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"Dê ao público o que ele quiser, quando ele quiser, do jeito que ele quiser e por um preço razoável. Assim, vão comprar, e não 'roubar'."
A frase parece adequada a um estrategista do comércio de varejo, mas é de Kevin Spacey, ganhador do Oscar de ator por “Beleza americana” (1999). Ele comenta a série “House of cards”, da qual é produtor e protagonista, na pele de um inescrupuloso deputado do partido democrata.
Spacey está satisfeito com a aprovação da audiência. E fala disso na entrevista por telefone com jornalistas, da qual o G1 participou nesta quarta-feira (10).
A "estreia" foi em fevereiro. Produção do Netflix (serviço de conteúdo por streaming via internet), "House of cards" tem formato diferente do usual. A temporada inaugural inteira, 13 capítulos, foi disponibilizada de uma única vez. Agora, vai ganhar DVD e uma segunda temporada. O espectador que se decida como quer assistir – daí a observação de Spacey ali no começo.
“De alguma maneira, isso prova que aprendemos algo que a indústria da música não aprendeu.” Ele acredita que o formato de distribuição de sua série representa uma opção de sobrevivência e lucro, algo que escapou às gravadoras.
(Foto: Divulgação/Netflix)
Por mais de uma vez durante a conversa, Spacey usa o termo “liberdade”. “Estamos dando ao espectador liberdade para fazer o que quiser. Se quiser assistir a um episódio, a seis ou a todos os 13 do ‘House of cards’, essa decisão é inteiramente sua”, afirma. “Eu diria que os dias em que se deixavam as pessoas esperando até as 20h de segunda-feira [por um novo episódio] estão acabados.” Refere-se a programas convencionais, no esquema de um capítulo por semana.
Na opinião dele, os “novos hábitos de consumo do entretenimento” devem acabar inviabilizando o modelo tradicional. Para encorpar o argumento, vale citar a concorrência. “Todo mundo fica em casa nos finais de semana e assiste a duas temporadas inteiras de ‘Dexter’, ‘Breaking bad’... Para mim, parece incrível dar essa liberdade às pessoas – e elas claramente querem isso.”
De acordo com a revista “The Hollywood Reporter”, a Netflix desembolsou US$ 100 milhões por um pacote de 26 episódios, incluídos os 13 da segunda temporada, disponível a partir do ano que vem. A mesma publicação informa que, no trimestre do lançamento de “House of cards”, o serviço ganhou mais de 2 milhões de assinantes nos Estados Unidos.
(Foto: Divulgação/Netflix)
‘Dilema moral’
O componente de originalidade de “House of cards” está mais na forma (de distribuição) que no conteúdo. O programa adapta um livro de Michael Dobbs que, em 1990, já tinha rendido uma série na Inglaterra. O cenário desta nova versão é a Washington atual, que tem como figura destacada o congressista Francis Underwood (Spacey). Dos créditos, consta mais gente conhecida, a começar pelo produtor e diretor do primeiro capítulo, David Fincher (Oscar por “A rede social”). A atriz Robin Wright (par de Tom Hanks em “Forrest Gump”) faz a esposa de Underwood. E Kate Mara (irmã de Rooney Mara, também de “A rede social”) é uma jovem jornalista que troca informações, favores e algo além com o protagonista.
Perguntado sobre as características de psicopata do seu personagem, Spacey dá resposta óbvia: “Não faço esse tipo de julgamento, meu trabalho é interpretar o papel”. Mas conta que gosta de ver Underwood dividindo a audiência entre adeptos (por causa do carisma e da inteligência) e críticos (por causa da vocação maquiavélica, apego ao poder e talento para manipular). “Acho fascinante toda a complexidade disso. É um dilema moral divertido para o público, ter de debater sobre o que sente a respeito do personagem”, comenta. “Alguns podem pensar que ele toma decisões terríveis, outros podem ver de outra maneira.”
Para descartar exageradas associações entre a política do seriado e a política do mundo real, Spacey insiste que “House of cards” é “um show de ficção, sobre um personagem de ficção”. Mas faz piada ao reconhecer certas conexões e se lembrar da gravação da primeira temporada, ainda em 2012. Era época de eleição presidencial dos Estados Unidos. “Tinha vezes em que eu estava assistindo à [campanha eleitoral na] TV e pensava comigo mesmo: ‘Nosso roteiro não é tão maluco assim!’.”
Ele não acha que, ao mostrar o lado corrupto dos congressistas, a série possa contribuir para levar o espectador a se engajar em manifestações populares. “Não sei se este tipo de programa tem alguma influência nos protestos políticos, mas acho que as manifestações são importantes”, diz. “Nos últimos anos, vimos muitas lutas inspiradoras contra corrupção, totalitarismo. E acho que isso vai prosseguir, independentemente do que a gente fizer em termos de dramaturgia na TV.”
qual ganhou Oscar de coadjuvante (Foto: Divulgação)
Shakespeare
“House of cards” é o primeiro seriado em que Kevin Spacey atua, após filmes como "Os suspeitos" (1995) e "Los Angeles - Cidade proibida" (1997). Ele vê sentido na ideia de que as narrativas na TV podem ser mais interessantes que as do cinema. “A terra não é mais fértil para contar histórias e dramas no cinema como era antes”, observa. E faz um prognóstico: “Nós vamos ver o que vimos na última década: os melhores roteiristas, atores, diretores foram para a TV – e agora vão para a internet”.
Para ele, trata-se do reflexo do “sistema dos estúdios hoje em dia”, que no entendimento do ator dá ênfase em produções de ação, baseadas em HQs, heróis etc. “Acho fascinante que o público ainda esteja animado para ver longas histórias que não podem ser contadas num filme de duas horas.” Curiosamente, a inspiração que Spacey menciona ao descrever seu Francis Underwood não vem nem do cinema, nem da TV, nem da internet. Mas do teatro. Neste momento, ele descreve uma das características essenciais de “House of cards”: de tempos em tempos, o protagonista fala diretamente à câmera, “conversa” com o espectador – e confessa pensamentos que permanecem ignorados pelos demais personagens.
“Isso não começou comigo. Não começou com o Beau Willimon, que é nosso roteirista. Não começou com Michael Dobbs, que escreveu o livro ‘House of cards’. Começou com um escritor chamado William Shakespeare”, esclarece o ator, num momento “ensino à distância” da entrevista. O precursor confesso de Underwood é Ricardo III. Um personagem que Spacey já levou aos palcos, em montagem dirigida por Sam Mendes (“Beleza americana”).