Capa do álbum ‘Roda de samba reggae – Ao vivo’, de Marcia Castro — Foto: Pedrita com design de Trintta
Título: Roda de samba reggae – Ao vivo
Artista: Marcia Castro
Cotação: ★ ★ ★ ★ 1/2
♪ Apagada em discos irregulares como o pálido Das coisas que surgem (2014) e o modernoso Treta (2017), a cor do canto de Marcia Castro voltou a ganhar vivacidade com a edição do álbum Axé em 2021. Neste luminoso disco idealizado por Marcus Preto, a cantora soteropolitana revitalizou o gênero baiano rotulado como axé music ao dar voz a um repertório inédito de alto nível.
Gravado em março deste ano de 2024 em Salvador (BA), em show apresentado pela cantora nas comemorações dos 475 anos da capital da Bahia, o álbum Roda de samba reggae – Ao vivo está focado na força do gênero que embasa a axé music.
Há divergências sobre a origem do samba-reggae em Salvador (BA) na década de 1980. Há quem defenda que o gênero é cria do Olodum, bloco afro surgido em 1979. Há quem entenda que a semente do gênero foi plantada pelo Muzenza, bloco afro que entrou em cena em 1981.
Mas todos concordam que Antônio Luís Alves de Souza (1955 – 2009), o músico soteropolitano imortalizado como Neguinho do Samba, foi nome fundamental na formatação e propagação da batida que ganhou Salvador (BA), o Brasil e o mundo quando os cantores norte-americanos Michael Jackson (1958 – 2009) e Paul Simon gravaram com o Olodum.
Mais do que uma mistura do samba de roda da Bahia com o reggae, o samba-reggae sintetiza gama de células rítmicas de gêneros latinos (como o merengue) e do funk dos Estados Unidos.
Em Roda de samba reggae, Marcia Castro dá voz a uma seleção que extrapola o óbvio e relembra a força aliciante do gênero em gravação feita ao vivo com produção musical do baixista e historiador Fabrício Mota.
A edição digital lançada na última quinta-feira, 5 de dezembro, disponibiliza 15 das 21 faixas do álbum completo, cuja estética visual expõe a afro-baianidade na capa do disco e nos figurinos, através das estampas criadas pelo artista plástico Alberto Pitta, fundador do Cortejo Afro.
A cantora joga luz sobre pérolas já tornadas mais ou menos raras na Bahia de 2024 como Tambores na avenida (Celso Bahia e Gilson Babilônia, 1993) – tema do repertório do Ara Ketu – e Selva branca (Carlinhos Brown e Vevé Calazans, 1997), sucesso da banda Chiclete com Banana, além de Crença e fé (Beto Jamaica e Ademário, 1991), joia apresentada pela Banda Mel no álbum Negra (1991).
O canto vibrante de Que povo é esse? (Tenison Del Rey, Marcela Bellas e Paulo Vascon, 2021) – grande música recente, prova de que o gênero sobrevive no século XXI – mostra que o álbum consegue soar caloroso, ainda que seja praticamente impossível manter toda a altura da temperatura dos shows de axé em discos originados de gravações ao vivo.
Parceria de Marcia Castro com Fabio Alcântara e Marcelo Flores, Coladinha em mim (2021) – música apresentada no álbum Axé com a adição do rap de Hiran – faz a roda perder pique por um tempo, mas sem empanar o brilho deste disco vocacionado para o verão.
Um dos compositores mais importantes do gênero, Pierre Onassis faz dueto com Marcia Castro no medley que une a ternura de Rosa (Pierre Onasis, 1993) com o suingue de Deusa do amor (Adailton Poesia e Valter Farias, 1992), sucessos do Olodum.
No giro coeso de Roda de samba reggae, a cantora faz brilhar novamente Arco-íris do amor (Fábio Alcântara, Magary Lord e Lucas Santtana, 2020), primeiro single do já mencionado álbum Axé.
Com a devida ênfase na percussão, base e motor da levada do samba-reggae, a cantora repõe na roda temas atualmente conhecidos somente pelos seguidores dos bloco afros, caso de Olodum, a banda do Pelô (Jaguaracy Esseerre, 1988), joia que reluz em medley com Mariê (Julinho Cavalcanti e Guga Cavalcanti, 1988), pérola rara da Banda Refluxu’s.
Com a nobreza do Cortejo Afro, a cantora traz Ajeumbó (Aloísio Menezes, Portela e Silvino Neto, 2006) para a avenida neste álbum que alinha 24 músicas em 15 faixas.
Enfim, diretamente de Salvador (BA), terra sagrada da Bahia que irradia a força da negritude afro-brasileira, Marcia Castro manda avisar que o samba-reggae tá vivo ainda lá.
Marcia Castro na gravação do álbum ‘Roda de samba reggae – Ao vivo’ em Salvador (BA), em março deste ano de 2024 — Foto: Karina Zambrana / Divulgação