Você também anda achando tudo meio sem graça, tudo meio parecido. Olha as prateleiras (virtuais ou físicas) e não tem vontade de ler nada? Consulta a lista de filmes em cartaz e não se anima com coisa alguma? Passeia pelas vitrines de shoppings e não encontra nada que tenha vontade de comprar? Ou ainda, anda meio cansado ou cansada da discussão de ideias que andam por aí – sobretudo nesta ressaca de eleição presidencial? Fique tranquilo – você não está só nessa sensação. E já inventaram até um nome para isso: é o "neo medíocre", que, para facilitar por aqui, eu rebatizei de "neomed".
Deparei-me com ele num artigo recente do caderno de opiniões de domingo do jornal "The New York Times", de onde inclusive tirei alguns exemplos do parágrafo anterior. Num tom meio divertido e meio preocupado, Vanessa Friedman, a diretora de moda e principal crítica de estilo do jornal, brinca com a expressão que começou a pipocar recentemente na imprensa americana: "the new mediocre". A origem dele, segundo Friedman está num discurso da diretora do Fundo Monetário Internacional – e, no caso, ela se referia à economia mundial. Mas a jornalista achou que podia esticar a definição para usá-la em outros aspectos da cultura – especialmente da cultura pop. Foi um acerto.
Tanto que resolvi também me apropriar da ideia e propor aqui que a gente faça o mesmo exercício que Friedman fez: o de reconhecer focos dessa nova mediocridade na nossa própria cultura pop. Fácil demais – eu sei que você já está pensando. Mas nem por isso não vale a pena tentar.
Pegando ainda a carona no artigo de Vanessa, ela lamenta que as prateleiras das livrarias estão repletas de trilogias – de "pornô light" e "pseudo-aventuras adolescentes". Sabe mais ou menos do que ela está falando? Essa falta de assunto, você há de concordar, vaza sem pudor para as grandes telas...
Estrangeiras e nacionais. Quando vamos finalmente encher de ver comédias que, como já disse uma vez o brilhante "Tá no ar", estrelam "um grande comediante no papel... dele mesmo"?
Na telinha, estamos nos acostumando a ver sempre os mesmos artistas como convidados "exclusivos" de programas que, não fosse pela personalidade que um ou outro apresentador empresta à cena, seriam uma mera variação sobre o mesmo tema. E mesmo no formato consagrado dos sitcoms, quantas encarnações de "Friends" podemos aguentar? – sim, "Big Bang Theory", não ponha a mão na frente do rosto, pois estou falando de você também. Naquela tela ainda menor, a do seu celular, convenhamos: para cada novo (e brilhante) esquete do Porta dos Fundos, dezenas de clones inócuos se reproduzem como uma praga no mundo virtual – e, pior, sem virar viral... As graças são as mesmas – e quando ela não funciona (na maioria das vezes) basta fazer uma edição "caprichada", inserindo uma luva de box, um efeito sonoro, uma repetição de um flagrante (qualquer imagem repetida infinitamente é engraçada, certo?), ou o congelamento de um detalhe de uma expressão facial. Hilário...
Na música, eu só precisaria citar um gênero para você imediatamente identificar o "neomed": sertanejo universitário. E se jogar pagode na mistura então, você vai encontrar uma categoria que eu nunca achei que pudesse existir: o genérico do genérico. (Outro dia peguei um táxi num trajeto que, com o trânsito, me custou quase duas horas, e fui brindado com um pendrive só de pagode – que era o fraco do meu motorista... e meu castigo). Existe pagode bom – não estou generalizando. Mas são poucos. Aliás, são eles – os artistas, produtores, empresários e as gravadoras – que estão generalizando. E com isso, fazendo desaparecer a beleza de todo um repertório.
Ao falar da área em que é especialista (moda), Vanessa Friedman capricha (na minha tradução sempre apressada): "Fiquei ali assistindo a um desfile depois do outro das últimas coleções prêt-à-porter e vi mais 'reinvenções' e 'homenagens' aos vestidos rock-chique dos anos 60 e calças largas dos anos 70, blazeres poderosos dos anos 80 e melindrosas dos anos 20, e pensei 'Como explicar essa falta de novas ideias entre estilistas tão talentosos?'... O novo medíocre". Levante a mão quem não teve essa sensação ao passar os olhos nos desfiles das últimas Fashion Weeks!
E o que passa por notícia então – tem coisa mais "neomed" do que falar das mesmas celebridades, inventar os mesmos "furos", e torcer para que eles sejam repetidos até um punhado de gente acreditar que é verdade? Toda vez que vejo uma "notícia bombástica" sobre alguém famoso acho graça da tentativa desses "repórteres" acharem que são bem informados – ou, pior, íntimos das pessoas sobre as quais elas escrevem. Como alguém que convive, ainda que perifericamente, neste universo, sei bem o quão longe esses blogueiros estão da realidade.
(O "caso Adnet", sobre o qual escrevi aqui no começo da semana, mostrou ser um bom caso de estudo disso. "Horrorizados" com o "escândalo", internautas e blogueiros vestiram a carapuça vitoriana e apontaram seus dedos condensadores, só para, na última segunda-feira, verem a própria Dani Calabresa – que é parte interessada na história – rir dos "carolas" de plantão. O que, claro, provocou uma onda de defesa desses sabichões que se auto-vangloriam de saber o que se passa pela cabeça das pessoas famosas – adoro quando alguém escreve que "fulano está irritado" ou que "tal atriz ficou transtornada" com isso ou aquilo... Dizer que sabe do estado de espírito de alguém que você sequer encontrou pessoalmente na sua vida é, no mínimo, charlatanismo, mas quem disse que as pessoas não adoram ser enganadas?).
Tudo anda muito igual e sem graça – e em tempos medrosos como os nossos, parece que essa tônica deve continuar. Veja por exemplo a notícia que circulou está semana, sobre a volta de um querido apresentador de TV, o Gugu. Uma "pesquisa" apontou que o quadro que as pessoas mais esperam ver no seu programa é o da banheira (um momento do qual eu quase não escapei na minha carreira de entretenimento, mas isso eu conto outra hora). A "Banheira do Gugu", gente! Fico meio surpreso e meio chocado não por puritanismo, mas pela recorrência da ideia. Quando você pergunta para as pessoas o que elas querem ver – ou ler ou ouvir ou assistir – elas sempre vão recorrer a coisas que já conhecem. (A própria lista de notícias mais lidas daqui do G1 e de todos os outros sites é um reforço disso: as pessoas querem saber daquilo que já foi aprovado por outras pessoas – mas eu divago).
Mas o que esquecemos, quando lemos uma pesquisa assim e optamos por reciclar coisas do passado (e não só na TV: pense em Hollywood regurgitando – com sucesso – as Tartarugas Ninjas!), é que um dia alguém "inventou" a "Banheira do Gugu". Ou um super-herói de capa azul. Ou uma coisa chamada Bossa Nova. Ou um programa de um formato original. Infelizmente, o "neomed" impede no momento que a gente sequer arrisque uma coisa diferente. Não tá bom do jeito que tá? Então para que mexer!
Difícil prever por quanto tempo ainda viveremos dessa dieta de mediocridade - só ressaltado, o que é medíocre não é exatamente ruim: é médio, mas não tem brilho nenhum... é só legalzinho. Como a neblina perene no céu de Pequim, ela ameaça pairar sobre nossas cabeças por mais algumas temporadas. Mas eu tenho fé de que a essa altura, enquanto o "neomed" engana um punhado de gente, fazendo o normal passar por moderno, já tem algum artista - um músico, uma cantora, uma cineasta, um escritor, uma atriz, um comediante, uma apresentadora, um roteirista - pensando em alguma coisa bem diferente. E que então vai nos fazer lembrar que a mediocridade, mesmo apelidada de "neomed", em si nunca tem nada de novo. É só a boa e velha preguiça de criar e de inventar se disfarçando com uma roupa nova...
O refrão nosso de cada dia: "Um jarro d'água", Marlene – não se assuste com o link que indico aqui: um "long play" completo de Marlene – uma de nossas grandes cantoras do rádio. Na verdade, esse é o primeiro disco dela, como a própria Marlene conta numa adorável introdução que felizmente sobreviveu nesse registro. Eu queria mesmo é que você ouvisse "Um jarro d'água" – sim, mais uma música de Assis Valente, meu homenageado da semana –, que é um comentário tão bem-humorado (e mordaz) sobre a falta de água no Rio de Janiero, provavelmente em meados dos anos 30, que não sei como ninguém ainda pegou para usá-lo nessa crise atual em São Paulo (que ameaça se alastrar pelo país). Se quiser só ouvir este sambinha, pule direto para os 14 minutos e 46 segundos – e vibre com versos como: "Passei a noite olhando o bico da torneira, tirei a roupa, botei tudo pra lavar / E até hoje neres de tupiniquim, minha roupa deu cupim, cadê água pra limpar?"; ou "A prefeitura me mandou um jarro d'água, e de joelhos agradeço esse favor / Com essa água lavei roupa das crianças, tomei banho, fiz a bóia e café pro meu amor". Ainda, vibre de alegria com o refrão: "E não convém organizar a batucada. A gente dança a gente cheira, não é sopa não!". Ah Assis... Bem, mas se quiser também, ouça todo o disco de Marlene cantando Assis Valente – que é um "primorrrrr" (imitando a cantora...).
*Foto: Arquivo pessoal