Kratos conversa com Jörmungandr, a Serpente do Mundo da mitologia nórdica, em cena do novo 'God of War' — Foto: Divulgação/Sony
O Kratos tá diferente. Tá, tá diferente. E foi. Foi ele sim. Foi o Atreus que deixou ele assim.
O novo "God of War", lançado nesta sexta-feira (20) para PlayStation 4 após 8 anos do terceiro jogo da série e 5 anos do prólogo "Ascension", com certeza é uma criatura bem diferente daquela que os fãs do anti-herói Kratos se acostumaram. E essa é a melhor coisa que podia ter acontecido.
Quem embarcar nessa nova jornada ao lado do fantasma de Esparta, a primeira em solo nórdico após o massacre dos deuses do Olimpo, vai encontrar a ação e a violência de sempre. Mas numa versão desgarrada da raiva cheia de hormônios "teen" dos outros jogos. Numa versão que encara a vida como adulto.
Assim como Kratos, agora mais velho, de barba no rosto e claramente mais ressentido do que motivado pelo seu passado traumático, "God of War" amadureceu. E se reinventou numa aventura emocionante e eletrizante feita de pai pra filho.
Um último pedido
Assista ao trailer dublado do novo 'God of War'
O fato dos outros games da série não investirem na dramaticidade ajudaria a destacar qualquer guinada mínima nessa direção. Mas é preciso enfatizar como o novo "God of War" coloca um E maiúsculo em Emoção.
O jogo desde o princípio quer ser mais sensível a Kratos como um todo: à sua culpa, tragédia e eterno luto, mas também à sua responsabilidade, força e feitos heróicos.
Pra se ter ideia, a história começa, e isso não é spoiler, num funeral. Faye, mulher de Kratos, está morta. E seu último e singelo pedido foi que o marido e Atreus, filho do casal, espalhassem suas cinzas no pico mais alto dos reinos nórdicos.
Não tem monstro, nem ruptura, muito menos uma morte violenta. Em uma introdução até que rápida, "God of War" faz um chamado para aventura assim: com uma razão brutal, mas delicado diante da relação complicada entre pai e filho. Difícil não ficar impactado.
Kratos e Atreus andam lado a lado no novo 'God of War' — Foto: Divulgação/Sony
Mais difícil ainda é não se identificar com um ou os dois lados dessa moeda familiar, tendo jogado "God of War" antes ou não:
- Kratos: É duro pra um veterano olhar pra essa máquina de matar, que tem entre suas vítimas a sua primeira família e uma legião de deuses, e não sofrer com o abismo que há entre ele e seu filho. É tudo culpa da sua incapacidade como pai, mas sabendo do que aconteceu antes, é possível fazer diferente?
- Atreus: Já quem é novato vai ver no garoto um jovem curioso, corajoso e apaixonado pela vida. E quem sabe se lembrar (ou imaginar) como é desesperador lutar pela aprovação de um pai ou parente que tem dificuldade em se conectar com as pessoas
Esse é o tom da trama de "God of War", tocante e incomum para um game com orçamento de gente grande e mais ainda levando em conta o histórico da série, sempre próximo da violência pura e desmedida.
O novo game, no entanto, deixa clara sua proposta. Essa é uma aventura de fantasia sim, mas acima disso, uma história sobre aproximação, conciliação e perdão entre pai e filho.
E tudo isso numa abordagem carismática da mitologia nórdica. Essa é uma cultura ainda associada aos clichês de Thor e vikings. Mas "God of War" tem um enredo tão natural, que equilibra humor e tragédia nas horas e doses certas, que parece que você está inteirado e interessado pelo assunto há um tempão.
Diferente, mas ainda deus da guerra
Kratos e Atreus conversam antes de uma das grandes batalhas de 'God of War' — Foto: Divulgação/Sony
A trama humanizada motiva a jornada de "God of War", mas obviamente não é a grande novidade. O game promove uma revolução completa em sua cozinha, transformando a experiência linear e meio ignorante de antes em uma aventura de proporções épicas, com estratégia e vários níveis de autonomia.
E que fique claro: apesar de não ser o jovem vingativo e sedento por sangue de antes, Kratos ainda é um brucutu sem piedade. Seus golpes doem como uma marretada de mil toneladas e ele não vai titubear em rasgar adversários ao meio (e com as mãos) caso ousem ameaçar Atreus ou atrapalhar sua missão.
É "God of War" em mundo aberto? Mais ou menos.
O mapa do jogo é menos "Far Cry 5" e mais "Rise of the Tomb Raider", em que as áreas obrigatórias da história se intercalam com grandes regiões abertas e repletas de tarefas paralelas.
É legal dizer que mesmo as missões secundárias de "God of War" agregam valor à trama principal do game, o que acaba com aquela impressão de que você está enxugando gelo. No mesmo passo, as partes pertencentes à história se ramificam e escondem salas e baús secretos.
Os dois lados se complementam. E por serem totalmente opcionais, fazem com que você raramente jogue "God of War" sem ter a sensação de estar descobrindo algo novo e valioso.
Kratos está de volta no novo 'God of War', que agora se passa em terras nórdicas — Foto: Divulgação/Sony
As lutas são "Dark Souls"? Sim, porém não hardcore.
Saem os combates em que você apertava botões sem dó para soltar longos "combos" de golpes. E entram batalhas mais cadenciadas, mas igualmente viscerais, em que é preciso usar minimamente o tico e teco para golpear e sobreviver.
Isso porque apesar de não ser punitivo como os games da série "Souls", naquela vibe de vacilou, morreu, "God of War" exige certo conhecimento sobre seus inimigos. Do contrário, ou o confronto dura pouco, porque você foi pro saco. Ou dura muito, porque você está sendo ineficaz.
E o ideal é que os combates durem o tempo certo para serem divertidos, como em "Batman: Arkham Knight" e outros games de tretas mais coreografadas.
Às vezes é melhor golpear com o machado. Às vezes é melhor esperar e contra-atacar. Mas sempre é uma boa entender o que está acontecendo.
E até faz sentido ser assim, mais lento, mais pensado. Reflete o espírito do velho Kratos após anos de reclusão.
'God of War' para PS4 será lançado em 2018 — Foto: Divulgação
Armaduras personalizáveis à lá "Destiny"? Sim, mas na medida.
"God of War" não é um game de "grinding" em que é preciso repetir as mesmas tarefas até obter um equipamento raro. Mas você pode (e deve) procurar armaduras poderosas para inclusive montar composições especificas de um estilo de luta.
Dá para fazer um Kratos que causa mais dano, um Kratos defensivo ou até um Kratos com bastante poder rúnico, por exemplo.
Mas apesar de ser um recurso padrão, usado em games de todo tipo hoje, é nesse quesito que "God of War" dá suas maiores patinadas, com as devidas proporções.
Muitas vezes é confuso administrar os equipamentos no inventário, entender quais armaduras têm modificações equipadas e quais não, e quantos recursos são necessáriso para melhorar uma ou outra armadura.
Homem na estrada
Kratos aparece mais velho e maduro em novo 'God of War' — Foto: Divulgação/Sony
Jogar o novo "God of War" é enxergar um dos maiores ícones dos games sendo desconstruído e reconstruído em tempo real na sua frente. E se pegar pensando em passado, futuro, pais, filhos, e a dureza que é conciliar tudo isso.
E apesar de desmembrar monstros de todos os tipos e tamanhos na frente do filho – que educação é essa??? – Kratos enfim ganha a dimensão psicológica que merece. E Atreus é show também, bem longe do pentelho inseguro que os trailers do game sugeriam.
A evolução de conceito e design é abismal e lembra a de "Resident Evil 4" (2005), quando a série de terror da Capcom abraçou a ação, mudou radicalmente de rumo, e influenciou uma geração inteira de games.
Talvez esse não seja o caso da aventura de Kratos. É que o novo "God of War" está mais para um remix extremamente bem feito das grandes mecânicas que deram certos nos RPGs de ação dos últimos anos, do que algo propriamente disruptivo.
Sempre será difícil agradar gregos e troianos. Mas "God of War" já é sério candidato a melhor game do ano. Fica aí o desafio para "Red Dead Redemption 2" no segundo semestre. Os espartanos aqui estarão esperando.