Por mais que isso me envergonhe, tenho de confessar que estou atrasado com algumas séries de TV. Por exemplo, ao mesmo tempo que consegui ver "Sense8" assim que saiu, estou enrolando com a terceira temporada de "Orange is the new black"; nem peguei ainda a primeira de "True detective"; e - pior dos pecados! - só resolvi encarar "Breaking bad" recentemente.
 
Como estou no sexto episódio da última temporada - e já passei por momentos de extrema excitação, massagem à inteligência, pura enrolação, ódio à estupidez de Walter White, suspense absoluto e inexplicável indiferença (o que todo mundo viu de tão legal naquele "da mosca"?) - ainda vou levar um tempo para escrever sobre isso aqui. Quero escrever, aliás - muito! Mas cito a série hoje aqui não para falar de TV, mas de música.
 
A certa altura da quarta temporada, quando Mike resolve levar Jesse para "passear" (aos que ainda não colocaram "Breaking bad" na sua vida, não se preocupem - é apenas uma citação ilustrativa), a trilha sonora das imagens deles viajando pelas estradas desertas no estado americano de Novo México me chamou a atenção. Um estranho "sample" com uma data incompleta cantada em espanhol ("mil novecientos setenta y...") tomou conta de todo meu sistema auditivo e me fez pular do sofá. Fui correndo atrás do smartphone pedir para o Shazam me ajudar (falo, claro, do aplicativo que identifica - quase - qualquer trecho de música.)
 
E lá estava a canção que tinha mexido inesperadamente comigo: Ana Tijoux cantando, claro, "1977". Do pouco que pesquisei ali na hora na internet - com o "Breakig bad" em "pause" - descobri, para a minha surpresa, que ela não é naturalmente mexicana, mas franco-chilena. Gravou no México sim - inclusive com uma cantora que eu adoro, Julieta Venegas. Mas o que mais gostei era justamente dessa sua história misturada, que certamente a influenciou a pegar referências de vários lugares - como aliás é possível ouvir no seu álbum que baixei (que tem o mesmo nome da faixa que gostei, "1977").
 
O que aconteceu depois disso foi uma daquelas histórias que você, que já está acostumado com a dinâmica dos "causos" que conto aqui neste espaço, conhece bem. Deixei o "Breaking bad" de lado (só retomei no dia seguinte), e fui procurar, cutucado por Ana Tijoux, um CD de uma cantora que eu não ouvia há um tempão para ouvir. A ligação entre as duas era tênue: tanto Tijoux quanto essa cantora (e compositora) - que já falo quem é - têm essa origem mesclada, que deixam inevitáveis marcas em seu trabalho. Sempre positivas.
 
Na bagunça das minhas estantes, não achei nenhum CD de Lhasa - a tal cantora que procurava (e que já homenageei aqui mesmo neste blog quando soube da sua morte). Americana, ela foi criada no México e viveu no Canadá e na França. Cantava e compunha em inglês, francês e espanhol - brilhantemente nas três línguas, sempre com uma tristeza contagiante. Gosto tanto de Lhasa (até hoje), que minha tentação era falar mais sobre ela agora - mas acho que o texto do link acima já dá uma boa ideia da minha devoção.
 
Até porque nosso assunto de hoje não termina nessa minha procura frustrada pelos discos de Lhasa (que eu ainda não passei, acredite, para meu arquivo digital). Pelo contrário, ela começa por aí! Revirando pilhas e fileiras de CDs - lembrando que a minha coleção "analógica" ainda tem pouco mais de dois mil títulos - acabei encontrando coisas inacreditáveis: discos que estavam absolutamente esquecidos nas prateleiras! Artistas, músicas, álbuns inteiros que ouvi uma época quase sem parar - e que guardei na boa fé de que um dia voltaria a eles. Sem dúvidas! Bem, faço aqui um "mea culpa": alguns estavam esquecidos ali há mais de década!
 
Ligeiramente fascinado por essas (re)descobertas, fui separando-as numa pilha, no intuito genuíno de ouvir a tudo aquilo novamente - um pouco por nostalgia e um pouco por pura indignação. No caso, comigo mesmo. Como eu poderia ter esquecido, colocado na geladeira, tanta música boa - e em alguns casos excelentes?
 
Como já era tarde da noite, se eu fosse de fato ouvir aquilo tudo, eu só terminaria no dia seguinte - e olhe lá! Mas escutei um pouco de tudo, e matei as saudades. Mais do que isso, reforcei a lembrança de como já se fez música boa no pop - e como eu já me diverti com tanta diversidade de sons. Ter tirado esses CDs da geladeira só prova que a gente às vezes inconscientemente manda para lá coisas muito boas que, num determinado espaço de tempo, não têm como aparecer. Resolvi então reparar isso. E, como sempre, dividir com vocês.
 
Tenho quase certeza de que não falei de nenhum desses trabalho ainda aqui com você - mesmo nos quase nove anos de existência deste blog! Mesmo assim, serei breve nas descrições de cada trabalho - menos por economia de texto (você sabe que eu tenho problemas com isso, eheh) do que para deixar que essa descoberta (ou, se for como no meu caso, redescoberta) seja o mais espontânea possível.
 
São discos de várias épocas que, como disse, foram escolhidos por acaso - totalmente. Coloco eles aqui sem ordem de preferência. Foi um prazer - que agora compartilho com você. Não se trata de uma daquelas listas de meio de ano que estão na moda agora - o que aconteceu com as pessoas que agora não esperam mais dezembro para saber dos melhores lançamentos dos últimos doze meses? Já viu o que está saindo de lista de "melhores livros, discos, filmes... até agora"?
 
Bem, divago - e é sempre melhor divagar com música. Tire também esses artistas e suas músicas da geladeira. Você vai ver como vale a pena...
 
Reachin

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


"Reachin' (a new refutation of time & space)", Digable Planets - desconsidere o título mega pretensioso. Para não falar do tolo nome da banda. Em 1993, o que havia de mais "cool" no rap americano era essa promessa de de jazz nas músicas (que já chegava um pouco atrasada do outro lado do Atlântico). Mas funcionava, tudo bem. E funciona até hoje. Esse foi o primeiro que escutei da pilha - e nem lembrava qual faixa era o sucesso do álbum, "Rebirth of cool (slick like that)". Acabei gostando mais de coisas que nem registrei ter ouvido, como "What cool breezes do" e "Femme fetale" (sim, eles eram ruins de títulos!). Nota interessante: um dos componentes do trio, que tinha também uma mulher, era Ishmael Butler - que hoje segue trabalhando com o excelente Shabazz Palaces.
 
It's Jo And Danny

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Lank haired girl to beraded boy", It's Jo And Danny - por falar em nomes estúpidos... Mas novamente, isso é relevante diante dessa muralha de sons que essa dupla inglesa trouxe lá pelo ano de 2000. A maioria das músicas começa de um jeito simples, quase repetitivo. Mas vai crescendo de um jeito que parece que tá tocando dentro da sua caixa toráxica! Meio folk, meio psicodélico - mas esqueça os rótulos. Quando você chegar à faixa 8 ("Pilgrim's prayer"), já vai estar tão em transe que o que você menos quer é entender o que está ouvindo. Simplesmente embarque. Ou, como eles dizem nessa letra: "deixem o mar e céu se encontrarem"...
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 "La candela viva", Toto La Momposina Y sus Tambores - você sabia que Peter Gabriel já teve um selo só para divulgar o que gostava de "world music"? Felizmente esta expressão ficou tão datada que nem faz sentido mais usá-la. Mas lá por 1993, ela ainda fazia algum sentido - e foi por isso que eu conheci a colombiana Totó. Comprava quase tudo que o Real World (o selo de Gabriel) lançava - e ficava literalmente viajando nos seus sons. Totó, com seus tambores e cantos hipnóticos, estava completamente esquecida... Uma injustiça que corrigi na mesma hora: este é um dos CDs que ouvi por inteiro naquela "madrugada de descobertas"... Quero ver você também resistir a essas batidas!
 
Covering

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Covering them", R.E.M. - às vezes as coisas "obscuras" vêm de referências muito próximas. Eu nem sei como esse CD veio parara na minha coleção - é um "bootleg", ou "pirata", de 1994, lançado na Itália! Mas acho que o comprei porque queria uma nova versão da versão da banda para "Love is all around"... Já nem me lembro mais. Veio muita coisa boa junto! Covers de Lou Reed ("Sweet Jane", "Femme Fatale"), Stones ("Paint it black"), Iggy e Bowie ("Funtime"), e até uma inesperada "California dreamin' " (o clássico de Mamas & The Papas). Esse nem deu para ouvir tudo - tenho que retomar.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Happy families", Blancmange - poucos discos da minha coleção são mais estranhos do que esse. E poucos são tão bons. Começo dos anos 80. Pense em Depeche Mode e Soft Cell. Blancmange - uma dupla britânica eletrônica - poderia estar lá, lado a lado com eles. E esteve. Mas por uma dessas injustiças que só o pop consegue produzir, eles não entraram na história como essas outras bandas. Fiquei passado quando descobri que eles reapareceram em 2014, com uma nova versão desse álbum, "Blancmange too..." - que vou baixar assim que terminar de escrever isso aqui. Tanta coisa boa, "Living on the ceiling", "Waves", "Feel me", "Sad day" - e a (desculpe) inexplicável "I can't explain"...
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Agora", Bojo e Maria Alcina - acho que esse é o único disco de Maria Alcina que eu tenho. Não lembro de ter comprado nada nos anos 70, quando ela surgiu com sua voz estonteante. Porém, neste mundo de "ultradisponibilidade" virtual, achei um monte de coisa boa dela - inclusive um com o hilário título de "De normal bastam os outros" - que vou baixar já já. Mas naquela madrugada, ouvi esse encontro inusitado entre ela e Bojo - e que foi feito no céu em 2003. Um toque de moderno ("Kataflan") e um de clássico ("Filho maravilha") - e vários toques do indizível ("Pan pan pan")...
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


"Logos", Atlas Sound - este não faz muito tempo que foi lançado... é de 2009! Na época ouvi do início ao fim um zilhão de vezes - com direito a vários "repeats" na faixa "Sheila". Sim, eu sei: Bradford Cox, o nome por trás da banda, é da turma do Panda Bear. Mas não descarte o Atlas Sound só porque ele é "transadinho". O disco todo é sensacional - esse foi dos que "reescutei" por inteiro. Há uma melancolia doida ali nele, um lirismo escondido, uma estranheza maravilhosa - e algumas outras coisas que eu não consigo muito bem explicar... Comece por "Quick canal" para tentar entender melhor. Sem falar que a capa do disco tem uma inesquecível imagem de Cox sem camisa...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"The world is shaking - Cubanism from the Congo, 1954-55", Vários artistas - por onde começar? Músicas do Congo. Via Cuba. Nos anos 50. Como assim???? Eu adoro imaginar que, enquanto alguém acha que não existe música melhor do que aquela que estão falando para ela escutar - que é mais do mesmo - em algum lugar tem sempre gente experimentando coisas inimagináveis! E não é de hoje! Adianta se eu destacar algumas coisas dessa coletânea que é de 2009? Tipo... "Musinichkie", de Robert Yuakarie. "Moni moni non dey", de Adikwa Depala. "Yala to kala", de Vincent Kuli. Conhece alguma delas? Então comece a se mexer agora para conhecer - e esteja pronto para uma aventura musical
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Steps in time", King - Queen e Prince não foram as únicas realezas a ocupar o trono do pop. Em 1994, uma banda com o nome de King ("Rei") tomou conta das paradas britânicas - e embora não tenha feito muito sucesso em outras fronteiras, agradou aqui um certo brasileiro que naquela época era obcecado por tudo que tivesse a ver com o "UK chart". Apesar de "Love & pride", o single que estourou a banda, ser uma excelente mistura de metais e guitarras - algo que o ABC talvez fizesse com um pouquinho mais de elegância para a época - a carreira deles não foi muito pra frente. Lembro-me de que Paul chegou a ser VJ da MTV inglesa - mas o que esses caras têm na cabeça quando vão para a TV apresentar videoclipes? (Para quem não entendeu, esta foi uma auto-ironia). Não ouvi inteiro, mas gostei de relembrar.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Schoolyard ghosts", No-man - eu já estava bem cansado quando resolvi ouvir mais um CD. E acho que dei uma sorte incrível que foi esse - o último que vou indicar hoje. No-man existe desde o início dos anos 90, mas eu só o conheci em 2008, quando, de passagem por Nova York, estive na Other Music (minha loja de CDs favorita no mundo) e um cara que trabalha lá me recomendou "Schooyard", que é o trabalho mais recente deles. Que clima sensacional - ainda mais para a hora da manhã em que eu ouvia isso. Ponha para relaxar e viajar - e até chorar um pouco. No caso, recomendo a segunda faixa "Beautiful songs you should know". Como não gostar de uma banda que grava uma música chamada "Belas canções que você deveria conhecer"? Um verso que simplesmente resume tudo que eu quis te apresentar aqui hoje...