26/05/2016 22h11 - Atualizado em 26/05/2016 22h11

Sérgio Moro e professor da FGV-RJ divergem sobre delação premiada

Thiago Bottino questionou os acordos e as conduções coercitivas.
O juiz defendeu as medidas em conferência de simpósio em Curitiba.

Fernando CastroDo G1 PR

Professor diz ser contra a Justiça receber delações de réus presos, mas Moro acredita que elas são necessárias para dar celeridade aos processos (Foto: Divulgação/Polyndia Eventos)Professor diz ser contra a Justiça receber delações de réus presos, mas Moro acredita que elas são necessárias para dar celeridade aos processos (Foto: Divulgação/Polyndia Eventos)

A última conferência desta quinta-feira (26) do XII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, que ocorre em Curitiba, foi marcada por divergências de pensamentos entre o coordenador de Direito da Faculdade Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro Thiago Bottino e o juiz federal Sérgio Moro. Bottino criticou medidas como as conduções coercitivas e os acordos de colaboração de investigados presos.

Bottino, que falou antes de Moro na conferência, criticou o recurso das conduções coercitivas, que vêm sendo utilizadas com frequências nas fases da Operação Lava Jato. Um dos casos com maior repercussão foi a condução do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Siva para prestar depoimento em São Paulo.

Para Bottino, o ato de tirar a pessoa de casa ou do trabalho mediante força policial a fragiliza e prejudica o direito à não auto incriminação.

“Esse mecanismo decretado de uma forma intencional, ou não, cria uma circunstância em que o exercício do direito ao silêncio, aquela garantia constitucional, se torna mais difícil. É importante perceber que isso acaba desequilibrando os papéis, porque coloca uma das partes, no caso a acusação, em situação de vantagem contra a outra parte. Cria-se um ambiente ruim”, criticou Bottino.

Outro mecanismo usado pela Lava Jato, os acordos de colaboração com investigados presos, também foram alvos de crítica por Bottino. “Esse acordo importa na renúncia a um direito que é o direito de vedação de auto incriminação. Ela tem que voluntariamente abrir mão desse direito, uma decisão consciente e livre”, disse.

No entanto para Bottino, a restrição de liberdade, ainda que temporária, gera um desequilíbrio na relação entre as partes que firmam o acordo. “A pessoa que está presa não está na mesma condição de negociação com a que está solta. Essa situação desequilibra a vontade do sujeito. Como falar de acordo voluntário feito nessas circunstâncias? Sobretudo quando vai ser colocado em liberdade justamente quem colaborou?” questionou.

Ao fim da palestra, Bottino fez referência à gravação divulgada recentemente que mostra o senador Renan Calheiros falando sobre a necessidade de se modificar a lei de delação premiada no mesmo ponto, que é evitar que presos façam acordos. “As razões pela quais essa pessoa defende isso é certamente diferente do que eu defendo, mas não é porque a gente chega à mesma conclusão que eu vou deixar de expressar minha opinião” concluiu.

Moro rebate críticas
Ao assumir o microfone, Moro começou relatando aspectos de casos já julgados da Lava Jato, como a devolução de US$ 98 milhões por parte do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco após um acordo de colaboração. O juiz ressaltou que o acordo foi firmado com Barusco em liberdade.

Sérgio Moro afirmou que as divergências são normais no direito, e que é importante discutir sobres essas questões. “Quando nós escutamos essas questões nós temos que ter em mente que não estamos discutindo conceitos jurídicos abstratos, mas realidades de vida. Precisamos pensar o nosso direito penal e o processo penal de maneira que eles funcionem. Não com objetivo de alcançar condenações criminais, mas naquelas casos em que for provado no devido processo a prática de um crime, tem que existir consequências, e tem que ser proporcional à gravidade do crime”, disse.

O juiz afirmou que acredita que parte do problema é que o processo penal é disfuncional, porque enquanto a população carcerária é imensa, por outro lado o processo é excessivamente leniente com a prática de alguns tipos de crimes, como a corrupção. “Talvez essa leniência seja um dos fatores para chegar ao quadro atual, que é realmente muito preocupante”, disse.

Sobre a divergência das colaborações premiadas, Moro afirmou que respeitava Bottino e que sabe que a preocupação dele é com a voluntariedade dos investigados. No entanto, ressaltou que o processo da forma atual é muito demorado e muitas vezes não funciona. Além disso, segundo o juiz, em casos como grandes esquemas de corrupção, são justamente os criminosos que podem fornecer as informações mais importantes para os investigadores.

Ele lembrou o caso italiano do delator que, após ser preso, delatou o esquema de funcionamento da Cosa Nostra, a máfia italiana, o que levou a um processo com mais de 400 acusados. “Ele foi preso para colaborar? Ou foi preso porque era um mafioso que vivia do crime? Isso foi uma consequência da efetividade da Justiça no curso do processo. Será que nós deveríamos adotar essa proposição de não admitir a colaboração de um criminoso que estiver preso?”, questionou.

Para Moro, é preciso ver a colaboração também como um mecanismo de defesa do investigado. Ele criticou a proposta que tramita na Câmara dos Deputados que quer evitar que presos firme acordos de colaboração. “Eu fico pensando: isso é consistente com o direito da ampla defesa? Não tem que ser analisado dessa perspectiva?”, perguntou Moro.

O juiz afirmou que não duvida das boas intenções de Bottino, mas questionou se as iniciativas de tentar frear os acordos não estão mais ligadas à preocupação com os eventuais delatados do que com a voluntariedade do colaborador. “Eu fico me indagando se não estamos vendo alguns sinais de uma tentativa de retorno ao status quo da impunidade dos poderosos” concluiu Moro.