A expectativa para "Wonka", filme que estreia nesta quinta-feira (7) no Brasil sobre a juventude do excêntrico dono da "Fantástica fábrica de chocolate" (do livro ou das adaptações ao cinema), era terrível depois de um trailer inicial horroroso. Talvez fosse parte de um plano.
Desde os primeiros versos da primeira canção da primeira cena, fica claro que o musical não é apenas mais uma tentativa oportunista de criar uma nova franquia em cima de uma obra conhecida e amada.
Estrelado por Timothée Chalamet ("Duna") no auge de seu charme, o filme surpreende ao saber aproveitar de uma bobice e um otimismo raros nas grandes produções dos últimos anos – mérito do diretor e corroteirista Paul King (dos dois excelentes "Paddington").
Assista ao trailer de 'Wonka'
A trama infantil, que deve de verdade agradar a toda a família, não revoluciona tanto quanto os projetos pelo qual o cineasta é mais conhecido, é verdade. Na segunda metade, flerta perigosamente com um jogo seguro demais.
Mas faz parte de um trabalho confiante amparado por um elenco de primeira, que conta ainda com a ganhadora do Oscar Olivia Colman ("A favorita"), a duas vezes indicada Sally Hawkins ("A forma da água") e Hugh Grant ("Dungeons & Dragons: Honra entre rebeldes").
Um sonho de chocolate
Livremente baseado no livro clássico de Roald Dahl e em sua adaptação cinematográfica de 1971, "Wonka" inventa com doçura uma origem para o esquisito e misterioso personagem eternizado por Gene Wilder no cinema – a versão de Johnny Depp, de 2005, por sorte não tem tanta influência.
No roteiro de King e de seu parceiro no ótimo "Paddington 2" (2017), Simon Farnaby (que faz uma participação deliciosa), o jovem Willy Wonka de Chalamet chega a uma cidade vagamente europeia da metade do século 20 após um período como chef em um navio.
Para realizar seu sonho de abrir a melhor loja de chocolates do mundo, ele precisa usar de toda sua inventividade – e magia – para superar os obstáculos colocados por um cartel de confeiteiros locais e escapar das garras de uma vilã inescrupulosa (Colman).
Grande elenco, pequeno Grant
Timothée Chalamet e Hugh Grant em cena de 'Wonka' — Foto: Divulgação
Celebrado por papéis mais taciturnos e emocionais, Chalamet empresta todo seu charme ao protagonista e transita com habilidade entre a ingenuidade irremediável e um otimismo poderoso. Sem ele, é difícil acreditar que esta versão do famoso Willy se conectaria tão bem com o público.
Colman, por sua vez, é o grande símbolo de um elenco que nem tenta esconder a diversão que teve ao gravar cada cena. Cada momento com a atriz é um deleite, e sua química com Tom Davis (mais um de "Paddington 2") valia um filme próprio.
Com uma dupla desse calibre, é notável como Grant consegue se destacar mesmo pintado de laranja e debaixo de uma peruca verde brilhante.
Sua escalação como um Oompa-Loompa gerou enorme estranheza no primeiro trailer – e a computação gráfica usada para deixá-lo com os menos de 50 cm de altura dos famosos ajudantes de Wonka na futura fábrica nem sempre encaixa.
Mas o texto sabe se aproveitar da acidez do antigo galã, que encontrou um novo nicho para brilhar do alto de seus 63 anos. Mérito mais uma vez dos roteiristas, que já tinham explorado esse lado do ator como o vilão de "Paddington 2" (dá para ver um padrão aqui, né?).
O trio brilha ainda graças à ajuda de um elenco formado por grandes nomes do humor – e, em menor escala, drama – britânico, como Hawkins, Paterson Joseph ("The leftovers"), Matt Lucas ("As aventuras de Paddington"), Rowan Atkinson (o "Mr. Bean") e Jim Carter ("Downton Abbey").
Entre eles, somente o americano Keegan-Michael Key ("Schmigadoon!") destoa. Preso em um personagem de uma piada só, e das mais cansadas, o decente comediante sofre na comparação com os demais.
Paul, o rei
O grande acerto de "Wonka" foi mesmo a escolha de King como comandante. As duas adaptações dos livros do ursinho de bom coração já mostravam um controle refinado sobre a linguagem, a fisicalidade e bobice sincera de desenho animado que fazem do novo filme um triunfo – faltava a ele apenas um personagem de alcance mundial.
Olivia Colman em cena de 'Wonka' — Foto: Divulgação
De fato, seu Willy é quase um Paddington de carne e osso e um pouco mais de grife. Saem o chapéu vermelho e a capa de chuva do animal antropomorfizado e entram a cartola e o sobretudo bordô do confeiteiro. O otimismo inabalável e a magia permanecem.
Sob o olhar de King, até a falta de domínio de Chalamet sobre suas cordas vocais se transformam em qualidade durante as sequências musicais.
As canções não repetem a força do filme de 1971, é verdade, mas o uso de notas da clássica "Pure imagination" ao longo da trilha, rematado com a ressignificação certeira em um momento chave tem poder suficiente para tirar lágrimas de qualquer um.
"Wonka" poderia ter sido só mais uma tentativa oportunista da criação de um universo cinematográfico. Graças a King, seu otimismo e sua bobice, se torna em um exemplar raro de tais qualidades.