abaixo) causada pelo avanço da atividade garimpeira, ameaçando a estrutura da Unidade Básica de Saúde Indígena de Homoxi.
O relatório da HAY também mostra que, o polo de Homoxi não é o único afetado. Dos 37 polos de saúde existentes na Terra Yanomami, 18 possuem registro de desmatamento relacionado ao garimpo.
Posto de saúde próximo ao garimpo ilegal em foto publicada por Dario Kopenawa — Foto: Reprodução/Instagram/Dario Kopenawa
Nas regiões que registraram uma redução, segundo o estudo, a "variação está associada ao refinamento do mapeamento, quando o sobrevoo e melhores imagens disponíveis corrigem erros de interpretação, do que a uma real recuperação da paisagem".
Nesse cenário, aproximadamente 110 comunidades da Terra Indígena Yanomami são diretamente afetadas pelo desmatamento, destruição e a contaminação das águas e dos solos causados pelo garimpo ilegal.
"Todavia, é preciso ressaltar que alguns dos impactos do garimpo possuem um alcance muito maior do que aqueles observados na floresta e nos rios. Dentre esses, a disseminação de doenças infectocontagiosas (em especial a malária), a contaminação pelo metilmercúrio, subproduto do garimpo, e a sobrecarga no sistema de saúde local", cita o relatório.
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Nessa perspectiva, o número de comunidades afetadas diretamente pela extração ilegal seria de 273, abrangendo mais de 16 mil pessoas, ou 56% da população Yanomami.
Degradação das águas
Em relação a degradação das águas, os principais rios e Igarapés afetados atualmente são: rio Uraricoera, rio Parima, Igarapé Inajá, Igarapé Surucucus, rio Mucajaí, rio Couto Magalhães, rio Apiaú, rio Novo, rio Catrimani e rio Lobo d’Almada.
A bacia do rio Mucajaí é a mais afetada, concentrando 180 km de destruição em dois trechos do seu leito, mais 50 km do rio Couto Magalhães, e 30 km da cabeceira do rio Apiaú, que deságua no Mucajaí, fora da Terra Yanomami, e 10 km do rio Novo, afluente do Apiaú.
Acampamentos de garimpeiros flagrados na Terra Yanomami — Foto: © Bruno Kelly/HAY
A região é explorada por garimpeiros há décadas, que buscam minérios como ouro e cassiterita, usada na fabricação do estanho. Além de enfrentar o aumento desenfreado da exploração ilegal, os indígenas também lutam contra a destruição dos rios e a floresta, a disseminação de doenças e a falta de segurança das comunidades.
O relatório também expôs como garimpeiros têm recrutado jovens ianomâmi entregando armas e comida a eles em troca de segurança na floresta, a violência sexual contra meninas e a destruição ambiental. As novas informações são acompanhadas pelo Ministério Público Federal (MPF), que pediu ao governo federal novas ações policiais na reserva.
Imagem registra acampamento sobre o rio Novo, com uso de quadriciclos — Foto: HAY
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