Tô rindo do quê?
Uma pergunta, tantas respostas... A mais imediata é: estou rindo porque hoje é meu aniversário - e eu sou daqueles que comemoram bem a data, que gosta de receber parabéns, que celebra cada ano que chega. No caso, o quinquagésimo-segundo!
Outra resposta possível, tem a ver com a foto que ilustra o post de hoje - na verdade uma bem antiga, do início dos anos 90, redescoberta recentemente pela amiga que está às gargalhadas ao meu lado. No caso, a Astrid, numa madrugada de Imagem & Ação, enlouquecidos!
Se abrirmos um pouco a resposta, estou rindo do porvir. Estou, mais uma vez, diante de novos desafios profissionais - e você que já me conhece (e que já "passou" vários aniversários comigo aqui) - sabe que poucas coisas me animam tanto quando estar diante do desconhecido, seja um novo país, uma nova banda, uma nova aventura. No caso, um novo projeto!
Mas o que me inspirou mesmo a escrever hoje foram as risadas que eu dei com algumas das séries mais inteligentes dos últimos tempos. Sim, você leu direito: eu ri de séries inteligentes. Elas são também engraçadas - algumas das mais hilárias que já foram produzidas este século. O que, se você pensar, tem tudo a ver: não é possível fazer humor sem inteligência.
Ou melhor, até é - e nosso cenário está repleto de contraexemplos do que eu acabei de falar. O problema é que esse humor sem inteligência não é muito engraçado... Eu sei, eu sei - ele está por toda a parte. Mas a discussão de hoje não é sobre humor no Brasil - que avança sempre aos solavancos (um Porta dos Fundos cá, um "Tá no ar" acolá, e vamos esperando as mais, ainda que raras, outras luzes nessa área). Tive a sorte de passar a véspera do meu aniversário na companhia de Ellie Kemper, Lisa Kudrow e Lena Dunham - & cia.! E é disso que eu quero falar.
Comecei vendo os três últimos episódios da quarta temporada de "Girls". Ligeiramente desanimado com a terceira temporada, eu - que já vinha ligeiramente decepcionado da segunda (depois de uma primeira estonteante) - encarei os episódios iniciais com resistência. A mudança de Hannah para Iowa (atenção patrulha do "spoiler", se liga!) não parecia prometer muito dramaticamente. Suas óbvias diferenças com o resto do seu grupo de escritores, ainda que engraçadas - na linha da humilhação (já falamos mais sobre isso daqui a pouco) - parecia ser mais do mesmo. Mas as coisas lá não demoram a dar errado - e logo vemos Hannah de volta para Nova York, onde ela simplesmente encontra o cara da sua vida - também conhecido como "o cara mais 'cool' do planeta, interpretado por Adam Driver - com outra mulher.
Drama de novela, você pode pensar. Mas não na mão de Dunham. Do meio para o final, essa temporada se transforma simplesmente na mais interessante de todas. São tantas histórias paralelas, tão inesperadas e tão criativas - para citar apenas uma, a história de amor de Adam (o personagem) foi provocada por Jessa (também conhecida como "a garota mais 'cool' do planeta, e melhor amiga de Hannah!), para ela ficar com o ex da mulher que Adam se apaixonou. Os pais de Hannah também vivem um "impasse" - que vaza na filha. Shoshanna - Shosh, pros íntimos (como não amar uma personagem com esse nome, ainda mais interpretada por Zosia Mamet!) - nos oferece impagáveis entrevistas de emprego. E até Marnie - que geralmente cumpre o papel da chata da turma - tem uma reviravolta interessante (cortesia não do novo namorado, Desi, mas de Ray, que está ainda mais engraçado dessa vez).
Os fãs de "Girls" talvez discordem achando que o seriado não é uma comédia. Fato, a "balada de Hannah e Adam" é bem melodramática - e o desfecho dos dois nessa série quase me fez chorar (apesar de eu achar que faz todo o sentido!). E os problemas de todas as meninas em geral são fortes. Mas tudo é tratado com tanta inteligência, que o humor vem naturalmente. Desafio você, por exemplo, a não ter um ataque de riso na cena em que a irmã de Adam entra em trabalho de parto dentro de uma banheira...
Com o bom-humor nas alturas, emendei em "The comeback" - a segunda temporada do "reality surreal" de Lisa Kudrow. Talvez a primeira tenha lhe escapado - afinal, foi há dez anos. Temporada essa que não vi. Por isso mesmo, estava demorando para ver a segunda, mas, no embalo de "Girls", entrei fundo em "Comeback" - uma experiência... torturante.
Resumindo bem, ela faz o papel de uma atriz que fez sucesso num "sitcom" no passado e tenta voltar aos holofotes - a qualquer custo. Literalmente. E é uma humilhação atrás da outra. A ponto de o riso de quem assiste sair meio nervoso... Ela mesma sorri o tempo todo para a câmera do "surreality" que a acompanha - inclusive durante as filmagens de um outro "sitcom" que é a história do "sitcom" antigo reimaginada pelo protagonista que tinha problemas com drogas e resolve reescrever tudo para humilhá-la ainda mais. É de virar o estômago.
As situações constrangedoras pelas quais a personagem de Lisa passa são familiares para quem vive nessa nossa cultura de celebridades. Nós mesmo vemos, na TV e na internet, gente tão desesperada para aparecer que suporta qualquer degradação por alguns segundos de mídia. Lisa Kudrow faz um retrato cruel e inteligente disso - e por isso mesmo, novamente, engraçado. E torturante.
No melhor/pior episódio que vi, o quinto, ela grava cenas inteiras num "chroma key" - aquele fundo verde que é usado para efeitos especiais. Ela inclusive está vestida toda de verde, num visual que é o mais ingrato. Mas ela encara tudo com "profissionalismo" e não diz não para nada, numa autoimolação para as câmeras que é ao mesmo tempo terrível e fascinante. Você não quer parar de olhar.
Depois de algumas horas com ela, você precisa respirar - sério! E é por isso que passei então para "Unbreakable Kimmy Schmidt" - que é, como você deve saber, a nova série criada por Tina Fey ("30 Rock"), que foi recusada pela TV aberta e abraçada pelo Netflix. E é um sucesso. Novamente temos uma história de humilhação, com um viés: Kimmy é muito inocente porque passou 15 anos num buraco na terra, aprisionada pelo líder de um culto apocalíptico - que pode ou não ter abusado sexualmente dela.
Uma premissa terrível não? Só que com o texto de Tina - e mais seu parceiro Robert Carlock - cada episódio é uma metralhadora de piadas. Kimmy é uma piada pronta, e muitas pessoas abusam dela por isso - a cena num talk show matutino é especialmente embaraçosa. Mas ela é mais inteligente que todos - dentro da sua inocência. E quem ganha é o telespectador - que morre de rir com tudo.
As piadas de "Unbreakable" são tão rápidas que muitas vezes eu tenho que apertar "rewind" para ter a certeza de que peguei tudo. E a maioria das ironias são com referências culturais americanas muito contemporâneas - outra marca de Tina. Com isso, a série é uma cascata de risadas - e eu terminei a noite, antes de sair para o aniversário de uma amiga, exausto de tanto gargalhar.
Como adiantei lá no início, a humilhação é a chave do humor dessas três séries - e da boa performance das atrizes principais. Se quisesse dar mais um exemplo, juntaria Julia Louis-Dreyfus, que está para estrear uma nova temporada de "Veep" (sim, ela faz a vice-presidente dos Estados Unidos, mas não há limites para a humilhação da personagem). Ao perceber isso, detectei um contraste curioso com boa parte do humor que fazemos e consumimos por aqui.
Num cenário onde o comediante, segundo as modas mais recentes, é o "sabe tudo", e se coloca acima das pessoas com quem está fazendo graça, imaginar personagens ou situações que criem histórias de humilhação engraçadas é quase impensável. O que está valendo por aqui é o "ser esperto", estar por cima - uma resposta natural à estupidez da já citada cultura das celebridades.
Mas se essas séries que estão me fazendo rir recentemente são algum indício, existe espaço para um humor ainda melhor e mais engraçado. Já soubemos fazer isso - como atesta a "imortal" Magda (da incomparável Marisa Orth), de "Sai de baixo". Amanhã estreia uma nova série com Ingrid Guimarães (uma das nossas melhores comediantes), que promete algo assim - só vi as chamadas, mas sua personagem parece que vai passar por algumas humilhações também (algo que ecoa o ótimo "Sob nova direção", onde ela e Heloisa Périssé viviam situações assim).
Porém, por enquanto, como um antídoto para o humor do espertalhão, que já dá indícios de cansaço, eu digo: fique com "Girls", "The comeback" e "Unbreakable". Ah! E não perca a estreia de "Veep"!
O refrão nosso de cada dia: "Mr. Lee", The Bobbettes - esta está na lista das minhas músicas favoritas dos anos 50. Sim, 50 - eu nem era nascido... Achei que o clima de festa que hoje me domina - e que espero que te contagie - tinha tudo a ver com essa música. Com 2 minutos e 15 segundos, não é possível que você não tenha esse tempinho para se divertir com ela hoje no meio tarde...