Degradação do estado explica em parte a má qualidade dos serviços das concessionárias
Supervia, Light S.A., Enel, CCR Barcas, Rio Galeão. Por que tantas concessionárias do Rio de Janeiro enfrentam dificuldades? Por que o serviço prestado ao cidadão é tantas vezes ruim? Por que é comum que queiram entregar as concessões? O RJ2 mergulhou na crise de cada uma das empresas e foi atrás das explicações.
Especialistas afirmam que a degradação vivida pelo Rio nos últimos anos, a criminalidade e o ambiente hostil aos negócios estão entre as causas (veja o que dizem os analistas).
O que era para ser uma excelente oportunidade de negócio se transformou em pesadelo. Empresas privadas que assumiram concessões públicas em setores estratégicos enfrentam, simultaneamente, dificuldades que comprometem o caixa e prejudicam a qualidade do serviço prestado.
Light e Enel
É o caso das distribuidoras de energia Light e Enel. Ambas pedem à Agência Nacional de Energia Elétrica, Aneel, a revisão dos contratos de concessão.
O principal motivo é o famoso “gato”, o furto de energia. No caso da Light, 53,72% de toda a energia distribuída são desviados.
O atual contrato prevê que o prejuízo causado pelo furto seja rateado entre a empresa e os consumidores, mas isso só vale até o limite de 40,93% de perda no sistema. Acima desse percentual, o prejuízo é totalmente assumido pela concessionária.
Light e Enel alegam que não há segurança para eliminar os gatos em áreas dominadas por traficantes e milicianos.
Supervia
Os trilhos da Supervia — Foto: Marcos Serra Lima/g1
Se o "gato" abala o caixa das distribuidoras de energia, o furto de metais nas linhas da Supervia seria uma das causas do péssimo serviço prestado pela companhia, a terceira a administrar os trens do Rio em 25 anos.
Apesar dos muitos atrasos e da interrupção dos trens em diferentes ramais, a tarifa foi reajustada na quinta-feira (9) para R$ 7,40.
O governo do estado, que é responsável pelo policiamento em torno da linha férrea, já ameaçou várias vezes anular a concessão, mas, por enquanto, subsidia a passagem para quem tiver Bilhete Único Intermunicipal, mantendo o preço antigo a R$ 5.
CCR Barcas
RJ 08/04/2020 Barca cruza a Baía de Guanabara com o Pão de Açúcar ao fundo — Foto: Marcos Serra Lima/G1
A CCR Barcas vem, desde o ano passado, denunciando prejuízos crescentes com a redução do número de passageiros e os danos causados pelo lixo flutuante nos motores das embarcações.
A CCR anunciou várias vezes que a operação terminaria no sábado (11), quando acaba o contrato. Mas o governo do estado insiste na manutenção da operadora e promete pagar R$ 752,6 milhões para compensar as perdas da concessionária em troca da continuação do serviço até que seja feita outra licitação.
O acordo feito entre governo e concessionária, que prevê uma transição de 1 a 2 anos (entenda), ainda não foi homologado pela Justiça, que pediu, como de praxe, a manifestação do Ministério Público antes de decidir.
No fim da tarde de sexta-feira (10), o MP protocolou um documento com a resposta e alegou que não pode se manifestar porque:
- faltava anexar documentos no processo que expliquem a fórmula do cálculo de indenização;
- a Agetransp, agência reguladora que calculou o valor, não se manifestou no processo.
A Justiça intimou as partes e atenderem as demandas do MP e pediu urgência.
A Agetransp disse que acompanha as negociações, mas que ainda não havia sido notificada pelo MP.
O governo afirma que, enquanto a Justiça não se posicionar, o contrato segue valendo.
Rio Galeão
Queda de passageiros no Galeão — Foto: Reprodução
A concessionária do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) também desistiu de operar aquela que já foi a maior porta de entrada de turistas estrangeiros no Brasil.
A decadência pode ser explicada em números: a movimentação de passageiros caiu de 13,9 milhões, em 2019, para 5,8 milhões no ano passado.
A disputa de mercado com o Aeroporto Santos Dumont é apontada como um dos principais problemas que levaram a empresa a anunciar no ano passado que abandonaria a concessão 17 antes do previsto.
Hoje, depois de várias reuniões com o Ministério dos Portos e aeroportos, com o governo do estado e prefeitura, a Changi, principal sócia da Rio Galeão, mudou de ideia, e decidiu manter as operações até segunda ordem. As negociações para reduzir os prejuízos acumulados continuam.
O que dizem analistas
Será coincidência o fato dos serviços de energia, trens, barcas e do aeroporto internacional concedidos à iniciativa privada no Rio estarem passando por graves crises ao mesmo tempo? Veja o que dizem especialistas.
"Eu creio que não seja coincidência, embora cada caso tenha as suas especificidades", diz o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central.
Para Fraga, a decadência do Rio vem de longe e contamina o ambiente de negócios.
"Então, há uma urbanização desordenada, o crime que se transformou numa questão pesada para nós, porque estamos falando de crime organizado... Isso tudo dificulta a vida das pessoas. Muitas dessas empresas operam em territórios onde não há sequer a presença do estado."
Para o economista Cláudio Frischtak, há uma crise de governo que atinge diferentes esferas do setor público, há muitos anos.
"Existem muitas instituições essenciais para o setor privado operar, a exemplo do próprio Judiciário, das agências reguladoras e outras instituições que constituem o ambiente de negócios, que são deficitárias, fragilizadas, e é por isso que o setor privado vem, mas muitas vezes, entre aspas, com o pé atrás, e muitas vezes ele não vem", argumenta.