Em tempos de beicinho em selfie, que falta fará uma rainha que ria com a boca bem aberta - escancarada. E antes que se diga que Elke Maravilha - que o pop brasileiro perdeu nesta madrugada - era de outro tempo, que fique bem claro que ela era sim, mas não do passado e sim de algum lugar do futuro. De um lugar onde a caretice não é essa ousadia camuflada que a gente vê hoje, quando mera baixaria se confunde com humor e a ironia se confunde com o escracho.
 
Quem só conheceu Elke nos últimos anos talvez a visse como uma "exótica" relíquia dos primórdios da TV. Entendo. Em tempos de memória comprimida como a nossa, tudo que tem mais de uma década - ou menos, metade desse período - parece que está num passado longínquo. Mas acredite: houve um tempo em que o sacode que Elke deu na televisão era o que havia de mais moderno...
 
Claro que não é possível falar da trajetória de Elke na TV sem falar de Chacrinha - ou "Painho", com ela carinhosamente o chamava. O "velho guerreiro" já era conhecido como figura anárquica - desde os tempos de seus programas de rádio. E quando ele migrou para a televisão, um de seus maiores méritos foi trazer uma pluralidade - sobretudo visual - que mexia com os alicerces do que então se chamada de "boa TV". A fauna de personagens que Chacrinha desfilhou no seu "Cassino" (e também na sua "Buzina" e na sua "Discoteca") era notoriamente bizarra. Mas só com Elke ela ganhou o selo de "transgressora".
 
A parceria tornou-se tão forte que era quase impossível não associar um ao outro - e é por isso que, no início de 2014, quando ela foi uma querida convidada do "Video Show " que eu apresentada, foi com muito orgulho que me vesti de Chacrinha para recebê-la! Mas Chacrinha nos deixou há quase 30 anos - e Elke então ficou com a missão de levar essa loucura adiante. Num mundo onde, repito, a noção de loucura está cada vez mais careta...
 
Lembro-me até hoje de quando encontrei Elke pela primeira vez pessoalmente. Era meados dos anos 90, eu já trabalhava no "Fantástico" e estava pegando aquela Ponte Aérea básica para o plantão de fim-de-semana, quando tenho a grata surpresa de ver que ela estava sentada ao meu lado no avião. Na primeira fileira, claro, porque viajar montada como ela fazia, só permitia que ela se acomodasse naquele espaço da aeronave.
 
Eu então já trabalhava em TV, mas nunca tinha tido um contato direto com ela. Mesmo assim, ela me recebeu como se fôssemos amigos de longa data - com tamanha intimidade que eu tive de disfarçar o quão sem jeito eu estava de encontrar um ídolo como ela. Lembro-me de ficar completamente hipnotizado pelo seu sorriso - e pela sua voz, que ai do tom de um sussurro ao guincho num tempo menos que separa a medalha de ouro da de prata numa prova olímpica de 100 metros rasos... E a viagem relativamente curta - por volta dos 45 minutos - foi uma das mais prazerosas que já fiz.
 
Houve vários encontros assim. Era sempre fácil "localizá-la" num lugar público - especialmente num aeroporto, onde as pessoas geralmente são tão cinzas. Elke era sempre um farol de cores - e cabelos e bijuterias e adereços e maquiagem! Em viagens mais recentes, mais de uma vez ela se apoiou no meu braço para caminhar num passo lento que, quase claudicante, ignorava o altíssimo salto de sua bota e desafiava a gravidade como quem esquece casualmente que tinha quase 60 anos.
 
Foi essa Elke sexagenária que me visitou no "Video Show" - mas, que fique registrado, com uma energia adolescente. De perto, ela era a mesma personalidade que o público conhecia. E não podia ser diferente: Elke já era "Elke" há tanto tempo, que tentar separá-las era um exercício fútil. No palco do programa, durante uma ora enlouquecida de gravação, Elke cantou até um pagode em russo - e deu provas de que falava todas as oito línguas que anunciava. Mas sobretudo dava pra sentir que ela estava feliz de estar diante das câmeras - afinal de contas, ela nasceu para isso. E mais: outra lembrança boa do programa era a atenção que deu a cada uma das pessoas da plateia que a procurou. Suas "crianças", como ela fazia questão de chamar todo mundo...
 
Ela mesma, a maior criança de todas. Por que eu tenho a impressão que se alguma coisa a guiou até este final, foi esse espírito infantil - não no sentido literal, mas no lúdico. Hoje quem faz humor - e pensa que está transgredindo muita coisa - faz a caricatura não de si, mas dos outros. Elke brincava com todo mundo, mas a maior graça era sempre ela. Era impossível fazer a caricatura de uma pessoa quando ela mesma já se adianta e a faz melhor que todo mundo. Como escreveu bem o colunista Tony Goes, ela era a "drag queen de si mesma".
 
Só me lembro de ter visto Elke Maravilha sem toda aquela máscara uma vez - e curiosamente num dos melhores papéis que ela fez como atriz: uma stripper em "Pixote", de Hector Babenco. Estranho como ela "de cara lavada" - ou quase isso (em se tratando de Elke, qualquer coisa que menos do que duas camadas de maquiagem já podia ser considerado um "look clean") - tinha uma força ainda maior. Talvez seja porque essa força não vinha da superfície - que sempre primava pelo exagero. Mas vinha de dentro, de uma vocação genuína para entreter
 
Volto a pensar no contraste entre sua gargalhada gostosa - que para mim sempre foi sinônimo de diversão - e esses beicinhos tão estudados trafegando nas redes, todos tão indistintos. Dias estranhos esses em que todo mundo quer parecer tão igual...
 
Longa vida à rainha suprema da diferença!

Elke e Zeca Camargo