Música

Por Juliene Moretti, g1


Ron Wood, Mick Jagger e Keith Richards, do The Rolling Stones, na fase atual, logo antes do lançamento do álbum 'Hackney diamonds'' — Foto: Mark Seliger/Divulgação

"Deixe a música tocar alto, deixe estourar pelas nuvens e todos nós sentimos o calor do sol. Vamos cantar, vamos gritar. Vamos todos ficar em pé orgulhosos. Deixe os velhos ainda acreditarem que eles são jovens".

É assim que os Rolling Stones encerram "Sweet sounds of Heaven", música de mais de sete minutos de duração, com participações de Lady Gaga e Stevie Wonder.

A canção já está perto do final de "Hackney Diamonds", álbum lançado nesta sexta-feira (20), e contribui para deixar a dúvida sobre o futuro da carreira de mais de seis décadas da banda.

"Hackney" é o 31º trabalho de estúdio dos Stones. São doze faixas que, juntas, amarram reflexões sobre o passado, o tempo e ainda dão a oportunidade para se tirar algumas lições de vida (ouça trechos no podcast abaixo).

Há também letras sobre decepções amorosas que, com a sonoridade raivosa e divertida da banda, ficam muito menos melancólicas.

Enfim, um disco novo, apesar da preguiça...

Rolling Stones: Mick Jagger e Keith Richards contam ao Fantástico bastidores do novo álbum

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"Sweet sounds of Heaven" também soa como uma resposta adiantada contra possíveis críticas cobrando que a banda faça, depois de 60 anos, uma revolução no rock. Essa responsabilidade já não é mais deles. Como diz a letra dessa música, os caras já conseguem "sentir os sons doces do Paraíso": "coma o pão, beba o vinho" e "deixe os velhos ainda acreditarem que eles são jovens".

"Hackney" aparece 18 anos depois do último disco de inéditas, "A Bigger Bang". A demora para a produção mais nova é por uma razão bem mais humana: a preguiça mesmo.

"A gente vinha gravando, aí parava de gravar, sem nenhum plano mais concreto", disse Mick Jagger ao Fantástico. "A gente sempre fez álbuns pra lançar com as turnês, mas os shows começaram a lotar mesmo sem um álbum novo, então a gente ficou preguiçoso."

Eles ainda lidaram com a morte de Charlie Watts, baterista e um dos fundadores da banda. Watts morreu em 2021 e duas das faixas deste trabalho contam com o som das baquetas do músico.

Eles não precisavam mesmo de um novo álbum, mas encaram a dor de cabeça ainda assim. Para isso, estão munidos: Lady Gaga, Stevie Wonder, Elton John e Paul McCartney aparecem entre os convidados.

Para a produção, convocam Andrew Watt, de 32 anos. O novaiorquino cavou seu espaço nos bastidores ao fazer parcerias bem-sucedidas com Justin Bieber, Post Malone e Ozzy Osbourne.

Primeiro single, "Angry" foi lançado no mês passado, acompanhado de um videoclipe. A tentativa de diálogo com a turma mais nova vem por meio da atriz Sydney Sweeney, a Cassie de "Euphoria".

Ela está linda e surge sensualizando em um conversível que passeia pelas ruas cheias de outdoors com os integrantes da banda. Seria uma cena típica dos vídeos da MTV até os anos 2000. Hoje, soa datada.

Nada datada, "Mess it up" é a mais pop e pode cumprir o papel de conquistar os mais novos. Dançante, a música fala de uma ex-namorada vingativa que consegue entrar no apartamento do cara, roubar a senha do celular dele e compartilhar as fotos entre os amigos. Essa história até que comum fica divertida ao ser contada pelos Rolling Stones.

Corações partidos

The Rolling Stones em foto do álbum 'Hackney Diamonds' — Foto: Mark Selinger/Divulgação

Outra decepção amorosa, um pouco mais dolorida, aparece na balada blues rock "Depending on you". Jagger se coloca como um cara desorientado, depois de ser trocado por outro. Ele canta que é "muito novo para morrer e muito velho para perder".

A potência volta na faixa seguinte, "Bite my head off", quando eles chutam tudo para o alto. Narram o fim de um relacionamento com algo de punk rock, na guitarra de Richards e no baixo de Paul McCartney.

Olhando para trás

Em "Hackney Diamonds", Mick Jagger, de 80 anos, Keith Richards, 79, e Ron Wood, 76, também refletem sobre o tempo e o passado.

Na pop rock "Whole wide world", Jagger lembra, em um passeio pelas ruas de Londres, sua juventude em um período mais difícil. Naquela época, todo mundo parecia jogar contra e ele se via sem muita saída.

The Rolling Stones durante aprensetação em São Paulo, em fevereiro de 2016 — Foto: Marcelo Brandt/G1

A balada country "Dreamy skies" soa quase como um conselho: dê um tempo. Eles versam sobre o desejo de encontrar um lugar isolado, longe da cidade, a quilômetros de distância de outros seres humanos. Um lugar onde ninguém conseguisse telefonar, e as únicas distrações seriam um radinho e um disco de Hank Williams, um dos principais compositores do country americano.

Num ritmo mais acelerado, "Live by the sword" é inspirada no provérbio "Live by the sword, die by the sword", que em português poderia ser traduzido livremente para "com ferro fere, com ferro será ferido". Ela faz pensar em escolhas e suas consequências. Mas "se quiser ficar rico, tem que sentar no conselho", canta Jagger.

Nesta, além de Elton John, os Stones recebem Bill Wyman, baixista que participou da fundação da banda e saiu em 1993.

Fim da banda ou fim de ciclo?

Charlie Watts, Ron Wood, Keith Richards e Mick Jagger, membros do Rolling Stones, aparecem na festa da estreia do filme "Vamos passar a noite juntos", em Nova York, em 18 de janeiro de 1983 — Foto: AP Photo/Carlos Rene Perez, File

Se em "Sweet sound of Heaven" eles reivindicam o espaço para continuarem na cena (não que eles precisassem de qualquer autorização para isso), "Rolling Stones Blues" fecha o trabalho com o sentimento de "encerramento de um ciclo".

A música é uma versão de "Rollin' Stone", de Muddy Waters (1913-1983). A faixa inspirou o nome da banda, lá no início da década de 1960, onde tudo começou.

Mais crua e nostálgica, a música dá destaque par a voz de Jagger e a guitarra de Richard. Ainda deixa no ar se este seria o disco derradeiro ou apenas o fim de um ciclo. Pelo entusiasmo e brilho de "Hackney Diamonds", dá para acreditar que se trata apenas de mais um de tantos recomeços dos Stones.

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