Como 'Vai Malandra' veio ao mundo
Os DJs Zegon, 48 anos, e André Laudz, 25, explicam o início do Tropkillaz do mesmo jeito: "Foi um acidente". Há seis anos, eram só mensagens por Twitter e colagens musicais "de brincadeira". Foi assim que um garoto prodígio da cena curitibana e um veterano do rap, ex-Planet Hemp, se uniram.
Se foi mesmo um acidente, o local da batida é uma esquina pouco frequentada, no cruzamento de cenas do pop brasileiro que costumam andar em paralelo: rap das antigas, trap atual, eletrônica de pista, pop dançante, samba e batuques afins, pop dançante, funk carioca e paulista...
A conexão mais notável foi em "Vai malandra". O duo achou um meio-campo entre o pop de Anitta, o funk do MC Zaac e o DJ Yuri Martins e o rap de Maejor. De quebra, descobriram que Anitta é fã do trio de rappers dos EUA Migos e usaram o hit "Bad and boujee" como referência de "Vai malandra".
Veja acima como 'Vai Malandra' veio ao mundo e conheça as pontes musicais do Tropkillaz, atração do Lollapalooza SP, em texto e vídeos abaixo:
- Como rolou o encontro de gerações do rap
- Como eles fizeram trap usando a origem no rap e no Brasil
- Como abriram a cabeça para o funk
- Como assinaram contrato na França esteitando laços no Brasil
1ª ponte: gerações do rap
Nos anos 80, Zegon andava de skate em SP e entrou na turma da primeira geração do hip hop brasileiro. Virou DJ e tocou com o Planet Hemp por oito anos. Também trabalhou com Racionais, Sabotage e outros ídolos do rap brasileiro.
Se um veio do skate, o outro veio da internet. O antenado curitibano Laudz conhecia pela web, por exemplo, um aspirante a rapper paulista: Kondzilla. Antes de pensar em dirigir clipes, Kondzilla dirigiu até o aeroporto de Guarulhos para buscar o amigo em uma de suas viagens de Curitiba a SP. Outra conexão de Laudz no Twitter, lá em 2012, era Zegon.
Quem eh o Tropkillaz
Laudz era do rap, mas curtia funk. Curitiba gerou o Bonde do Rolê, que abraçou o funk carioca e tocou em festivais pelo mundo na década passada. Mas Laudz não veio daquela cena - era "da quebrada" mesmo, explica. "O que eu gostava era de funk de verdade. Não misturado, eu não sabia que existia isso."
"Eu gostava de funk e rap nacional pesado, de mensagem, de protesto. Eu não conhecia música eletrônica e tinha preconceito. Era aquela cabeça fechada: isso é música de boy."
'Eu gostava de música que matava os outros, que sangrava', define Laudz.
"House, eletro, qualquer coisa assim para ele, nem pensar", diz o colega mais velho, que tinha passado por sua fase radical, mas também aprendido com o ecletismo dos DJs brasileiro nos anos 90.
No fim das contas, nenhuma barreira ficaria. Ao começara a produzir juntos, Zegon ia abir a cabeça de Laudz para eletrônica, e Laudz, a cabeça de Zegon para o funk.
2ª ponte: trap, hip hop e Brasil
A primeira palavra-chave na carreira do Tropkillaz, lá em 2012, foi o trap. Hoje se fala muito das produções com batidas pesadas e graves, acompanhadas por som de pratos de bateria velozes e colagens vocais. O subgênero veio do rap do sul dos EUA e também invadiu a música eletrônica.
O trap domina as atuais paradas pop dos EUA e já bate no Brasil. Mas há seis anos, o Tropkillaz foi um dos desbravadores da vertente eletrônica - com a vantagem de entender bem a origem no hip hop.
"A gente cortava sample como produtores hip hop. A maioria dos DJs que fazia isso veio do eletro, house". Eles já puxavam a velocidade das músicas para baixo - tendência que muitos seguiram - e, além disso, inseriam elementos brasileiros nas faixas.
Tropkillaz: DJ Zé Gonzales, ou Zegon (esquerda) e André Laudz — Foto: Fabio Tito / G1
3ª ponte: rap e funk
Laudz já se identificava com o funk "da quebrada". Mas Zegon, mesmo já passeando por vários estilos eletrônicos, foi mais relutante:
'Eu vi o hip hop ser engolido pelo funk. E a gente tem aquela coisa de: 'como assim?' A gente queria que o hip hop tivesse dado certo', diz Zegon.
"Ao mesmo tempo, acho que o funk aprendeu muito com o rap depois. E o rap tem a aprender com o funk. Como se expandir, abrir a mente, se divertir", completa. "Aquela parada séria e cansada que aconteceu do rap, [hoje] é outra realidade. Lógico que o movimento existe e sempre vai existir. É um movimento de periferia urbana do mundo inteiro."
"Mas está mais do que provado: o funk é a parada mais original que tem no Brasil", diz Zegon. "Quando você mostra o rap nacional e o funk lá fora, o pessoal para para ouvir o funk. É uma coisa que ninguém conhece, nova, pode beber de qualquer fonte. E está mais diversificado."
"A gente sempre conversou e tentou usar elementos de funk, brasileiros, e isso foi se expandindo e se tornou uma das nossas maiores identidades na música", resume Laudz.
Laudz (esquerda), Anitta e Zegon no clipe de 'Vai malandra' — Foto: Divulgação
Em 2016, os Tropkillaz apresentaram dois amigos um ao outro: MC Bin Laden e Diplo. O MC de "Tá tranquilo, tá favorável" foi parar no palco do Lollapalooza, a convite de Diplo. Foi um caso curioso de curadoria paralela, em quem artistas gringos levaram um funkeiro ao Lolla, mesmo que o próprio festival ignore MCs de funk.
Neste ano, o Tropkillaz não deve levar Anitta fisicamente - apesar de prometerem convidados surpresa. Mas eles vão tocar "Vai Malandra" no Lolla, sim.
'Acho que a curadoria dos festivais aqui pensa muito naquele nicho bonzinho, no house bonzinho. Para beber a champanhe sem derramar. E a gente não é isso, viemos de outra caminhada. Do skate, de Curitiba, da rua, de outra escola. A gente não liga se pode ou não pode', diz Zegon.
"Vai Malandra" não foi o primeiro som que o Tropkillaz levou para o grande público. Em 2014, Zegon estava envolvido no finado Skol Music, um selo musical bancado pela marca. Ele chamou para o projeto uma rapper em ascensão, também de Curitiba: Karol Conka.
O Tropkillaz fez com Karol o hit "Tombei", de 2015. O clipe retomou uma ligação de internet que Laudz tinha feito lá atrás. Foi a primeira grande produção de Kondzilla fora do funk. O vídeo tem 23 milhões de views, o mais visto da carreira de Karol Conka.
4ª ponte: pop global e nacional
Tropkillaz fala sobre 'Milk and honey'
Também antes de "Vai malandra", em dezembro de 2016, o Tropkillaz fez o remix oficial brasileiro da faixa "Let me love you", lançada originalmente por DJ Snake (outra atração do Lolla 2018) e Justin Bieber. O escolhido para o vocal nacional foi o funkeiro MC Livinho.
No ano passado, o Tropkillaz assinou contrato com a Universal. Mas quem fechou com eles foi a subsidiária da França (só depois a Universal Brasil assinou também). Os franceses se interessaram pela versão de "Milk and honey", novo single em parceria com o cantor soul dos EUA Aloe Blacc (veja acima como foi a produção).
"Milk and honey" é o primeiro de uma série de lançamentos que o Tropkillaz planeja para este ano. Os Mcs Zaac, Kevinho e Pikachu já passaram pelo estúdio deles. Também haverá outros convidados de fora, além de Aloe. O Tropkillaz ganha moral no exterior enquanto reforça os laços no Brasil.
'Não adianta a gente ser 'mais um'. Não adianta a gente querer ser um Chainsmokers', reflete Zegon.
Ele compara o Tropkillaz ao Major Lazer, projeto de Diplo com músicos da Jamaica, que fez a conexão entre a EDM e os sons latinos e caribenhos. "A gente tem que ser o que o Major Lazer foi para a música jamaicana, mas para a música brasileira", diz.