Moradores de Petrópolis reclamam de falta de infraestrutura, um ano após tragédia que matou 235 pessoas
Uma foto encontrada em meio aos escombros do Morro da Oficina conta a história de uma família que foi destruída pela maior tragédia da história de Petrópolis, que completa um ano esta semana. O maior temporal que a cidade da Região Serrana já viu registrou 235 mortos no dia 15 de fevereiro do ano passado.
O RJ1 conversou com famílias, que relatam a dificuldade de conviver com as perdas um ano depois. Algumas também reclamam que pouca coisa mudou na cidade.
A imagem encontrada no Morro da Oficina é a única lembrança da família de Cristiane Gróes da Silva.
“A mãe do meu neto, que eu perdi. É a Joyce, minha sobrinha. Eu perdi 9 pessoas”, disse Cristiane.
Ela conta que a foto foi tirada há dez anos. Mostra um momento feliz, os 15 anos da filha, Mariana.
Cristiane lembra momento feliz da família antes do temporal que atingiu Petrópolis — Foto: Reprodução/ TV Globo
“Minha sogra, que paparicava demais, era o xodó, entregando um presente. A gente estava saindo para ir para o salão de festas, comemorar os 15 anos dela. [Aniversário] Da minha filha Mariana, mãe do meu neto”, destacou Cristiane.
Mariana foi a única na imagem que sobreviveu. A avó, Waldecir da Silva Afonso, de 74 anos, e a prima, Joyce da Silva Afonso, de 23 anos, foram soterradas. Dois filhos de Joyce também morreram.
Donativos
Cristiane costuma visitar lugar onde ficava a casa da família em Petrópolis. Ela perdeu 9 familiares — Foto: Reprodução/ TV Globo
Depois da tragédia, Cristiane mantém um ritual. Ela recolhe donativos e entrega aos sobreviventes. Saudosa, sempre visita a área onde ficava a casa dela e dos parentes. Questionada sobre o motivo de voltar ao local, ela destaca a importância da memória.
“Eu me sinto perto deles. Eu vou até lá, onde lambeu a pedra. Eu tento entender como aquela pedra rolou. E eu não consigo, sabe?”, disse Cristiane.
Após um dia inteiro andando nos locais mais atingidos, a equipe de reportagem encontrou apenas um canteiro de obras.
Mesmo após as mortes causadas pela chuva, ainda é possível observar casas na beira do precipício, encostas com fendas e moradores que insistem em viver em áreas interditadas por falta de condições financeiras para sair. Eles contam que não conseguiram o aluguel social ou tiveram o benefício cortado.
“As casas aí, tudo caindo, ninguém fez nada. Casas em perigo que estão para cair na rua, que é via pública, com ônibus, creche, tudo. Não fizeram nada”, disse Patrícia Teixeira de Paula, moradora da Chácara Flora, outra área de Petrópolis fortemente atingida.
A Vila Felipe, outra região que registrou vários mortos por causa do temporal de fevereiro do ano passado, parece uma terra-fantasma.
Uma placa anuncia obras de contenção e drenagem de encostas. Mas ainda falta a data de início.
Placa anuncia a execução de obras na Vila Felipe, uma das áreas atingidas pelo temporal em Petrópolis, mas sem data de início — Foto: Reprodução/ TV Globo
Valdenir Dias Lopes sempre visita o lugar onde morou.
“Quando chega aqui, você lembra da sobrinha, da mãe e das 40 pessoas, que eram amigos, conhecidos do bairro”, disse Valdenir.
Segundo ele, só limparam o entulho da região, mas nenhuma obra de melhoria foi realizada.
Cidade traumatizada
Os moradores de Petrópolis vivem com medo de que a tragédia se repita. Ao mesmo tempo, eles remoem a lembrança sobre a maneira dolorosa, como perderam pessoas queridas.
“É isso aí. Cidade totalmente despreparada, você vê aí, entra todo mundo em pânico, desespero total. É o que a gente está vivendo. Todos os dias. Psicológico abalado, totalmente desestruturado. Você vê o tempo fechando, já entra em desespero. Aí, o que a gente ouve? ‘Vamos para locais seguros’. E aí, você tem que trabalhar, você tem que que pagar conta. E aí, como é que você faz? É muito complicado”, desabafou Cristiane.
O que dizem os citados
A Prefeitura de Petrópolis disse que concluiu 48 obras de médio e grande porte no ano passado. E tem outras 41 obras em andamento e 40 em fase de licitação. O poder municipal disse também que essas primeiras obras tiveram como foco a volta da mobilidade nas ruas da cidade. E que, agora, o foco está nos principais pontos dos desastres: o Morro da Oficina e a Vila Felipe.
Sobre o aluguel social, o Governo do Estado do Rio de Janeiro disse que foram identificadas falhas na documentação e teve que suspender o pagamento de 111 pessoas que possuem renda maior do que três salários mínimos. E disse que, só no ano passado, foram pagos mais de R$ 17 milhões em aluguéis sociais na cidade.
Sobre as obras, o Governo do Rio de Janeiro afirmou que está investindo R$ 255 milhões em ações com cinco encostas e no Túnel Extravasor, que passa por reparos para evitar novos alagamentos. O poder estadual afirmou ainda que nenhuma obra que estava em execução foi paralisada. E que atua em intervenções na região da RFua Teresa, no Sargento Boening, Valparaíso, com mais da metade das obras prontas.