"Emilia Pérez", filme que abriu o Festival do Rio na quinta-feira (3) e que deve estrear nos cinemas brasileiros em fevereiro de 2025, mostra como é possível misturar gêneros diferentes de forma bem criativa e original.
A produção foi um grande sucesso no Festival de Cannes 2024, principalmente pela maneira inventiva que encontrou para contar sua história e também pelo seu incrível elenco. Como resultado, levou o Prêmio do Júri e de Melhor Atuação Feminina para suas quatro protagonistas — tudo justíssimo.
Livremente adaptada do romance ‘‘Ecoute’’, de Boris Razon, a trama é centrada em Rita (Zoe Saldana), uma advogada cansada de livrar criminosos da cadeia que um dia recebe uma ligação de Manitas del Monte (Karla Sofía Gascó), líder do cartel de drogas na Cidade do México.
Ele quer que Rita o ajude a passar por uma cirurgia de transição de gênero e que ela tire sua esposa, Jessí (Selena Gomez) e seus filhos do país para que seus inimigos não façam nada contra eles.
Assista ao trailer do filme "Emilia Perez"
Anos depois, com o dinheiro que recebeu do traficante, Rita vive com conforto em Londres, quando conhece uma mulher chamada Emilia Pérez. Ela não demora a descobrir que sua nova amiga é, na verdade, Manitas, que pede para que traga de volta sua família para o México para viver com eles, sem que ninguém saiba quem ela é.
Música e lágrimas
"Emilia Perez" é uma experiência cinematográfica intensa e hipnótica. As situações dramáticas e os números musicais são muito bem amarrados, graças a um roteiro que não deixa a sensação de que algo está fora de lugar, como infelizmente aconteceu com "Coringa: Folia a Dois".
O grande responsável pela boa execução é o diretor Jacques Audiard ("Ferrugem e Osso", "O Profeta"), que nunca perde o foco e consegue fazer a transição entre os gêneros do filme de forma orgânica e empolgante.
Zoe Saldaña interpreta a advogada Rita em 'Emilia Pérez' — Foto: Divulgação
Audiard, também autor do roteiro, consegue mostrar através da música os conflitos e sofrimentos de suas protagonistas de uma maneira que o público cria empatia com as personagens. Auxiliado por uma ótima trilha de canções, o cineasta envolve o espectador de um jeito ousado que não perde o ritmo e tira a estranheza de ter pessoas cantando no meio de uma trama que ganha contornos pesados com o passar do tempo.
Além disso, o filme toca em questões do universo feminino de maneira contundente e até mesmo inesperada. Um bom exemplo disso está na introdução da personagem Epifanía, interpretada por Adriana Paz. Sua história mexe ainda mais a personalidade de Emilia, que passa a entender melhor o que as mulheres passam na sociedade e como isso muda a vida das pessoas ao seu redor, como Rita.
Vale destacar também que o filme, além da parte musical, impressiona pela forma com que Audiard conduz as cenas de ação, principalmente em seu terço final. O cineasta cria um bom clima de tensão que ajuda a criar uma imprevisibilidade que pega o público de surpresa.
Selena Gomez interpreta Jessí no filme 'Emilia Pérez' — Foto: Divulgação
Mulheres inspiradas
O grande destaque de "Emilia Pérez" está mesmo em seu incrível elenco feminino, que mostra um incrível trabalho no drama e nos momentos musicais. Saldana , conhecida do grande público por suas participações em filmes como "Avatar" e "Guardiões da Galáxia", tem aqui muito mais espaço para brilhar.
A atriz consegue passar tanto a força quanto a humanidade de Rita, que precisa se mostrar forte em momentos chaves da trama, para logo em seguida exibir conflitos pessoais que muitas mulheres têm. Com a personalidade multifacetada da personagem, Saldana encarou bem o desafio e se saiu muito bem com uma ótima atuação, a melhor do filme.
Gomez, embora também transmita bem as angústias que sua Jessí apresenta, tem pouco espaço na trama e chama mais a atenção, graças a seu histórico artístico, nos números musicais. Sua atuação é correta, mas não chega a sobressair. Pelo menos, seu papel é uma espécie de rompimento definitivo com a imagem que se popularizou com as produções infanto-juvenis que protagonizou.
Adriana Paz, que só vai ter mais destaque depois da metade do filme, cativa com sua maneira de lidar com os sofrimentos de Epifanía e a relação que desenvolve com a personagem-título. Graças a sua atuação, a atriz se torna marcante ao final.
Karla Sofía Gascón e Adriana Paz numa cena de 'Emilia Perez' — Foto: Divulgação
Mas enquanto Zoe Saldana se torna o nome mais forte do elenco, o coração de "Emilia Peréz" está mesmo com Karla Sofía Gascón. A atriz impressiona com a masculinidade de Manitas e na feminilidade de Emilia, onde constrói uma personagem complexa e, ao mesmo tempo, impressionante.
Um dos melhores momentos do filme é a cena em que as duas personalidades da protagonista aparecem durante uma discussão com a personagem de Gomez. A sequência é bem construída graças a performance das duas atrizes.
Quem assistir a "Emilia Perez" verá um trabalho conjunto forte e belíssimo deste quarteto de atrizes, que impressionaram o júri do Festival de Cannes, a ponto de tomar a decisão rara de dar para as quatro o prêmio de Melhor Interpretação Feminina. Embora se possa questionar a atuação de uma ou de outra, é inegável que seu trabalho deixou o filme ainda mais brilhante.
Representante da França para disputar uma das vagas dos indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional, "Emilia Perez" é uma experiência marcante até mesmo para quem não curte musicais. Com muita energia e criatividade, o longa vai despertar paixões e muitas discussões.
Cartela resenha crítica g1 — Foto: g1