Você não precisa acreditar em nada do que eu vou contar agora. Mas em uma semana que passei recentemente em Nova York, eu encontrei três pessoas famosas - duas delas, verdadeiros ídolos. Acontece que eu não tirei nenhuma foto de nenhum desses encontros. E no mundo que a gente vive hoje, se eu não tenho o selfie para "provar" que alguma coisa aconteceu de verdade, é como se eu estivesse inventando. Triste…
 
"Por que você não tirou uma foto?", perguntaram  as primeiras pessoas para quem eu relatei esses episódios. A resposta é simples: eu não me senti à vontade para pedir para esses artistas posarem para um selfie. Já passei por uma situação dessas antes - é um desses episódios, talvez o mais saboroso, que já contei aqui: o dia em que me vi diante de Thom York, do Radiohead, em uma loja em Paris.

Tietagem à parte, eu talvez tenha um viés nesses encontros - até pelo fato de ser uma pessoa pública (em dimensões bem mais reduzidas do que essas estrelas internacionais com quem cruzei). Basicamente, eu morro de medo de estar incomodando - e lembro que não é apenas porque eu admiro essa ou aquela pessoa que eu tenho o direito de pedir favores, como parar o que ela está fazendo para posar para uma foto.
 
Quando é comigo, não me incomodo. Mesmo! Se um dia eu não estou disposto a interagir - por um problema pessoal, ou qualquer outro obstáculo do meu dia a dia -, eu fico em casa. Às vezes, numa situação de pressa - um embarque no aeroporto é um exemplo típico - eu peço desculpas e faço com que a pessoa entenda minha correria (e mesmo assim ainda paro para uma foto). Mas isso sou eu - não posso adivinhar o quanto outras pessoas públicas estão dispostas a essa troca num determinado momento. E na dúvida... Eu acabo não abordando ninguém. O que não significa que eu não tenha a vontade de tirar uma foto com elas! Além de uma admiração profunda por cada uma elas. Como é o caso desses três encontros recentes em Nova York.
 
Todos eles foram especiais - e numa escala crescente. Como não tirei foto, repito… Você tem todo direito de não acreditar em mim. Mas eu prefiro achar que uma história bem contada ainda pode ser bem convincente. Então aqui vão elas - sem ilustração.
 
O primeiro encontro foi com um ator do seriado "Girls". Não, não é Adam Driver - pode soltar sua respiração! Seu personagem é relativamente pequeno, mas costura bem a história de duas amigas de Hanna - Marnie e Shoshanna. Afinal, ele já namorou as duas - e na última temporada, a quarta, seu papel cresceu bastante. É dele uma das cenas recentes mais engraçadas, quando ele faz um discurso amoroso disfarçado de blá blá blá político.
 
O nome desse ator é Alex Karpovsky, e o seu personagem é Ray. Como disse, ele não é nada demais, mas naquela esquina da rua 44 com a Sexta avenida, enquanto eu esperava um casal de amigos queridos (e a filha deles), ter esbarrado com alguém que trabalha num dos meus seriados favoritos já me pareceu bastante especial. Ninguém ali em volta parecia reconhecê-lo e, talvez por isso mesmo, eu me senti na obrigação de falar com ele.
 
"Olha quem está aqui", disse eu caprichando num sotaque nova-iorquino. Ele pareceu meio sem-graça - e eu reforcei: "Sou um grande fã”! Ele agradeceu modestamente e eu dei o golpe final: "Eu sou do Brasil, você tem muitos fãs por lá". Um pequeno exagero que o deixou atordoado.
 
Claro que "Girls" tem seus fiéis seguidores aqui no Brasil. Talvez até você que me lê seja um deles. Mas eu fiz o elogio soar como se ele fosse uma espécie de Leonardo DiCaprio - e acho que as informações deram um nó na sua manhã. Ele parecia estar indo num banco ali perto, e eu não tinha um motivo aparente para estar ali parado naquela esquina. Toda a troca foi muito rápida - e quando ele abreviou a conversa com um "ok", eu achei que tinha feito um papel de bobo. Ou talvez não...
 
Acho que esse é meu medo: piorar uma situação que já é constrangedora! Senti-me ainda mais sem graça quando dois dias depois, andando com outros amigos no Soho, encontrei não apenas um ídolo, mas um ícone: Patti Smith. Foi uma coincidência absurda pois eu estava com uma amiga - e colega, uma excelente atriz com quem divido uma fascinação pela sua história e a do fotógrafo Robert Mapplethorpe. Tudo isso, claro, por conta do livro "Só garotos", onde Patti conta como foi sua formação artística (e a de Mapplethorpe) na Nova York dos anos 70.
 
Saindo de um almoço num despretensioso - e delicioso - italiano, um outro amigo que nos acompanhava (e que mora há oito anos na cidade) lembrou dessa nossa paixão e perguntou se a gente gostaria de ver onde Patti Smith morava. Respondemos em uníssono que sim!
 
Aí entrou em cena um velho conhecido meu: o acaso. Pois exatamente na hora que chegávamos na frente da sua casa, um carro estacionava é dele descia ninguém menos que a moradora famosa. Fiquei tão sem reação que enquanto minha amiga atravessava a rua para tentar uma abordagem (ela sempre mais corajosa que eu!) eu fiquei outro lado me perguntando o que eu deveria fazer... Eu realmente fiquei sem reação.
 
Só quando eu vi que a atriz estava conversando num clima ótimo com Patti eu tive coragem de me aproximar e me apresentar - como sempre, quando a introdução é para um americano, eu falo que meu nome é Zach (como em Zachary), pra ficar mais fácil... Quando cheguei, a rápida troca já estava no final, mas eu tive a chance de apertar sua mão discretamente - e só comemorar o episódio quando eu e minha amiga já tínhamos virado a esquina.
 
Mal podíamos nos controlar! Era muita coincidência! Uma estrela maior que os dois veneram - eu tenho um retrato de Mapplethorpe em casa e ela um da Patti Smith por conta dessa loucura - dando mole ali, justamente quando os nós dois, fãs, estamos passando pela cidade? Quais as chances de isso acontecer? Eu minha amiga tivemos um ataque de riso de tanta felicidade - e acho que ainda estamos sob o efeito desse episódio até hoje. Mas pelo eu tinha com quem comemorar!
 
Meu terceiro encontro foi mais solitário - e mais especial ainda para mim. Não foi no meio da rua nem na calçada em frente à casa de ninguém. Foi num elevador. E com uma cantora que eu venero há mais de trinta anos!
 
Eu estava subindo num prédio dos mais tradicionais de Nova York, ali perto do Meat Packing District. Na verdade eu aguardava ser anunciado pelo porteiro antes de subir, quando achei que por mim tinha passado um rosto ligeiramente familiar. Não dei muita atenção, mas logo que fui liberado, corri para o elevador e pedi para que ela segurasse a porta para mim. E quando entrei meio esbaforido tive um choque: ali na minha frente, com um cachorro no colo, um cabelo desgrenhado e um nariz de quem tinha acabado de espirrar, estava ela: Debbie Harry!!
 
Antes de você dar um Google no nome dela, deixa eu facilitar as coisas. Afinal, para ter sido fã da banda em que ela cantava, você precisa ter no mínimo 50. Eu, agora com 52, acompanhei o Blondie desde o seu começo. Sucessos como "Rapture" e "Call me" estão aí até hoje - e as gerações que vieram depois dos anos 80 certamente aprenderam a gostar. Mas para entender o meu estado naquele elevador, só mesmo se você já era um fã da New Wave naquela época...
 
Pois mais de três décadas depois do auge do Blondie, lá estou eu diante de Debbie Harry (cujo retrato tirado pelo próprio parceiro Chris Stein está na parede de honra da minha casa - mas eu divago…), perguntando que andar ela queria que eu apertasse. Não resisti...
 
Ao contrário de Patti Smith, eu fiz questão de falar que eu a tinha reconhecido - e me insinuar como seu fã. "É bom ver você aqui", disse eu, sem nem me preocupar com o sotaque. Estimulado por um leve - levíssimo - sorriso seu, perguntei se ela estava espirrando porque estava gripada. "É só alergia", disse ela já chegando no seu andar, que infelizmente era baixo (quando minha vontade era que a gente estivesse no Empire State Building, e que ela morasse na cobertura!). "Have a nice day", foi como tudo terminou. E, novamente sem testemunhas para validar meu encontro - a não ser talvez por uma câmera de segurança do elevador -, eu tive um princípio de palpitação...
 
Todas essas situações foram inesperadas - e breves. Teria dado tempo de pedir uma fotografia? Teria - especialmente com Patti Smith. Mas ao contrário do que você possa imaginar eu não fiquei frustrado de não ter pedido um selfie com cada uma dessas celebridades. No caso de Debbie eu até cheguei a protestar comigo mesmo - sem muita convicção: "Você poderia perder essa vergonha e pedir uma foto - quem vai acreditar em você depois?". Acontece que, talvez porque a gente vive um cotidiano inundado de imagens, que eu ironicamente me senti bem de não ter pedido nada.
 
Depois da euforia de ter visto pessoalmente esses ídolos, veio a constatação de que, muito melhor do que uma imagem a mais no meu smartphone - que certamente eu ia mandar pelo Whatsapp para vários amigos -, o que tinha de mais especial nessas coincidências era a história do encontro em si. O valor que cada um desses artistas tinha - e ainda tem - para mim não diminui porque eu não tenho um retrato digital ao lado deles.
 
Na verdade estou mais feliz de poder contar essas histórias aqui, do que simplesmente "instagramar" esses selfies. Porque mesmo nesse tsunami de imagens que a gente vive - e eu estou mais do que nunca encantado com o poder do próprio Instagram (o meu oficial é @zecacamargomundo) - eu gosto de um bom "causo".
 
E ainda acredito no poder das palavras... E sigo torcendo para que vice acredite nas minhas!
 
O refrão nosso de cada dia: "Joe Doe", Young Fathers - por falar em Instagram, olha que eu tenho visitado alguns lugares estupendos ultimamente. E a trilha sonora é uma só: o segundo álbum do Young Fathers, o sensacional "White men are black men too". Eu recomendo o disco todo - é genial! Mas em especial essa faixa, que é a única música em que eu tolero um assobio, bem, depois daquela "música do assobio" - você sabe qual é...