Cinema

Por Marina Lourenço, g1


'Barbie' tira sarro da boneca mais famosa do mundo e até de sua fabricante; g1 já viu

'Barbie' tira sarro da boneca mais famosa do mundo e até de sua fabricante; g1 já viu

Ambicioso, “Barbie” é um filme muito bom naquilo que se propõe a ser: uma sátira feminista sobre a boneca mais famosa do mundo numa obra que, no fim das contas, é uma galinha de ovos de ouro da Mattel, a fabricante da boneca.

Por ser um filme-produto, é sabido que as chances de o longa carregar uma mensagem completamente anti-Barbie são baixas, senão, nulas.

Ainda assim, o filme não deixa de abordar o lado sombrio existente por trás da boneca, que endossou — e endossa — uma enxurrada estereótipos sexistas e racistas.

Como já era esperado, “Barbie” se trata de uma sátira feminista, embalada num amontado de cenas irônicas. O longa tira sarro da Barbie, mas não só. Além da personagem, a Mattel, seus fãs e haters também são alvos de piada.

Com estreia nesta quinta-feira (20), o longa, que tem provocado um frenesi exacerbado antes mesmo de estrear, expõe um contraste entre a fictícia Barbielândia e o mundo real.

Vida de plástico é fantástica

No universo cor-de-rosa, Barbie é a perfeição em forma de mulher, ou melhor, de boneca. Sexys, bem-sucedidas e felizes, todas as suas versões vivem juntas em harmonia e dominam tudo ao redor, da constituição à astronomia.

O Ken (Ryan Gosling), par romântico da Barbie (Margot Robbie), não tem o mesmo nível de relevância de suas conterrâneas. Enquanto elas se dividem em múltiplas funções, como presidente, escritora e jornalista, ele é no máximo um homem que tenta, sem sucesso, ser bom em surfe e conseguir noitadas com sua amada, que o trata com desdém na maior parte do tempo.

É ótima a referência à posição que Ken ocupa no imaginário coletivo. Sem o glamour da boneca, ele sempre se limitou ao status de "namorado da Barbie". Muito diferente dela, que, como bem mostrado no filme de Greta Gerwig, é equiparável ao monolito de "2001 - Uma Odisseia no Espaço" (1968), de Stanley Kubrick.

Cena de 'Barbie' — Foto: Divulgação

Vamos lá, Barbie

No mundo hiperfeliz da Barbielândia, não existe celulite, bafo matinal e reflexões sobre a morte. Como diz a letra de Aqua: a vida de plástico é fantástica.

Tudo muda, porém, quando a "Barbie estereotipada" — nome que as personagens dão à principal versão da boneca, a loira sensual de proporções irreais — começa a apresentar defeitos como pés não empinados.

Ao descobrir que as falhas são resultado de uma interferência do mundo real na Barbielândia, a protagonista vai, a contragosto, até o universo dos humanos para encontrar a solução e, enfim, abandonar as celulites.

Ken segue a personagem e, juntos, os dois ingressam numa jornada de descobertas, das quais a principal é a existência do patriarcado — conceito que incomoda a protagonista, mas encanta o boneco.

Dona do pedaço na encantada Barbielândia, Barbie se vê violada, ignorada e menosprezada no mundo de carne e osso. Nem mesmo a Mattel, que deu vida a seu universo, é feito de mulheres poderosas.

Cena de 'Barbie' — Foto: Divulgação

Não sou sua Barbie

Enfático na desigualdade de gênero, o filme pode soar, às vezes, exagerado na alusão à violência patriarcal, tendo, por exemplo, cenas muito caricatas sobre assédio. A escolha, no entanto, consegue dialogar bem com o estilo do roteiro, que é imerso numa metalinguagem debochada.

Um dos grandes mistérios que se criou em torno do longa é como Gerwig alinharia as controvérsias da boneca ao seu apelo popular. O resultado é uma obra que consegue mostrar essa complexidade com leveza e sagacidade.

Um exemplo é quando Barbie, que jura de pés juntos ser um símbolo feminista — por exercer centenas de profissões, ser independente e ter a casa de seus sonhos —, descobre ser odiada por uma legião de mulheres.

Seu ideal feminino é taxado como fascista, capitalista, e a personificação de uma bimbo — termo usado para garotas fúteis que são sexualmente atraentes.

Vemos a protagonista refletir sobre a própria existência, dando ênfase a seus defeitos, e desvalorizando seus atributos, ao se comparar com outras Barbies, o que, num planeta de rivalidade feminina como a Terra, faz todo sentido.

Vivendo no meu próprio mundo

Gerwig humaniza o brinquedo de uma maneira que até mesmo quem revira os olhos para a boneca deve se compadecer com ela, dando, assim, novas camadas de dualidade à trama. É por isso também que promete agradar a públicos tão distintos.

As expressões faciais e os movimentos corporais do elenco chamam a atenção ao imitar a plasticidade dos bonecos.

Indicada ao Oscar de melhor atriz por "Eu, Tonya" (2017), Margot Robbie faz um excelente trabalho em "Barbie". O mesmo pode ser dito de "Ryan Gosling", ator que concorreu ao Oscar por "La La Land" (2017).

A brincadeira com o contraste entre o cenário fru-fru da Barbielândia e a selva de pedra de Los Angeles também é outro triunfo que dá fôlego ao filme, fazendo qualquer um desejar uns minutos no mundo encantado.

Em vez de diálogos cabeçudos, o filme insere uma profundidade de assuntos usando piadinhas que são propositalmente bobas. E a graça é essa.

Me chame de clássica

Mas ainda que saiba unir humor à crítica — e insira um mea culpa da Mattel —, "Barbie" tem também deslizes.

As contradições raciais da boneca, que demorou mais de trinta anos para ter uma versão negra, por exemplo, chegam a ser mencionadas, em forma de piadas, mas não ganham muito espaço.

O filme tem também cenas que são prolixas, como uma longa guerra de Kens, que talvez funcionasse melhor sendo mais enxuta.

Nenhum deslize, no entanto, chega a prejudicar o escopo da obra. Gerwig fez um filme que é, ao mesmo tempo, divertido, dramático e provocador. Não é exagero dizer que esta é a sua obra mais criativa e melhor executada.

Em vez de cenas arrastadas como as de "Adoráveis Mulheres" (2020), ou clichês como as de "Lady Bird: A Hora de Voar" (2017), direções anteriores da americana, "Barbie" não deixa o espectador cansado da tela e oferece ainda um conteúdo que desde o princípio é repleto de originalidade.

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