Um ano após tragédia, Petrópolis utilizou apenas 15% do orçamento para habitação
Em 2022, ano em que ocorreu a maior tragédia climática da história de Petrópolis, que deixou 4 mil desabrigados ou desalojados e 235 mortos, a prefeitura da cidade gastou apenas 15% do orçado em habitação.
Dos R$ 2,19 milhões autorizados, foram pagos apenas R$ 318 mil no programa “Habitação Petrópolis”, que tem o objetivo de diminuir o déficit habitacional e coordenar trabalhos preventivos em áreas de risco.
Os dados foram levantados pela GloboNews no Portal da Transparência da Prefeitura de Petrópolis.
LEIA TAMBÉM:
- Em 2021, Prefeitura de Petrópolis reduziu gastos em ações de prevenção de desastres em relação ao ano anterior
- Três terrenos doados desde chuvas de 2011 para construção de casas populares em Petrópolis continuam vazios
- Famílias de vítimas da tragédia em Petrópolis contam que viram poucas mudanças um ano depois
- ‘A gente fica pedindo a Deus pra não acontecer o que aconteceu com a minha família’, diz mulher que perdeu filhos há 1 ano
Já outras duas ações orçamentárias também ligadas à prevenção de desastres tiveram execução muito maior do que o valor autorizado no orçamento, no ano passado.
No programa “Infraestrutura Pública”, dos R$ 4 milhões disponíveis, foram pagos R$ 11,7 milhões – quase o triplo. A ação inclui projetos e obras de drenagem, desassoreamento e limpeza dos rios.
O programa “Petrópolis Resiliente” gastou 7.435% a mais do que o previsto. Dos R$ 137 mil aprovados no orçamento, foram pagos R$ 10,1 milhões. O objetivo desta ação é mapear áreas de risco e fortalecer a defesa civil municipal.
17 de fevereiro 2022: Homem tenta abrir a porta do que sobrou de sua casa no Morro da Oficina — Foto: Marcos Serra Lima/g1
Obras não ficam prontas antes do verão
A Cidade Imperial, como Petrópolis é conhecida, seguiu adiante, mas sem esquecer das cicatrizes deixadas pela catástrofe histórica de um ano atrás. Principalmente porque as enchentes continuam.
Depois da tragédia de 15 de fevereiro, a prefeitura destinou R$ 30 milhões para limpeza e retirada de detritos dos rios, no que foi anunciado como o maior programa de dragagem da história da cidade. Os trabalhos começaram em março, mas não terminaram antes deste verão, período de chuvas.
A promessa é retirar dos rios e córregos 73 mil metros cúbicos de sedimentos, o equivalente a 3.600 caminhões-pipa de 20 mil litros cada.
Segundo a prefeitura, mais de 10 mil bueiros foram limpos, mas isso não foi suficiente para evitar enchentes quando chove.
Rio Quitandinha passando pelo Centro Histórico — Foto: João Vitor Brum/g1
"Até hoje a gente vê áreas cheias de ferida no solo. Mesmo que a prefeitura não tivesse dinheiro para recuperar tudo, pelo menos já deveria ter sido providenciado, naqueles locais com maiores feridas, cobertura com tela de gabião, para proteger a microdrenagem, as galerias das ruas. Porque na chuva é tudo carregado", explica Adacto Otoni, doutor em Saneamento Ambiental e Recursos Hídricos.
Para o especialista, obstruções nas calhas dos rios e lixo agravam o problema das enchentes em Petrópolis.
“Há muitas obstruções nos rios da cidade: muros laterais que afunilam, vigas de pontes no leito, aterramentos que moradores fazem para aumentar o terreno. A prefeitura tem que levantar todas essas obstruções e retirá-las para aumentar a vazão dos rios. Isso é o básico.”
Em maio, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) deve concluir um estudo para tentar controlar as inundações na cidade.
“O turista que vem a Petrópolis hoje não percebe a tragédia que aconteceu. Porque todas as ações foram voltadas para a melhoria do centro histórico. Mas quando vamos pro epicentro da tragédia e para outros bairros, como é o caso do Morro da Oficina, percebemos que nada foi feito. E ali morreram 93 pessoas", diz a promotora de Justiça Zilda Januzzi.
"Isso é uma coisa que preocupa porque, quando acontece algum desastre natural, ele não se encerra com as ações de resgate e socorro. Depois disso tem que haver reconstrução da cidade. E é nessa fase de reconstrução a nossa briga com o município e o Estado.”
Segundo o Ministério Público do Rio (MPRJ), 135 obras necessárias para prevenção de novos desastres em Petrópolis ainda não têm responsabilidade definida.
“A gente precisa de um apoio maior do Estado pra que as obras sejam finalizadas. E um maior comprometimento do município também. A nossa ideia inicial era que os dois entes pudessem conversar e chegar à conclusão de quais obras cada ente faria em razão da capacidade financeira", fala a promotora.
"A gente reconhece que são obras que demandam recurso alto. Mas nem mesmo as obras de menor vulto a gente conseguiu com que os dois entes assumissem suas responsabilidades.”
O prefeito Rubens Bomtempo confirma que faltou dinheiro para dar conta de todas as necessidades de Petrópolis.
“Faltou recursos, claro. O governo federal veio com números que não correspondiam à realidade. Só repassaram menos de R$ 30 milhões até hoje. O único recurso que chegou do Estado foi através da Assembleia Legislativa, que foi uma doação de R$ 30 milhões. O governo do Estado preferiu fazer a licitação das suas obras independente da prefeitura. E nessa matriz de responsabilidade, a gente espera que o Estado assuma a sua parte daquilo que ficou pactuado”, afirmou.
O que dizem os citados
O Governo do Estado declarou que já investiu R$ 255 milhões em obras de contenção de encostas em Petrópolis, além do reforço estrutural do túnel extravasor do Rio Palatinato.
Segundo o Estado, a obra de reforma estrutural, requalificação do fluxo hidráulico, desobstrução e desassoreamento do túnel extravasor, com R$ 68,1 milhões de investimentos, tem previsão de ser entregue no final deste mês.
A segunda etapa da obra está em preparação para o processo licitatório. O túnel extravasor é uma galeria de 3,2 km de extensão, construída nos anos 1960 para desviar e aliviar o fluxo do Rio Palatinato quando tem seu volume aumentado. Desde a sua construção, não havia recebido intervenções de reforço estrutural como recebeu agora.
Em relação às outras intervenções em encostas, o governo estadual diz que também já foram finalizadas as obras na Avenida Portugal, em Val Paraíso. Na Avenida Whashington Luiz, a pista foi totalmente reconstruída, restando apenas concluir a contenção do canal da rua.
As ruas 24 de maio, Tereza e Nova estão com mais de 90% de obras finalizadas. Já a contenção e a drenagem na Pedro Ivo, no bairro Cascatinha, também estão na fase de finalização.
Já as obras nas ruas Uruguai e 1º de Maio e Avenida Paulista; na Estrada do Paraíso, no Sargento Boening; na Travessa Vasconcelos, na Vila Vasconcelos; na Chácara Flora; e na Rua Bartolomeu Sodré, no Caxambu; serão realizadas, por meio de licitação, com recursos no valor de R$ 147 milhões.
A Prefeitura de Petrópolis informou que já terminou 47 obras, e que outras 64 foram iniciadas recentemente ou estão em fase de licitação, o que representa um investimento de R$ 111 milhões.
Sobre o baixo percentual de gastos com habitação no ano passado, o município não se manifestou.