Cinema

Por Cesar Soto, g1

Ao final de "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo", você provavelmente vai se perguntar por que diabos está chorando. Como um filme de lutinha com universos paralelos e dedos feitos de salsicha pode ser tão sensível e universal?

Quando passar o transe provocado por essa mistura louca de absurdo elevado ao extremo, humor nonsense e ficção científica, no entanto, haverá provavelmente uma certeza. A de que este é o melhor filme do ano – se não, o melhor dos últimos anos.

Com um elenco irretocável, uma direção criadora de algumas das imagens mais criativas e visualmente deslumbrantes e um final extremamente humano, a produção que entra em pré-estreia nesta quinta-feira (16) nos cinemas brasileiros (e que vai ser lançada oficialmente no dia 23) prova que grandes ideias podem superar orçamentos gigantescos.

Assista ao trailer de 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo'

Assista ao trailer de 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo'

A nada extraordinária, totalmente comum Michelle Yeoh

"Tudo em todo lugar ao mesmo tempo" conta a história de uma imigrante chinesa já de uma certa idade, presa entre a auditoria que a receita federal realiza sobre sua lavanderia, um casamento em crise, a busca pela aprovação do pai e, acima de tudo, a relação com uma filha que se afasta cada vez mais.

Como se já não estivesse dividida o suficiente, ela ainda descobre sua existência em infinitos universos paralelos, e precisa acessar as experiências e habilidades de suas contrapartes para impedir um ser maligno que ameaça a todos.

A grande (e bizarramente subvalorizada em Hollywood) Michelle Yeoh ("Podres de ricos") apresenta uma protagonista fragmentada, mas com dilemas extremamente relacionáveis, em especial para quem vem de famílias asiáticas – ou para viajantes extradimensionais, é claro.

Sem uma atriz como ela, que consegue ir do mundano ao extraordinário como alguém trocaria de roupa, as loucuras do roteiro dos diretores que se apresentam apenas como "Daniels" (Daniel Kwan e Daniel Scheinert) poderiam ser até divertidas – meu Deus, como são divertidas –, mas dificilmente atingiriam o nível sublime do filme.

Jamie Lee Curtis e Michelle Yeoh em cena de 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo' — Foto: Divulgação

Loucos Daniels

E loucura é pouco para descrever as realidades apresentadas pela dupla.

Desde uma dimensão em que os seres humanos evoluíram para terem salsichas nos lugares dos dedos até outra em que a heroína divide a cozinha de um restaurante com uma versão do filme "Ratatouille" (2007), mas com um guaxinim no lugar.

Incrivelmente, cada uma delas transcende o status de mera participação especial e é inserida em um contexto significativo para a trama.

Algumas, talvez até as mais bobas à primeira vista, chegam a tirar lágrimas dos olhos do espectador com o avançar da história. Quem diria que a conversa entre duas pedras poderia fazer alguém chorar? Os Daniels diriam.

Stephanie Hsu, Ke Huy Quan, Michelle Yeoh e James Hong em cena de 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo' — Foto: Divulgação

Arma secreta

Os diretores e Yeoh são apoiados ainda por um dos melhores elencos de rostos até conhecidos – mas nomes nem tanto – de Hollywood.

A mais prestigiada entre eles é Jamie Lee Curtis ("Halloween"), com uma interpretação generosa de uma auditora da receita/capanga sem intenções de roubar a cena.

Como o marido, Ke Huy Quan (ator mirim de "Indiana Jones e o templo da perdição" e "Os Goonies" que tinha parado de atuar em 2002 por falta de papéis para asiáticos) mostra que Hollywood só tem a ganhar com seu retorno.

Tanto na versão comum da dimensão principal, quanto no lutador do chamado universo Alpha, ele entrega um personagem heroico mesmo na covardia e doçura – algo que definitivamente não é para qualquer um.

Stephanie Hsu em cena de 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo' — Foto: Divulgação

Aos 93 anos, o veterano James Hong ("Os aventureiros do bairro proibido") também abraça a oportunidade de um papel rico como o pai da protagonista.

Mas é Stephanie Hsu ("The Marvelous Mrs. Maisel") quem desponta como a grande força secreta do filme como a filha dividida entre a vida nos Estados Unidos e a criação de pais imigrantes.

Sua personagem, tomada por dilemas próprios e repleta de um niilismo delicioso, protagoniza alguns dos momentos mais visualmente desafiadores e empolgantes da produção.

Michelle Yeoh e Harry Shum Jr. em cena de 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo' — Foto: Divulgação

Tudo ao mesmo tempo

"Tudo em todo lugar ao mesmo tempo" é o melhor filme do ano. Provavelmente, o melhor dos últimos anos.

É original enquanto caminha pela fronteira delicada entre a referência e a regravação descarada de clássicos como "Matrix" (1999), "Kill Bill: Volume 2" (2004) e a obra do diretor chinês Wong Kar-Wai ("Amor à flor da pele").

É um grande exemplar de ficção científica e artes marciais, ao mesmo tempo em que explora relações familiares em contextos bem particulares e muito universais.

É extremamente engraçado e absurdo enquanto apresenta uma história incrivelmente humana sobre conexões, aceitação e amor.

É tudo isso. Em muitos lugares. Tudo ao mesmo tempo.

Ke Huy Quan e Michelle Yeoh em cena de 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo' — Foto: Divulgação

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