Três terrenos doados para construção de casas populares em Petrópolis desde 2011 continuam
Três terrenos doados há mais de dez anos ao poder público para construção de casas populares em Petrópolis continuam vazios, em meio a uma troca de acusações entre Estado e Prefeitura.
Em 15 de fevereiro do ano passado, um temporal deixou 4 mil desabrigados ou desalojados e 235 mortos na cidade. Pouco mais de um mês depois, outro temporal matou outras 7 vítimas.
Primeiro eles foram doados ao governo do Estado, que depois os repassou à Prefeitura de Petrópolis. Mas anos depois o município os devolveu ao Estado.
O governo do Estado afirma já ter apresentado os projetos ao município, e que precisa de análise, licenças e parecer favorável da Prefeitura de Petrópolis para dar início à construção. Já o município diz que aguarda avaliações de risco e documentações por parte do estado.
A previsão é que 350 unidades habitacionais sejam construídas nos três terrenos que, há mais de dez anos, seguem praticamente abandonados.
A falta de uma política habitacional eficaz numa cidade cercada de montanhas e com incontáveis ocupações irregulares em suas encostas deixa milhares de moradores vulneráveis.
Em 2017, eram quase 30 mil moradores em áreas de risco alto ou muito alto. Hoje o número pode ser ainda maior, porque o levantamento do município ainda não foi atualizado.
Em locais como o Morro da Oficina, um dos mais atingidos pela tragédia de um ano atrás, há moradores que voltaram para suas casas, e vivem sob um risco iminente.
“Há vários terrenos particulares vendidos para a iniciativa privada que poderiam hoje estar servindo à cidade de Petrópolis para reduzir o déficit habitacional, mas esse instrumento do Estatuto das Cidades ainda não foi implementado no município. O que é o direito de preferência? O município, entendendo que aquele determinado terreno é importante para fins de política habitacional, institui esse direito de preferência. Quando o proprietário for vender, ele primeiro precisa ofertar esse terreno ao poder público. Se o poder público declinar, aí sim ele pode vender ao particular. Se esse instrumento estivesse implementado hoje na cidade a gente teria uma gama de terrenos que poderiam estar sendo disponibilizados ao poder público pra fazer esse tipo de moradia", afirma a promotora de Justiça Zilda Januzzi.
Dois condomínios de prédios já foram entregues para vítimas de tragédias climáticas anteriores. Um com 776 apartamentos, entregue em 2020. E outro, com 144 apartamentos, entregue em 2018, mas que ainda possui 24 apartamentos inacabados e já depredados. Essa construção é de responsabilidade da Prefeitura de Petrópolis.
O prefeito Rubens Bomtempo garante que as unidades serão concluídas até o início de 2024. Ele defende que a questão habitacional na cidade precisa ser resolvida com o envolvimento de todas as esferas do poder público.
“A gente tem que trabalhar sempre, levando em conta os entes federados, o que cada um tem que assumir. A gente precisa de uma política habitacional que possa oferecer casa popular para aqueles que têm dificuldade de adquirir seu bem próprio. E cabe à gente facilitar o máximo possível, apesar das limitações diárias que existem no nosso município. Talvez a gente precise aumentar o gabarito em algumas áreas pra garantir que essas pessoas também possam morar em segurança. E também a gente não pode compactuar com esse tipo de ocupação que acaba acontecendo, porque depois para retirar é muito difícil”, declarou Bomtempo.
17 de fevereiro - Homem tenta abrir a porta do que sobrou de sua casa no Morro da Oficina, em Petrópolis. A cidade viveu a pior tragédia de sua história — Foto: Marcos Serra Lima/g1
Improviso no atendimento às vítimas da tragédia
Além da política habitacional deficiente, a tragédia de 2022 escancarou outro problema antigo em Petrópolis: não existe planejamento para o atendimento em assistência social na cidade, que se agravou depois das chuvas. O Ministério Público do Rio chegou a apontar que faltou até comida nos abrigos para desabrigados e desalojados.
“O plano de contingência não é um mero documento que o gestor faz para cumprir a determinação da lei. O plano tem que ser o planejamento das ações que o poder público vai adotar quando ocorrer a emergência, seja ela qual for. O poder público tem que antever o que pode acontecer e já preparar as suas ações de resposta. (...) Houve diversos problemas, em diversas faces do desastre. No primeiro momento houve a confusão nos abrigos. Infelizmente nós tivemos muitas vítimas, mas houve uma demora de organização pra mobilizar insumos. E depois começou o problema do cadastramento”, explica a promotora Vanessa Katz.
Desde 2016, o MP pede na Justiça que o município apresente um plano de contingência atualizado.
"O desastre demanda na resposta uma logística: distribuição de alimentação, medicação, cobertores, roupas; toda a parte de transporte. Isso tudo tem que estar previsto com antecedência. Senão, gera o improviso, que gera o desgaste ainda maior para pessoas que já estão num grau de sofrimento muito elevado. Os planos que o município apresenta até então não têm esse detalhamento dos fluxos, da logística, do protocolo a ser utilizado”, completa a promotora.
O que dizem os citados
A Caixa Econômica Federal informou que não houve prosseguimento das análises e contratação dos empreendimentos nos três terrenos doados em 2011 porque comunicou ao Estado a necessidade de apresentação de laudos, aprovações ambientais e projetos de infraestrutura para a região, mas não teve retorno.
Já o governo do estado disse que já apresentou projetos para os três terrenos e aguarda resposta da Prefeitura de Petrópolis quanto à regulamentação da legislação para dar prosseguimento às licitações. E que permanece à disposição para diálogo com o município, inclusive para receber novas áreas elegíveis, para buscar soluções de moradia às famílias afetadas pelas chuvas de 2022.
Em relação a um dos terrenos, o governo do Estado declarou ainda que deu entrada no pedido de autorização junto do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, do governo federal), pois a área fica próxima a uma rodovia federal, e que o processo está em andamento.
O DNIT afirmou que aprovou a viabilidade técnica do projeto em junho do ano passado. E que em julho, solicitou ao governo do estado o envio de toda a documentação - projetos e desenhos do empreendimento - o que até agora não foi atendido.
Sobre a alegação do Ministério Público de que o seu plano de contingência para desastres é ineficiente, a Prefeitura de Petrópolis foi procurada, mas não se manifestou.