Saiba como funcionava o esquema de corrupção no setor de transportes do RJ, segundo o MPF
Um dos mais antigos esquemas de corrupção no Estado do Rio. Assim definiu o procurador da República Eduardo El Hage quando explicou, em coletiva de imprensa nesta segunda-feira (3), como atuavam aqueles que o Ministério Público Federal acusa de integrarem uma organização criminosa que saqueou os cofres do estado em troca de vantagens no serviço de transportes públicos.
Para o MPF, o ex-governador Sérgio Cabral é um dos líderes da quadrilha. O G1 buscou nos documentos da Operação Ponto Final detalhes sobre como funcionava o esquema. Veja abaixo.
Doleiro buscava dinheiro em empresas de ônibus
Foi por meio de colaboração premiada do doleiro Álvaro José Galliez Novis que os procuradores desfiaram como funcionava o esquema criminoso que, segundo o MPF, era capitaneado pelo ex-governador Sérgio Cabral. Resumindo, Novis contou aos procuradores que ia nas sedes de empresas de ônibus buscar dinheiro que, então, era repassado a políticos.
O doleiro, apontado como operador financeiro da organização criminosa, contou na colaboração ter sido contratado pelo presidente do conselho administrativo da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) - entidade sindical das empresas de ônibus - para recolher regularmente dinheiro nas instituições.
Segundo o colaborador, quem o contratou foi José Carlos Lavouras, que além de presidir a federação também era dono da Viação Flores. Segudno trecho da delação de Novis reproduzido no pedido de prisão do MPF, a relação dele com Lavouras começou em meados da década de 90.
Ordens de pagamento por bilhetes e codinomes
Ainda segundo a delação de Novis, Lavouras era quem determinava como seriam os pagamentos entregues nas garagens das empresas de ônibus. Essas ordens de execução eram, de acordo com o delator, por meio de bilhetes em papel. Nas mensagens estavam os nomes dos favorecidos indicados por Lavouras. As identidades deles, porém, eram escondidas em codinomes.
Por exemplo, Novis afirma que Carlos Miranda, indicado pelo MPF como operador de Cabral e atualmente preso, era chamado "CM", quando a propina era paga em conta oficial. Pagamentos excepcionais a Miranda, no entanto, estavam protegidos como "Verde/SMS", "Super" e "Abacate". O dinheiro repassado a Miranda, de acordo com Novis, era para o ex-governador.
Contabilidade paralela
A delação de Novis revela, ainda, que as empresas de ônibus mantinham uma "contabilidade paralela" para pagar propina aos envolvidos. Planilhas apresentadas pelo colaborador ao MPF mostram, de acordo com o pedido de prisão, que os principais donos de empresas de ônibus movimentaram entre 2010 e 2016 cerca de R$ 260 milhões. Só Cabral, segundo a investigação, recebeu R$ 122 milhões por intermédio de Carlos Miranda.
Calicute e Eficiência
Batizada de Ponto Final, a operação desta segunda-feira, conforme consta no pedido formulado pelos procuradores, é resultado de um desdobramento das operações Calicute e Eficiência, braços da Lava Jato no RJ e que já haviam prendido outros integrantes da suposta organização criminosa.
Ainda de madrugada, agentes da Polícia Federal foram para endereços de suspeitos para cumprir nove mandados de prisão preventiva (sem prazo para terminar) e três de prisão temporária, além de 30 mandados de busca e apreensão expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal. Cerca de 80 policiais federais participam da ação.
A ação foi baseada nas delações premiadas do ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado Jonas Lopes e do doleiro e operador Álvaro Novis. Os agentes fizeram buscas nas cidades do Rio, São Gonçalo e Paraíba do Sul, no estado do Rio de Janeiro, e nos estados do Paraná e Santa Catarina.
Esquema 'prosperou' por 26 anos
As ordens para esses pagamentos, segundo Novis, eram dadas única e exclusivamente por Lavoura, desde 1990 até 2016.
Durante esses 26 anos, oito governadores passaram pelo Palácio Guanabara: Leonel Brizola, Nilo Batista, Marcello Alencar, Anthony Garotinho, Benedita da Silva, Rosinha Garotinho, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.
Mandados de prisão
Durante a noite deste domingo (2) e manhã desta segunda-feira, agentes da Polícia Federal foram para as ruas do Rio cumprir mandados de prisão (prevenitvos e temporários) contra 12 suspeitos de participação no esquema.
- Jacob Barata Filho, empresário do setor de transportes, suspeito de ter recebido R$ 23 milhões em propina (preso)
- Rogério Onofre, ex-presidente do Departamento de Transportes Rodoviários do RJ (Detro), suspeito de receber R$ 44 milhões (preso)
- Lélis Teixeira, presidente da Federação das Empresas de Transporte do RJ (Fetranspor), suspeito de receber R$ 1,57 milhões (preso)
- José Carlos Reis Lavoura, conselheiro da Fetranspor, suspeito de receber R$ 40 milhões (está em Portugal e a PF acionará a Interpol para inclusão na difusão vermelha)
- Marcelo Traça Gonçalves, presidente do sindicato de ônibus e apontado como realizador dos pagamentos (preso)
- João Augusto Morais Monteiro, sócio de Jacob Barata e presidente do conselho da Rio Ônibus, suspeito de receber R$ 23 milhões (preso)
- Cláudio Sá Garcia de Freitas (preso)
- Márcio Marques Pereira Miranda (preso)
- David Augusto da Câmara Sampaio (preso)
- Carlos Roberto Alves (preso)
- Enéas da Silva Bueno (preso)
- Octacílio de Almeida Monteiro (preso)