Por Carlos Brito, G1 Rio


Nova trama de Aguinaldo Silva promove o retorno do autor ao mundo do Realismo Mágico

Nova trama de Aguinaldo Silva promove o retorno do autor ao mundo do Realismo Mágico

Para explicar bem as inspirações de "O Sétimo Guardião", nova novela das 21h com estreia marcada para novembro, é preciso descrever um acontecimento de 24 de dezembro de 1969.

O então jovem repórter e romancista Aguinaldo Silva estava detido em uma das celas da Ilha das Flores, em Neves, São Gonçalo (RJ). Ficou 70 dias sequestrado naquela instalação da Marinha do Brasil que àquela época era um dos principais centros de tortura da ditadura militar.

Arrancado à força do apartamento onde vivia na Lapa depois de ter escrito o prefácio do livro "Diários de Che Guevara", o jornalista tinha poucas esperanças sobre suas possibilidades de saída da prisão: a família estava em Permambuco, e seu paradeiro era desconhecido pelos colegas do jornal "O Globo", onde trabalhava. No cárcere, o sentimento era de fim de linha.

Naquela noite de dezembro, porém, um presente inesperado iria mudar sua vida para sempre:

"Um dos presos fez chegar às minhas mãos um exemplar de 'Cem anos de solidão', de Gabriel García Márquez. Logo que comecei a ler, a minha mente escapou daquela prisão. Os muros e grades desapareceram e eu me vi transportado para outro mundo, paralelo e maravilhoso", lembra Aguinaldo Silva.

"Decidi que aquele era o caminho que queria seguir como escritor. Mais tarde, soube que se tratava do realismo mágico."

Bruno Gagliasso (Gabriel) e Marina Ruy Barbosa (Luz da Lua): o principal casal da trama. — Foto: TV Globo/João Cotta

Em 1982, García Márquez ganharia o Prêmio Nobel de literatura como o principal nome da corrente literária que teve grande expressão na América Latina, com escritores como o peruano Mario Vargas Llosa, o argentino Jorge Luis Borges e os mexicano Carlos Fuentes e Juan Rulfo.

Na literatura brasileira, o realismo mágico – caracterizado pela invasão de elementos fantásticos e impressionantes na realidade cotidiana – não teve tanta repercussão entre os autores, exceção feita a nomes como Murilo Rubião.

Em geral, o contato do grande público brasileiro com o realismo mágico ocorreu não por livros, mas pela teledramaturgia de autores como o próprio Aguinaldo Silva. E isso vai se repetir a partir de novembro com "O Sétimo Guardião".

Fonte de renda

Ambientada na fictícia de Serro Azul, já mencionada em novelas anteriores do autor, a trama desta última tem direção artística de Rogério Gomes.

Ela acompanha um grupo de sete pessoas, os guardiões, reponsáveis pela proteção de uma fonte de água com propriedades especiais e mágicas.

Aguinaldo Silva ao lado do diretor Rogério Gomes. — Foto: TV Globo/Estevam Avellar

Os tais guardiões são o prefeito Eurico (Dan Stulbach), o delegado Machado (Milhem Cortaz), o médico Aranha (Paulo Rocha), o mendigo Feliciano (Leopoldo Pacheco), a cafetina Ondina (Ana Beatriz Nogueira), a esotérica Milu (Zezé Polessa), e Egídio (Antônio Caloni), o guardião-mor.

A fonte é alvo da cobiça da empresária do ramo de cosméticos Valentina Marsalla (Lilia Cabral), que pretende utilizar suas águas na criação de produtos estéticos.

Ela é mãe de Gabriel (Bruno Gagliasso), jovem destinado a substituir Egídio e assumir o posto de guardião-mor. Por consequência e tradição, ele é impedido de se casar – situação que se torna tensa quando se apaixona por Luz da Lua (Marina Ruy Barbosa).

"Os elementos de folhetim estão lá: heróis, vilões e relacionamentos. Mas haverá uma carga forte de realismo mágico", garante o autor.

Eduardo Moscovis é um gato

Boa parte dessa afirmação poderá ser constatada pela presença do gato Leon. Espécie de fio condutor da trama, o felino é, na verdade, um humano – mais à frente, interpretado por Eduardo Moscovis, vítima de uma maldição que o transformou em bicho.

Não por acaso, o gato é figura central em algumas das principais obras de grandes escritores, como García Márquez ("Eva está dentro de seu gato"), Edgar Allan Poe ("O gato preto") e H.P. Lovecraft ("Os gatos Ulthar"), todos admirados por Aguinaldo.

Para ambientar Serro Azul, foi necessária a construção da maior cidade cenográfica dos Estúdios Globo.

Com 18 mil metros quadrados, o espaço tem 38 edificações – 27 delas com interiores. Apenas a fonte, com seis metros de queda d'água, ocupa uma gruta cenográfica com mais de mil metros quadrados.

"Essa grandiosidade foi necessária para reproduzirmos, nos mínimos detalhes, uma cidade do interior, com praça, igreja e prefeitura", explica o diretor.

Lilia Cabral na pele de Valentina, vilã do folhetim. — Foto: GLOBO/João Cotta

Show da vida

A presença do realismo mágico na obra de Aguinaldo Silva é recorrente. Em "O outro" (1987), ele tratou do duplo – a existência de alguém semelhante, uma cópia, tema caro a esse estilo literário.

Em "Pedra sobre pedra" (1992), mostrou o espírito do fotógrafo Jorge Tadeu (Fábio Júnior) se transformando em uma borboleta, em referência direta à obra de García Márquez.

Logo em seguida, o personagem virou uma flor. Na mesma trama, o personagem Sérgio Cabeleira (Osmar Prado) sentia forte atração pela lua.

Em "Fera ferida" (1993), o autor abordou a questão da alquimia.

De alguma forma, todas deram sequência à tradição aberta na primeira versão de "Saramandaia" (1976), de Dias Gomes, carregada de elementos fantásticos – fórmula escolhida pelo autor para driblar a censura da época.

Nos últimos anos, porém, Aguinaldo se afastou das tramas fantásticas.

Produções como "Laços de sangue", "Senhora do destino" (2004), "Duas caras" (2007), "Fina estampa" (2011) e "Boogie Oogie" (2014) tinham as bases fincadas na realidade. Era o lado jornalista do escritor tomando a dianteira. Isso misturado a um certo cansaço das tramas fantásticas.

"Chegou um momento no qual comecei a me sentir cansado e repetitivo. Percebi que usava os mesmos truques. Foi quando decidi fazer novelas urbanas e realistas".

Aguinaldo diz que, nos últimos tempos, notou que "a realidade se tornou terrível e muito avassaladora". "Cheguei à conclusão que nenhuma ficção poderá competir com ela."

Foi quando decidiu voltar ao realismo mágico, com "O Sétimo Guardião".

"Eu me divirto demais nesse estilo, onde tudo é possível, onde o escritor é senhor absoluto dos acontecimentos. Onde, se eu quiser, posso fazer um carro voar. E quando percebo que o espectador acreditou nessas ideias, nessas cenas, a sensação é boa demais, melhor que sexo."

Aguinaldo Silva volta às infinitas possibilidades do Realismo Mágico. — Foto: GLOBO/Renato Rocha Miranda

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