Este era o alojamento do festival, que prometia acomodações luxuosas — Foto: Divulgação/Netflix
O Fyre Festival deu o que falar em 2017, mas não porque alguém se divertiu lá.
Promovido por celebridades, como as modelos Kendall Jenner, Bella Hadid, Alessandra Ambrósio e Hailey Baldwin, o festival de música foi anunciado como uma festa de alto padrão que seria realizada durante dois fins de semana em abril/maio em uma ilha paradisíaca nas Bahamas.
Os pacotes, que custavam até US$ 100 mil, prometiam acomodações de luxo e "o melhor da comida, da arte, da música e das aventuras" na ilha caribenha. Entre as atrações musicais prometidas estavam os grupos Blink-182 e Major Lazer.
Em vez disso, os participantes encontraram tendas de acampamento, com colchões colocados no chão encharcado pela chuva, e refeições que se limitavam a sanduíches com duas fatias de queijo, alface e tomate. Suas malas foram jogadas em um estacionamento sem iluminação.
O Fyre Festival é tema agora de dois novos documentários - um deles estreia nesta sexta-feira no Netflix.
Seth Crossno, blogueiro e podcaster, e seus três amigos gastaram US$ 45 mil em ingressos, transporte e acomodações de luxo para participar do evento.
Mas quando chegaram lá, descobriram que o local ainda era praticamente um canteiro de obras.
"Ainda havia trabalhadores, caminhonetes e veículos de 18 rodas por toda parte", disse ele ao programa Newsbeat, da Radio 1 da BBC.
"Eu tuitei uma foto de um caderno de planejamento que encontramos no chão e era uma loucura."
"Há uma lista de coisas que os organizadores queriam encomendar, como 6 mil balas Skittles e 9 mil pirulitos que brilham no escuro. Alguém pensou em planejar o festival?"
Seth, que escreve no blog sob o pseudônimo de William Needham Finley IV, tuitou a experiência em tempo real. Os vídeos tiveram milhões de visualizações.
O documentário Fyre: O Grande Evento que Nunca Aconteceu, do Netflix, foca no planejamento desastroso do festival - que foi organizado pelo empresário americano Billy McFarland.
Um outro documentário foi lançado no início desta semana pelo serviço de streaming dos EUA Hulu.
Embora o Fyre tenha sido promovido como um evento exclusivo para influenciadores ricos do Instagram, Seth diz que havia mais pessoas comuns no evento do que celebridades do "Insta".
"Muita gente achou que todo mundo que estava lá era um influenciador rico, que tinha voado até lá para ter uma vida de luxo, e estava sendo esbofeteado pela realidade", diz Seth.
"Algumas pessoas com quem conversei gastaram US$ 500 no ingresso e estavam de férias da faculdade. Achavam apenas que seria uma viagem bacana."
"Pelo Twitter, você pode pensar que todos aqueles influenciadores estavam tendo um gostinho do que é o mundo real."
"Eu acho que faz parte da natureza humana ver pessoas nessa situação e rir ou ter algum tipo de prazer vendo alguém precisar descer do salto alto."
"Mas há muito mais nesta história do que uma adaptação do livro O Senhor das Moscas (em que um grupo de crianças e adolescentes fica preso em uma ilha deserta após a queda de um avião) para garotos ricos do Instagram."
Enquanto os relatos do caos do festival se concentraram mais no Twitter, o documentário do Netflix foca no que aconteceu nos bastidores da ilha Great Exuma, nas Bahamas.
"Os organizadores tiveram de seis a oito semanas para realizar algo que deveria ter levado quase um ano", diz Chris Smith, diretor do documentário.
"Mas o mais surpreendente para mim foi ir às Bahamas e ver as consequências do que foi deixado para trás, o efeito sobre as pessoas de lá".
O Fyre Festival não foi apenas uma experiência traumática para as pessoas que pagaram pela festa, também teve um forte impacto sobre a população local que ajudou os organizadores a preparar o evento.
"Eles contaram com grande parte da comunidade local para tentar fazer o festival. Havia centenas de pessoas trabalhando", diz Chris.
"O Fyre tinha um padrão tão alto que eu acho que ninguém poderia ter desconfiado que não daria certo."
Billy McFarland está atualmente cumprindo pena de seis anos de prisão por fraude — Foto: Divulgação/Netflix
Uma dona de restaurante conta no documentário que desembolsou US$ 50 mil do próprio bolso para fornecer alimentação para o festival.
"Ela usou grande parte de suas economias para tentar honrar o compromisso que tinha feito com eles", diz Chris.
"No fim das contas, quando tudo desmoronou, todo mundo foi embora. E ela ficou para trás para lidar com isso."
"Ninguém voltou para cuidar disso. As pessoas seguiram em frente e voltaram a viver suas vidas em Nova York, não assumiram a responsabilidade por suas ações."
O organizador Billy McFarland não pagou os trabalhadores da ilha por seu tempo ou recursos dedicados.
Ele não está no documentário - Chris diz que ele se recusou a ser entrevistado, a menos que recebesse pagamento pelo seu tempo.
"Nós simplesmente não nos sentimos confortáveis com a ideia dele se beneficiar depois que tantas pessoas foram feridas com base no que ele fez", acrescenta.
No ano passado, McFarland foi condenado a seis anos de prisão por fraude.
O rapper Ja Rule, que foi inicialmente apresentado como co-organizador do evento, não foi preso ou acusado de conexão com a fraude. Seus advogados argumentaram que McFarland usou o nome e as conexões do artista para promover o festival.
"Seis anos não me parecem adequados ao que ele fez e ao impacto que isso teve na vida das pessoas", diz Seth.
O blogueiro ganhou um processo de US$ 2,5 milhões contra McFarland - mas prevê uma espera de até 20 anos para receber o dinheiro, já que o fraudador deve pagar US$ 27 milhões aos investidores antes de quitar outras dívidas.
"Não estou em posição de dizer que ele deveria passar 20 anos na prisão, mas seis anos não me parece muito."
"Não acho que o caso de McFarland termina por aqui - de maneira alguma."
Advogados do rapper Ja Rule argumentam que McFarland usou o nome e as conexões do artista para promover o festival — Foto: Divulgação/Netflix
Seth espera que o dinheiro chegue primeiro ao povo de Great Exuma, e acredita que a visibilidade dos novos documentários pode ajudar a reembolsá-los.
"Espero que possamos fazer algo para que as pessoas nas Bahamas também sejam pagas", acrescenta.
"Com o envolvimento do Netflix e influenciadores, não há razão para que não seja levantado algum dinheiro para fazer o que é correto por essas pessoas."