Cinema

Por Cesar Soto, g1

Só a atuação magistral de Carey Mulligan em "Maestro" já valeria o preço do ingresso – por mais que a performance seja tão brilhante, que ofusca um pouco o protagonista do título.

A cinebiografia supera esse obstáculo incomum com um retrato emocional de Leonard Bernstein (1918-1990), uma das maiores lendas da música americana, sem os clichês comuns no gênero.

Ao estrear nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (7) repleto de aspirações ao Oscar, o filme mostra um amadurecimento notável de Bradley Cooper como diretor, ator e contador de histórias.

Bernstein pode não ser tão conhecido no Brasil, mas nos Estados Unidos é daquelas lendas incontestáveis. Primeiro regente americano a receber aclamação internacional, ele colecionou prêmios como 16 Grammy, sete Emmy e dois Tony.

"Maestro" narra sua vida, e até serve para apresentar sua importância para quem não o conhece, mas se afasta do status de filme-para-ser-exibido-na-aula-de-artes (ou sua versão mais recente, a adaptação-de-página-de-Wikipedia) ao focar no lado humano do gênio.

Ao mesmo tempo, também evita os lugares-comuns das obras sobre "homens notáveis e complicados" (como a personagem de semi parodiada em "Tár") graças à tocante história de amor do músico com sua mulher, Felicia (Mulligan).

Assista ao trailer de 'Maestro'

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Surrealismo na vida

No centro do filme, o relacionamento tira um pouco também o tempo que poderia ser dedicado às inúmeras realizações do protagonista, é verdade. É como se Mulligan conquistasse espaço à força, só com o poder de sua atuação gigantesca.

Por sua vez, isso provoca uma narrativa mais lírica, menos presa a uma estrutura linear/padrão. Não é sempre que uma biografia ousa o suficiente para borrar as fronteiras entre real e sonho – bizarro, considerando que todas que a fazem são infinitamente superiores às demais.

A cena em que o casal recém-formado deixa um jantar desconfortável com amigos e cai dentro de um dos musicais compostos por Bernstein, que se junta ao balé e a seus próprios desejos com um dos atores no palco, é sublime (e supera um "Bohemian Rhapsody" inteiro).

Ela também serve como boa ilustração da riqueza da relação dos dois. No rosto de Mulligan, é possível ver a jornada que começa pelo orgulho, vai à resignação pelos impulsos reais do marido e termina no conflito por saber que talvez nunca seja suficiente – sexual ou criativamente.

Bernstein, afinal, ama pessoas.

Bradley Cooper dirige Carey Mulligan em 'Maestro' — Foto: Jason McDonald/Netflix

Bradley Cooper, diretor

Com isso, o roteiro assinado por Cooper e por Josh Singer (ganhador do Oscar por "Spotlight"), se mostra menos interessado em marcos e mais em sentimentos.

Em algumas horas, é difícil acompanhar a passagem de tempo ou de conquistas do maestro – quem não tem tanto conhecimento da cultura pop americana de décadas atrás deve sofrer mais.

Mas a ideia é se aproximar da mente inquieta de Bernstein, que claramente também não tem tanto controle sobre sua vida ou impulsos quanto o tem sobre uma sinfonia um coral.

Na pele do protagonista, Cooper se entrega ao papel, ajudado por próteses que o envelhecem de forma muito convincente mais perto do final.

O nariz acentuado do regente na vida real, reproduzido também com maquiagem, incomoda no começo, mas logo o ator se perde o suficiente para que não seja mais um fator.

Só que é na direção que Cooper se destaca de verdade. "Maestro" é uma evolução gigantesca em relação a "Nasce uma estrela" (2018), que já era muito bom.

Bradley Cooper em cena de 'Maestro' — Foto: Jason McDonald/Netflix

Em seu segundo trabalho no cargo, ele mostra um amadurecimento invejável, confiante o suficiente para transitar nos limites do gênero, por mais que seja na segurança da emulação da linguagem do cinema preto e branco – uma transição que lembra, de certa forma, a de George Clooney com seu "Boa noite e boa sorte" (2005).

Que Cooper não copie o resto da carreira como cineasta do colega, que desde então nunca conseguiu chegar perto de repetir a qualidade de sua grande obra.

Mas, se o paralelo vale de alguma coisa, Clooney foi indicado ao Oscar pela direção e pelo roteiro na época – e o filme esteve entre os concorrentes na categoria principal.

Não é exagero imaginar que o mesmo aconteça com "Maestro".

Bradley Cooper em cena de 'Maestro' — Foto: Jason McDonald/Netflix

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