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  • Como começar falando de Woody Allen e terminar com VMA's (passando por "Breaking bad")

    Novo filme de Woody Allen - Homem Irracional

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     


    Até os últimos três, talvez quatro minutos de "Homem irracional" eu estava adorando este último trabalho de Woody Allen. Afinal, ele carrega a mensagem básica que o diretor coloca em seus melhores filmes - de "Poderosa Afrodite" a "Crimes e pecados", passando por "O sonho de Cassandra" e, sobretudo "Match point". Que mensagem é essa? A de que se as pessoas não ficam sabendo de um determinado evento, ele praticamente não aconteceu.

    Porém, no finalzinho do filme, eu passei a gostar ainda mais! O diretor - de maneira inédita, pelo menos para mim (e olha que sou seguidor assíduo de todos seus filmes) - muda essa regra. E, de uma maneira que não posso nem ousar contar aqui para não estragar seu prazer de assistir a "Homem irracional", a história tem um final surpreendente. Não apenas como uma "virada de roteiro" - que em inglês geralmente aparece como "plot twist" - mas uma "virada" na própria maneira como o diretor vê o mundo. Tudo sempre por conta do acaso...

    Falar sobre o que vem antes no filme, porém, não entrega muita coisa. Joaquim Phoenix faz o papel de um professor de filosofia, Abe, que é uma espécie de superstar. Imagino que conceber um personagem desses por aqui é um ato de fantasia mais surreal do que criar um garoto de quatro cabeças alado - mas acredite: num universo onde as pessoas pensam e querem aprender a pensar mais, isto é, no circuito universitário, tal criatura não apenas é possível como tem credibilidade.
     
    A chegada de Abe no campus é aguardada com ansiedade - e um certo pé atrás. Sua fama é de um pensador liberal, que inclusive vê com certo desprezo o papel da própria filosofia no nosso dia-a-dia. Mas, mais interessante ainda, o professor também é conhecido como um grande conquistador. O que já faz com que os hormônios de alunas e professoras comecem a se descontrolar.
     
    No time das professoras, Rita (Parker Posey num surpreendente renascimento) faz a mulher de quase 50 anos que quer testar seu decrescente poder de sedução - que já não segura nem mesmo seu casamento - com Abe.

    As primeiras tentativas - obstruídas pela impotência "psicológica" do professor - não são um impedimento para ela. Mas Rita enfrenta concorrência pesada de uma aluna de Abe, Jill, vivida por Emma Stone - que é, já no segundo filme com o diretor, sua nova musa (algo que este espectador só tem a aprovar - fui só eu que achei que a única coisa boa de "Birdman" é aquela cena em que ela esculacha com seu pai, interpretado por Michael Keaton, ou será que eu divago?). Sendo um homem de mais de 40 anos, o personagem de Phoenix não decepciona: cai como presa fácil na direção da opção mais jovem.
     
    Essa trama, mais que surrada - mesmo na filmografia de Woody Allen - é, porém, só um pano de fundo. É num encontro com Jill que, por acaso numa lanchonete, os dois ouvem uma conversa que muda o destino de Abe. Não quero contar muito, mas vamos falar aqui, só para o texto poder seguir fazendo um mínimo de sentido, que o professor descobre uma coisa errada que ele acha que pode transformá-la em certa.

    Usando sua filosofia distorcida, ele crê que, se cometer um crime, pode mudar a vida de uma pessoa que ele nem conhece para melhor - e isso, apenas isso, já justificaria sua existência na Terra. Falando em ética e moralidade...
     
    Allen mais uma vez tem o dom de nos conduzir por pensamentos grandes com histórias do nosso cotidiano - e só por isso o filme já é um primor de entretenimento (especialmente para um espectador que, como eu, está cansado de ver tramas que não fazem sentido na tela grande). Mas dessa vez, melhor ainda que em, como já citei, "Match point", um crime (mesmo cometido em segredo) nunca é exatamente perfeito. Vivemos à mercê do acaso, tolos, sempre achando que nossas decisões são as coisas mais importantes deste mundo...
     
    Somos, na verdade, uns coitados - quase trouxas - achando sempre que somos donos das nossas ações. E, pior, como o professor parece comprovar, temos a prepotência de achar que podemos mudar, com uma atitude nossa, a vida dos outros. Só que não.
     
    O tal final inesperado de "Homem irracional" - alias, título perfeito (traduzido literalmente do original) para um perfil de alguém que tem certeza de que é superior - não apenas nos pega de surpresa. Ele também nos recoloca no mundo, retoma a nossa insignificância e reforça a ideia de que crime e castigo nem sempre andam juntos. Quem manda sempre é mesmo o acaso. Pergunte a Walter White.
     
    Na mesma semana em que vi "Homem irracional", terminei as longas cinco temporada da série que tirou do sério boa parte das pessoas cujo gosto - e juízo - eu respeito. Lamento informar, porém, que o mesmo não aconteceu comigo. Não é uma série ruim - que fique bem claro que não me arrependo nem um pouco de tê-la conferido, ainda que atrasado (levei uns bons dois meses para completar a tarefa - ao contrário de meus amigos que viravam noites sem dormir por não parar de conseguir ver, sentia apenas uma curiosidade branda a cada episodio).
     
    Também não ouso dizer que é uma série mal escrita - ainda mais quando temos como referência uma produção nacional tão carente deste talento. Mas, talvez pelo "hype" - mais de um conhecido meu não conseguia discutir "Breaking bad" sem hiperventilar! - ou por pura teimosia, acompanhei tudo com um certo olhar rabugento. Que ficou, reforço, plenamente satisfeito com a conclusão da série. Mas que também se aborreceu bastante com longos momentos em que toda a trama parecia se arrastar.Breaking Bad’

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     


    Como em toda a primeira temporada, por exemplo, quando a sensação que eu tinha era a de que eu estava vendo o mesmo episódio inúmeras vezes. Ok, eu concordo com o argumento de que, para o personagem entrar em você, é preciso que ele cresça num processo lento assim... Mas o problema é que não me encantei com Walter White logo de cara - e, sendo assim, não "comprei por inteiro" sua saga.

    Ele é chatíssimo - e irracional de uma maneira que faz Abe, de Woody Allen, parecer uma obra-prima cartesiana. A justificativa para a escalada de suas loucuras - a família - vai ficando cada vez mais absurda, e só se torna honesta mesmo no último diálogo que vemos de Walt com sua mulher Skylar. Nesse desgaste, fui me decepcionando aos poucos, com minha vontade de seguir em frente mantida por um punhado de excelentes episódios - sobretudo na terceira temporada.
     
    A quinta, onde o protagonista perde totalmente a cabeça, começa como farsa, e é "manchada" por mais coincidências do que o próprio Woody Allen se permitiria num roteiro - e só fica realmente empolgante nos últimos seis episódios, quando Walt está muito próximo de ser capturado (para quem não sabe de nada da série, ele é um professor de química que descobre que tem câncer e que pode fazer uma pequena fortuna no final de sua vida produzindo a metanfetamina mais pura que o mercado já conheceu). O saldo, porém, é positivo - se não inspirador. Afinal, tudo isso é "show business", uma negócio que os americanos elevaram à categoria de arte.
     
    Miley Cyrus durante performance no MTV Video Music Awards

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    O que nos leva então à festa de ontem à noite do Video Music Awards 2015, transmitido ao vivo pela internet. "That's entertainment"! Se você não acompanhou integralmente, pode pelo menos pegar alguns dos melhores momentos no site da MTV americana - e ver com seus próprios olhos como uma festa deve ser feita. Não estou provocando nenhuma premiação nacional, mas sim todas as outras, mesmo as americanas. O que vi ali, foram mais de duas horas de puro entretenimento - não só nos efeitos, cenários e iluminação feéricas, mas na própria inteligência do roteiro, das situações que ele criava, e na ousadia geral.
     
    Podia começar com a cartada mais fácil: Miley Cyrus, que era a mestre de cerimônias (uma em si bizarra e maravilhosa) tirando uma selfie e pedindo para todo mundo que queria sair na foto dizer "marijuana" (maconha) bem alto na hora de sorrir. Quer provocar alguém? Não conheço pontapé inicial melhor. Mas a festa toda teve vários momentos inspirados - muitos deles escritos pelos roteiristas e outros de pura espontaneidade, graças ao talento e à inteligência de artistas convidados. Prova disso: o discurso de Kanye West que terminava com ele lançando sua candidatura para a presidência dos Estados Unidos em 2020.
     
    Você consegue imaginar um artista como os que conhecemos aqui, comportadinho, interessado apenas em encher uma plateia, provocar as próprias pessoas que foram lá para vê-las? A palavra de ordem no nosso pop é fazer direitinho para ganhar dinheiro e não causar muita confusão. Não é à toa que nossas paradas estão do jeito que estão...
     
    Vamos virar uma ou duas gerações até conhecermos uma maluca como Nicki Minaj - ou ver uma artista do porte de Miley (guardadas as proporções para o território nacional) entrar no palco com um corpo de baile só de drag queens numa festa que tem a dimensão do VMA's...
     
    Estou, claro, um pouco desanimado com tudo que vejo e leio e ouço e sinto. Está na cara. Mas quem sabe não estamos diante de uma grande virada cultural - não no relógio, mas nas nossas mentes. Ou isso - ou eu viro logo um homem irracional... Já ouviu aquela expressão: "Ignorance is a bliss"?

    (FOTOS: No topo, cena de 'Homem Irracional' - CRÉDITO: Divulgação / No meio, cena de Breaking Bad - CRÉDITO: Divulgação / No fim da página, Miley Cyrus durante performance no MTV Video Music Awards - CRÉDITO: Matt Sayles/Invision/AP)

  • Saindo da geladeira

    Por mais que isso me envergonhe, tenho de confessar que estou atrasado com algumas séries de TV. Por exemplo, ao mesmo tempo que consegui ver "Sense8" assim que saiu, estou enrolando com a terceira temporada de "Orange is the new black"; nem peguei ainda a primeira de "True detective"; e - pior dos pecados! - só resolvi encarar "Breaking bad" recentemente.
     
    Como estou no sexto episódio da última temporada - e já passei por momentos de extrema excitação, massagem à inteligência, pura enrolação, ódio à estupidez de Walter White, suspense absoluto e inexplicável indiferença (o que todo mundo viu de tão legal naquele "da mosca"?) - ainda vou levar um tempo para escrever sobre isso aqui. Quero escrever, aliás - muito! Mas cito a série hoje aqui não para falar de TV, mas de música.
     
    A certa altura da quarta temporada, quando Mike resolve levar Jesse para "passear" (aos que ainda não colocaram "Breaking bad" na sua vida, não se preocupem - é apenas uma citação ilustrativa), a trilha sonora das imagens deles viajando pelas estradas desertas no estado americano de Novo México me chamou a atenção. Um estranho "sample" com uma data incompleta cantada em espanhol ("mil novecientos setenta y...") tomou conta de todo meu sistema auditivo e me fez pular do sofá. Fui correndo atrás do smartphone pedir para o Shazam me ajudar (falo, claro, do aplicativo que identifica - quase - qualquer trecho de música.)
     
    E lá estava a canção que tinha mexido inesperadamente comigo: Ana Tijoux cantando, claro, "1977". Do pouco que pesquisei ali na hora na internet - com o "Breakig bad" em "pause" - descobri, para a minha surpresa, que ela não é naturalmente mexicana, mas franco-chilena. Gravou no México sim - inclusive com uma cantora que eu adoro, Julieta Venegas. Mas o que mais gostei era justamente dessa sua história misturada, que certamente a influenciou a pegar referências de vários lugares - como aliás é possível ouvir no seu álbum que baixei (que tem o mesmo nome da faixa que gostei, "1977").
     
    O que aconteceu depois disso foi uma daquelas histórias que você, que já está acostumado com a dinâmica dos "causos" que conto aqui neste espaço, conhece bem. Deixei o "Breaking bad" de lado (só retomei no dia seguinte), e fui procurar, cutucado por Ana Tijoux, um CD de uma cantora que eu não ouvia há um tempão para ouvir. A ligação entre as duas era tênue: tanto Tijoux quanto essa cantora (e compositora) - que já falo quem é - têm essa origem mesclada, que deixam inevitáveis marcas em seu trabalho. Sempre positivas.
     
    Na bagunça das minhas estantes, não achei nenhum CD de Lhasa - a tal cantora que procurava (e que já homenageei aqui mesmo neste blog quando soube da sua morte). Americana, ela foi criada no México e viveu no Canadá e na França. Cantava e compunha em inglês, francês e espanhol - brilhantemente nas três línguas, sempre com uma tristeza contagiante. Gosto tanto de Lhasa (até hoje), que minha tentação era falar mais sobre ela agora - mas acho que o texto do link acima já dá uma boa ideia da minha devoção.
     
    Até porque nosso assunto de hoje não termina nessa minha procura frustrada pelos discos de Lhasa (que eu ainda não passei, acredite, para meu arquivo digital). Pelo contrário, ela começa por aí! Revirando pilhas e fileiras de CDs - lembrando que a minha coleção "analógica" ainda tem pouco mais de dois mil títulos - acabei encontrando coisas inacreditáveis: discos que estavam absolutamente esquecidos nas prateleiras! Artistas, músicas, álbuns inteiros que ouvi uma época quase sem parar - e que guardei na boa fé de que um dia voltaria a eles. Sem dúvidas! Bem, faço aqui um "mea culpa": alguns estavam esquecidos ali há mais de década!
     
    Ligeiramente fascinado por essas (re)descobertas, fui separando-as numa pilha, no intuito genuíno de ouvir a tudo aquilo novamente - um pouco por nostalgia e um pouco por pura indignação. No caso, comigo mesmo. Como eu poderia ter esquecido, colocado na geladeira, tanta música boa - e em alguns casos excelentes?
     
    Como já era tarde da noite, se eu fosse de fato ouvir aquilo tudo, eu só terminaria no dia seguinte - e olhe lá! Mas escutei um pouco de tudo, e matei as saudades. Mais do que isso, reforcei a lembrança de como já se fez música boa no pop - e como eu já me diverti com tanta diversidade de sons. Ter tirado esses CDs da geladeira só prova que a gente às vezes inconscientemente manda para lá coisas muito boas que, num determinado espaço de tempo, não têm como aparecer. Resolvi então reparar isso. E, como sempre, dividir com vocês.
     
    Tenho quase certeza de que não falei de nenhum desses trabalho ainda aqui com você - mesmo nos quase nove anos de existência deste blog! Mesmo assim, serei breve nas descrições de cada trabalho - menos por economia de texto (você sabe que eu tenho problemas com isso, eheh) do que para deixar que essa descoberta (ou, se for como no meu caso, redescoberta) seja o mais espontânea possível.
     
    São discos de várias épocas que, como disse, foram escolhidos por acaso - totalmente. Coloco eles aqui sem ordem de preferência. Foi um prazer - que agora compartilho com você. Não se trata de uma daquelas listas de meio de ano que estão na moda agora - o que aconteceu com as pessoas que agora não esperam mais dezembro para saber dos melhores lançamentos dos últimos doze meses? Já viu o que está saindo de lista de "melhores livros, discos, filmes... até agora"?
     
    Bem, divago - e é sempre melhor divagar com música. Tire também esses artistas e suas músicas da geladeira. Você vai ver como vale a pena...
     
    Reachin

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     


    "Reachin' (a new refutation of time & space)", Digable Planets - desconsidere o título mega pretensioso. Para não falar do tolo nome da banda. Em 1993, o que havia de mais "cool" no rap americano era essa promessa de de jazz nas músicas (que já chegava um pouco atrasada do outro lado do Atlântico). Mas funcionava, tudo bem. E funciona até hoje. Esse foi o primeiro que escutei da pilha - e nem lembrava qual faixa era o sucesso do álbum, "Rebirth of cool (slick like that)". Acabei gostando mais de coisas que nem registrei ter ouvido, como "What cool breezes do" e "Femme fetale" (sim, eles eram ruins de títulos!). Nota interessante: um dos componentes do trio, que tinha também uma mulher, era Ishmael Butler - que hoje segue trabalhando com o excelente Shabazz Palaces.
     
    It's Jo And Danny

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    "Lank haired girl to beraded boy", It's Jo And Danny - por falar em nomes estúpidos... Mas novamente, isso é relevante diante dessa muralha de sons que essa dupla inglesa trouxe lá pelo ano de 2000. A maioria das músicas começa de um jeito simples, quase repetitivo. Mas vai crescendo de um jeito que parece que tá tocando dentro da sua caixa toráxica! Meio folk, meio psicodélico - mas esqueça os rótulos. Quando você chegar à faixa 8 ("Pilgrim's prayer"), já vai estar tão em transe que o que você menos quer é entender o que está ouvindo. Simplesmente embarque. Ou, como eles dizem nessa letra: "deixem o mar e céu se encontrarem"...
     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     "La candela viva", Toto La Momposina Y sus Tambores - você sabia que Peter Gabriel já teve um selo só para divulgar o que gostava de "world music"? Felizmente esta expressão ficou tão datada que nem faz sentido mais usá-la. Mas lá por 1993, ela ainda fazia algum sentido - e foi por isso que eu conheci a colombiana Totó. Comprava quase tudo que o Real World (o selo de Gabriel) lançava - e ficava literalmente viajando nos seus sons. Totó, com seus tambores e cantos hipnóticos, estava completamente esquecida... Uma injustiça que corrigi na mesma hora: este é um dos CDs que ouvi por inteiro naquela "madrugada de descobertas"... Quero ver você também resistir a essas batidas!
     
    Covering

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    "Covering them", R.E.M. - às vezes as coisas "obscuras" vêm de referências muito próximas. Eu nem sei como esse CD veio parara na minha coleção - é um "bootleg", ou "pirata", de 1994, lançado na Itália! Mas acho que o comprei porque queria uma nova versão da versão da banda para "Love is all around"... Já nem me lembro mais. Veio muita coisa boa junto! Covers de Lou Reed ("Sweet Jane", "Femme Fatale"), Stones ("Paint it black"), Iggy e Bowie ("Funtime"), e até uma inesperada "California dreamin' " (o clássico de Mamas & The Papas). Esse nem deu para ouvir tudo - tenho que retomar.
     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    "Happy families", Blancmange - poucos discos da minha coleção são mais estranhos do que esse. E poucos são tão bons. Começo dos anos 80. Pense em Depeche Mode e Soft Cell. Blancmange - uma dupla britânica eletrônica - poderia estar lá, lado a lado com eles. E esteve. Mas por uma dessas injustiças que só o pop consegue produzir, eles não entraram na história como essas outras bandas. Fiquei passado quando descobri que eles reapareceram em 2014, com uma nova versão desse álbum, "Blancmange too..." - que vou baixar assim que terminar de escrever isso aqui. Tanta coisa boa, "Living on the ceiling", "Waves", "Feel me", "Sad day" - e a (desculpe) inexplicável "I can't explain"...
     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    "Agora", Bojo e Maria Alcina - acho que esse é o único disco de Maria Alcina que eu tenho. Não lembro de ter comprado nada nos anos 70, quando ela surgiu com sua voz estonteante. Porém, neste mundo de "ultradisponibilidade" virtual, achei um monte de coisa boa dela - inclusive um com o hilário título de "De normal bastam os outros" - que vou baixar já já. Mas naquela madrugada, ouvi esse encontro inusitado entre ela e Bojo - e que foi feito no céu em 2003. Um toque de moderno ("Kataflan") e um de clássico ("Filho maravilha") - e vários toques do indizível ("Pan pan pan")...
     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     


    "Logos", Atlas Sound - este não faz muito tempo que foi lançado... é de 2009! Na época ouvi do início ao fim um zilhão de vezes - com direito a vários "repeats" na faixa "Sheila". Sim, eu sei: Bradford Cox, o nome por trás da banda, é da turma do Panda Bear. Mas não descarte o Atlas Sound só porque ele é "transadinho". O disco todo é sensacional - esse foi dos que "reescutei" por inteiro. Há uma melancolia doida ali nele, um lirismo escondido, uma estranheza maravilhosa - e algumas outras coisas que eu não consigo muito bem explicar... Comece por "Quick canal" para tentar entender melhor. Sem falar que a capa do disco tem uma inesquecível imagem de Cox sem camisa...

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    "The world is shaking - Cubanism from the Congo, 1954-55", Vários artistas - por onde começar? Músicas do Congo. Via Cuba. Nos anos 50. Como assim???? Eu adoro imaginar que, enquanto alguém acha que não existe música melhor do que aquela que estão falando para ela escutar - que é mais do mesmo - em algum lugar tem sempre gente experimentando coisas inimagináveis! E não é de hoje! Adianta se eu destacar algumas coisas dessa coletânea que é de 2009? Tipo... "Musinichkie", de Robert Yuakarie. "Moni moni non dey", de Adikwa Depala. "Yala to kala", de Vincent Kuli. Conhece alguma delas? Então comece a se mexer agora para conhecer - e esteja pronto para uma aventura musical
     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    "Steps in time", King - Queen e Prince não foram as únicas realezas a ocupar o trono do pop. Em 1994, uma banda com o nome de King ("Rei") tomou conta das paradas britânicas - e embora não tenha feito muito sucesso em outras fronteiras, agradou aqui um certo brasileiro que naquela época era obcecado por tudo que tivesse a ver com o "UK chart". Apesar de "Love & pride", o single que estourou a banda, ser uma excelente mistura de metais e guitarras - algo que o ABC talvez fizesse com um pouquinho mais de elegância para a época - a carreira deles não foi muito pra frente. Lembro-me de que Paul chegou a ser VJ da MTV inglesa - mas o que esses caras têm na cabeça quando vão para a TV apresentar videoclipes? (Para quem não entendeu, esta foi uma auto-ironia). Não ouvi inteiro, mas gostei de relembrar.
     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    "Schoolyard ghosts", No-man - eu já estava bem cansado quando resolvi ouvir mais um CD. E acho que dei uma sorte incrível que foi esse - o último que vou indicar hoje. No-man existe desde o início dos anos 90, mas eu só o conheci em 2008, quando, de passagem por Nova York, estive na Other Music (minha loja de CDs favorita no mundo) e um cara que trabalha lá me recomendou "Schooyard", que é o trabalho mais recente deles. Que clima sensacional - ainda mais para a hora da manhã em que eu ouvia isso. Ponha para relaxar e viajar - e até chorar um pouco. No caso, recomendo a segunda faixa "Beautiful songs you should know". Como não gostar de uma banda que grava uma música chamada "Belas canções que você deveria conhecer"? Um verso que simplesmente resume tudo que eu quis te apresentar aqui hoje...

  • A artista

    Cena do documentário 'What Happened, Miss Simone?', sobre Nina Simone
    Assim que acabei de assistir ao documentário "What happened, Miss Simone?", disponível já há alguns dias na Netflix, quis saber exatamente sua duração: 101 minutos. Fiz uma conta rápida, e cheguei à conclusão de que devo ter chorado mais ou menos - descontando os créditos (se bem que a música que toca no final também fez balançar o meu queixo) e um ou outro momento em que o choque do que você está vendo supera a emoção da história - uns 94, 95 minutos enquanto via o filme.
     
    Chorei menos da segunda vez - que foi logo em seguida à primeira. Já era tarde da noite, e eu consegui me controlar em boa parte do documentário. Mesmo assim, em um ou outro trecho, as lágrimas vieram. Por exemplo:
     
    - todo o número de abertura, num de seus retornos ao Festival de Montreaux, onde ela mistura amargura, convicção, arrependimento, e êxtase musical
     
    - uma de suas primeiras entrevistas no filme, quando ela tenta explicar quando ela já se sentiu livre
     
    - quando Nina fala da música "To be young, gifted and black" (e a performance que ilustra esse depoimento)
     
    - a preciosa versão de "I got life", resgatada pela diretora Liz Garbus
     
    - no depoimento de Attallah Shabazz, a filha mais velha de Malcolm X, explicando como via uma artista da grandeza de Nina Simone, muito à frente do seu tempo - algo como a nobreza andando sobre a lama
     
    - numa entrevista numa lanchonete quando Nina fala sobre sua vontade de resgatar a autoestima de pessoas como ela, que a vida inteira foram discriminadas
     
    - no "sacode" que foi a ousadia de lançar uma música chamada "Mississippi goddam" (que as legendas da Netflix traduziram assanhadamente por "puta que o pariu")
     
    - na quase humilhante performance sua no "surreal" programa da TV americana "Playboy's Penthouse"
     
    - na primeira versão de "My baby just cares for me", mas sobretudo na versão final, novamente em Montreaux, onde uma Nina Simone "derrubada", mas longe de estar derrotada", pega aquele piano e transforma ele e a música que está sendo executada numa coisa do outro mundo!
     
    A cantora Nina SimoneAliás, quero começar por este final. Depois de quase duas horas praticamente só ouvindo Nina Simone falar, cantar e tocar, você imagina que já está um pouco acostumado a sua genialidade. Mas aí ela entra, senta em rente ao piano Bösendorfer - a única coisa que realmente vale a pena, como ela sugere, naquele momento - e te convence novamente de existiram (ou existem) poucos artistas como ela, capazes de pegar uma música que já é sensacional e transcender com ela para outro patamar.
     
    Do momento em que suas mãos dedilham as primeiras notas - se bem que usar o verbo "dedilhar" aqui é um eufemismo brabo, uma ver que cada um de seus dedos cai naquelas teclas como um martelo de Thor! - você sente que não vai ouvir uma versão qualquer da música. Nina parece possuída - mais do que o normal. E o som que sai daquele piano só pode ser descrito com uma analogia líquida: é uma torrente de notas, de cadências, de pausas e continuidades, um turbilhão de melodias musicais, precisamente montadas umas sobre as outras, desconsiderando a polida (e já perfeita) canção original - como se ela soltasse um "goddam" a cada verso.
     
    Mesmo depois de ter visto o documentários duas vezes seguidas, ainda fui à internet procurar um registro dessa performance inteira e ouvi a performance mais umas cinco vezes. Porque é genial. E porque não tem mais ninguém fazendo uma coisa assim - ou melhor, se tem, a possibilidade de ele ou ela se tornar um artista cujo trabalho seja ouvido por um público maior, nos dias de hoje, é praticamente zero.
     
    Ah, lá vem o cara de cinquenta e não sei quantos anos (52, para ser exato!) reclamar que não se faz mais música como antigamente... Bom... Um pouco é isso mesmo. Mas se você achar que só pessoas com a minha idade e, hum, com meu gosto musical - que é notoriamente elástico - podem apreciar o documentário sobre Nina Simone, bem... tem certeza de que você ainda está me lendo?
     
    Este não é mais um texto, entre tantos que já escrevi aqui, para celebrar a diversidade musical que temos - no Brasil e no mundo. O que quero é te convencer a assistir a "What happened, Miss Simone?" para que você me ajude a argumentar que o que passa por música hoje em dia, especialmente música pop, apesar de ser feita com grande qualidade, está longe dos propósitos, da missão de uma Nina Simone.
     
    Ela não é o único exemplo. Tiro fácil uma lista rápida de artistas que já fizeram - e muito ainda fazem - algo de revolucionário com seu poder pop. Dylan, Stones, Lennon, Chico Buarque, Madonna, Sex Pistols, Caetano Veloso, Tim Maia, Bono, Raul Seixas, Cassia Eller, Lobão, Public Enemy, Racionais MC, Ney Matogrosso, Kurt Cobain... tantos. Talvez eu esteja ainda sob o embalo do documentário, mas Nina tem ainda uma loucura a mais - não nas causas que resolveu defender - mas no seu impressionante conhecimento musical, que a coloca um pouquinho mais à frente desse time que já não é fraco.
     
    Como vemos no trabalho de Liz Garbus - um excelente garimpo de performances e entrevistas raras -, Nina nunca deixou de flertar com a tristeza. Trechos de seus diários, que são mostrados no filme, mostram uma artista (e uma mulher) em um questionamento constante - quando não beirando a autodestruição. A sensação de "outsider", da pessoa que "não pertence", vinha desde a sua infância, quando fazia aulas de piano com uma senhora "branca", cercada de "pessoas brancas" - um ambiente que a pequena Nina nunca havia experimentado - na intenção de se tornar a primeira pianista clássica negra a tocar no Carnegie Hall! (Um sonho que nunca se realizou por completo, como ela é duramente obrigada a reconhecer no próprio documentário).
     
    Esse registro de menina segue com ela mesmo quando ela vai ficando adulta e cada vez mais conhecida - a já citada aparição no programa da "Playboy" é um exemplo disso, uma vez que ela, por ser a artista em destaque, é a única negra em todo o cenário. Mergulhada em trabalho - por obra de seu marido Andrew Stroud, ela ganhou o mundo com uma agenda lotada de shows - ela foi paradoxalmente se sentindo mais isolada, até que os movimentos civis do final dos anos 60 nos Estados Unidos conquistaram sua atenção e seu talento. E quando ela começou a canalizar sua raiva para sua música, a mistura a certa altura começou a ficar ameaçadora demais para sua carreira.
     
    No início dos anos 70, Nina Simone literalmente enlouqueceu. Mudou-se para a Libéria, na África - para ficar conectadas com suas raízes e, por conta de uma bipolaridade (que só seria diagnosticada anos depois) afastou-se de todos, até de sua única filha. O retorno foi penoso - com momentos tipo "fundo do poço", como a deprimente imagem de uma Nina Simone tentando ser moderna na época da "disco" (meu estômago revira só de lembrar...). Mas quando ela volta...
     
    Quando Nina lembra da artista que é, quando ela percebe novamente que a música é a sua salvação, ela volta a ser a estrela maior que despontou lá atrás. E a partir de então retorna em apresentações pelo mundo, andando com as próprias pernas - e sendo a mesma Nina Simone enfezada e brilhante de sempre. Eu tive a chance de ver uma de suas passagens pelo Brasil - ah, o privilégio da idade ehehe - e me lembro da imponência com que sua simples presença no palco, mesmo antes de encostar no piano, deixou uma plateia inteira em silêncio...
     
    Em outro momento precioso do documentário, depois de ter começado a tocar uma música, Nina Simone para tudo, olha para um ponto no auditório e ordena: "A senhora aí, sente-se". Poucos ensaiam um riso, e, mesmo sem a câmera sair do rosto da cantora, você tem a certeza de que a "senhora" a obedeceu. Porque talento é assim, manda!
     
    E artista é feito disso. De arte e de respeito, de coragem e de ousadia. E não dessa bajulação tola que a gente vê por aí, onde todo mundo parece estar cantando a mesma música, numa fórmula que fala, talvez, ao coração, mas nem se dirige à mente. O que é válido também - todo mundo gosta, e eu também, de se juntar a um coral maior e gritar um refrão que nos faça chorar. Mas que tal, só para variar, entoar uma canção que nos faz também pensar?
     
    Logo no início de "What happened, Miss Simone?", o escritor Stanley Crouch comenta algo sobre Nina Simone, sobre como ela tinha uma voz que você ouvia uma vez, e em seguida ouvia de novo algumas semanas depois e dizia: "Ah! Essa era aquela de outro dia"... Quantos artistas assim podemos apontar hoje?
     
    Me ajude nessa conta! Mas antes assista ao documentário. E depois a gente conversa...

  • Catarse e seus descontentamentos

    Não é fácil explicar o significado de uma coisa para quem não tem nem a curiosidade de saber o que ela é. Mesmo assim, vale a pena tentar.

    Falo da palavra “catarse” - embora, no fundo, eu acho que devesse esclarecer também o que significa “descontentamento”. Mas, na esperança de que esta segunda definição fique clara ao longo da nossa conversa, vamos nos concentrar na proposta original.

    O dicionário sempre é um bom ponto de partida - ainda que hoje na internet essa frase tenha que vir no plural. São vários pontos de partidas - e por isso mesmo temos uma certa dificuldade para escolher por onde começar uma explicação para qualquer coisa.

    Um “dicionário de psicologia”, por exemplo, vai nos informar que “catarse” é um “estado de libertação psíquica que o ser humano vivencia quando consegue superar algum trauma”. O que me parece técnico demais - e tendencioso. Se cairmos na filosofia, a fonte maior é Aristoteles: “é a purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama”. Hum… Um pouco teatral, eu diria.

    Pesquisando um pouco mais encontrei uma definição mais genérica e prática que talvez pudesse ser então meu ponto de partida: “Catarse é a purificação do espírito do espectador através do purgação de suas paixões, especialmente dos sentimentos de fé ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico”. Isso! Comecemos por aí então, porque o que me move a escrever o post de hoje é o desenrolar de um espetáculo trágico. No caso, a morte repentina de um grande ídolo da música popular brasileira, Cristiano Araújo.

    Fui convidado recentemente pelo “Jornal das 10” (Globo News) a fazer uma crônica sobre o triste evento e, no lugar de repetir os pêsames - que já faziam parte do inconsciente coletivo nacional àquela altura (a crônica foi ao ar no sábado passado) - e cair no lugar-comum de tantas coberturas, optei por olhar à distância não a dor legítima dos fãs, que estava lá muito presente, mas o sofrimento “por tabela” de tantas e tantas pessoas que conheciam o cantor apenas marginalmente (se tanto) e que, num significativo movimento de massa, “pegaram carona” no sentimento genuíno de quem o seguia desde o início humilde.

    Era curioso ver como, ao mesmo tempo em que o luto genuíno se acumulava nas redes sociais - e vazava para as outras mídias, como rádio e televisão - outras pessoas se perguntavam sobre a identidade do objeto de tanta devoção. Muitos até, quando tomavam conhecimento da música que ele cantava, faziam a conexão entre personagem e trabalho e se sentiam ligeiramente comovidos, sobretudo com a interrupção trágica de uma vida tão fulgurante - e uma carreira tão promissora. Mas uma parte dessas pessoas, como em tantos outros “funerais de massa”, emulavam uma emoção “por aproximação” - inspirada pelo que viam na própria cobertura da mídia.

    Na minha crônica, citei momentos assim, mortes marcantes de ídolos, pelos quais passei na minha vida - e minha carreira de jornalista. Cazuza, Kurt Cobain, Ayrton Senna, Mamonas Assassinas, Princesa Diana, Michael Jackson - nomes aos quais acrescentaria os de Leandro, Claudinho, Tim Maia, Renato Russo, Cássia Eller, Whitney Houston, Amy Winehouse, entre tantos outros. E propus a questão: estaria o cantor que o Brasil acabara de perder no mesmo patamar de popularidade que estes artistas?

    A provocação, claro, era para os “não fãs” - as pessoas que de uma hora para outra cobriram-se no véu do pesar simplesmente porque, na falta de um ídolo próprio, precisavam sentir um pouco desse sofrimento. Este é, enfim, o comportamento que desde de o início deste texto tento definir: a catarse. E quis, com a minha crônica, tentar separar a “genuína” da “de imitação”.

    Usei para isso um elemento muito presente no nosso “caldo cultural”: o famigerado livro de colorir. A comparação era simples: ao contrário da tristeza que os fãs verdadeiros estavam sentindo, milhares (milhões?) de “não fãs” simulavam esse sofrimento como se fosse uma emoção de verdade - assim como as pessoas que se debruçam nos livros coloridos vivem a ilusão de que estão sendo criativos, quando na verdade estão apenas preenchendo vazios de contornos que outros delinearam.

    Na minha experiência profissional - e pessoal, como fã - vi de perto o choque que uma nação inteira (e por vezes até o mundo) mostrava diante da partida de um artista querido. Nesses casos, não havia questão. A ausência de uma artista como Cássia Eller, por exemplo, que teve uma carreira plena - de gravações e apresentações - e atravessou gerações emocionando seu público, era perfeitamente refletida no luto nacional. Uma equação (dolorosa) de equilíbrio perfeito.

    Cristiano Araújo, porém, com todo seu carisma e talento, floresceu numa época diferente do pop, quando as carreiras são mais “relâmpago” e com um cociente de adoração “imediato”. Seu fãs de coração, atônitos diante da perda, abraçaram qualquer gesto solidário - mesmo de quem nunca havia ouvido falar do cantor. E ao mesmo tempo repudiaram qualquer questionamento sobre sua supremacia. E é aí que a história começa a ficar interessante - especialmente no que diz respeito à catarse.

    Munidos apenas da emoção - e de uma má interpretação da minha crônica - esses fãs acreditaram, alimentados por uma meia dúzia de comentários confusos, que eu os acusava de alguma coisa, ou pior, que eu apontava o dedo para seu ídolo, quando na verdade eu tentava entender o que faz justamente o outro grupo - o de “não fãs” - a reagir da maneira como o fizeram.

    Neste momento, a catarse pega um inesperado desvio - e viro eu então o alvo da “purgação de suas paixões na contemplação do espetáculo trágico”. Armados com a ferramenta poderosa da rede social - a única da qual participo, o Instagram (todas as outras, como sempre insisto aqui, são “fakes”) - esses fãs, ecoando a catarse da perda do ídolo (e já sem nenhuma reflexão sobre o que de fato escrevi, mas apenas propagando alguma mensagem que chegou a eles já em tom de indignação), voltam-se para mim com uma carga de fúria que, embora já fosse esperado, eu nunca havia experimentado.

    A esta altura você deve estar se perguntando se este post está servindo, talvez, como uma catarse - para mim! Belo exercício metalinguístico… Bem, sim e não. Ao mesmo tempo que estou um pouco atônito com o nível das ofensas pessoas (de pessoas que ironicamente evocam palavras como “respeito”), relevo o que é (mal)dito - a única coisa que pode nos ofender realmente é aquilo que vem de quem nos conhece profundamente - e comemoro a oportunidade de que essa discussão toda nos dá de, bem, reforçar a pobreza do nosso momento cultural.

    Enquanto escrevo isto, sou procurado por várias mídias para dar “meu lado da história” - como se a própria crônica que escrevi não fosse, hum, o meu lado da história - e saber “como estou recebendo a polêmica”. Como diria aquele meme adorável com o pinscher: “Gente, qual a necessidade disso?”. Mas, imagino, no vácuo cultural que estamos - e que tantos  colunistas ajudam a corroborar - um embate entre fãs sensíveis e uma opinião que eles chama que é contrária a deles (apesar de o texto original claramente exaltar as qualidades - e as “promessas interrompidas” - do ídolo em questão) torna-se o grande tema da semana. Ou pelo menos do começo dela. Estamos mesmo sem assunto…

    Há várias ironias neste imbroglio. A mais óbvia dela, a das pessoas questionando a relevância do que falei - e ao mesmo tempo tão ocupadas em me criticar. Bem, se eu fosse realmente irrelevante… Mas enfim, há ainda a ironia de estar sozinho em meio a colegas que também ironizam a cobertura talvez exagerada da mídia, mas que lhes falta ou coragem ou oportunidade para defender melhor a mesma ideia. E há sobretudo a ironia de achar que estamos discutindo a cultura brasileira quando cada linha sobre o assunto - seja aqui neste texto ou num comentário indignado - só joga mais uma pá de terra na questão: não há nada interessante para falar neste universo neste momento no Brasil. Logo…  vamos criar um evento em cima disso mesmo. Pegando emprestado de uma das melhores canções de Cristiano Araújo, o que temos pra hoje não é saudade, mas um balão de ar.

    É natural. Para mídia - e para os fãs indignados (pelos motivos errados) - é delicioso ver uma pessoa pública como eu ser atacado. Faz parte dessa catarse - que, como a dor é muito grande, não se esgota com os ritos fúnebres do cantor. Curiosamente, porém, no lugar de migrar para assuntos realmente relevantes ligados ao fato cruel de sua morte, desembocam nessa histérica manifestação coletiva contra uma figura conhecida.

    Mesmo quem não é fã de Cristiano Araújo deveria estar absolutamente indignado, por exemplo, com o vídeo que vazou do seu corpo aberto - isso sim, um motivo de vergonha e de questionamento moral. Mas a autora (e comparsas) da “obra” é uma desconhecida, que não vale a pena perseguir - e ainda, temo em pensar, ela fez o que talvez muitos fãs por impulso também fariam nesta época onde não existe mais limite para nenhum tipo de exposição.

    Então agora o negócio é comigo. Muito bem. Não tenho medo das minhas opiniões - até porque, está claro para mim que minha crítica não era ao artista nem ao seu luto, mas à cobertura dele e ao vazio do discurso sobre cultura no Brasil (essa sim, tristemente próxima de um livro de colorir). Como uma amiga me comentou, só posso ser responsável pelo que escrevo, não pelo que os outros entendem. Aceito ser o foco agora desta catarse - até por admiração ao cantor. É disso que os fãs precisam agora? Sirvam-se.

    Daqui a pouco esse mesmo discurso vai em frente - e, tomara, de uma maneira diferente, ou ainda, com um foco mais interessante. Novos ídolos virão, novas polêmicas, novas paixões, novos “ultrajes”. E tudo evolui. O pop - que é o DNA deste blog - é assim.

    Para isso, tenho confiança absoluta na inteligência das pessoas, mesmo naquelas esfumaçadas pela emoção. E uma fé - talvez exagerada - de que um dia a educação no Brasil nos ensine a não só xingar, mas a refletir e argumentar para defender quem a gente gosta.

  • Três encontros improváveis

    Você não precisa acreditar em nada do que eu vou contar agora. Mas em uma semana que passei recentemente em Nova York, eu encontrei três pessoas famosas - duas delas, verdadeiros ídolos. Acontece que eu não tirei nenhuma foto de nenhum desses encontros. E no mundo que a gente vive hoje, se eu não tenho o selfie para "provar" que alguma coisa aconteceu de verdade, é como se eu estivesse inventando. Triste…
     
    "Por que você não tirou uma foto?", perguntaram  as primeiras pessoas para quem eu relatei esses episódios. A resposta é simples: eu não me senti à vontade para pedir para esses artistas posarem para um selfie. Já passei por uma situação dessas antes - é um desses episódios, talvez o mais saboroso, que já contei aqui: o dia em que me vi diante de Thom York, do Radiohead, em uma loja em Paris.

    Tietagem à parte, eu talvez tenha um viés nesses encontros - até pelo fato de ser uma pessoa pública (em dimensões bem mais reduzidas do que essas estrelas internacionais com quem cruzei). Basicamente, eu morro de medo de estar incomodando - e lembro que não é apenas porque eu admiro essa ou aquela pessoa que eu tenho o direito de pedir favores, como parar o que ela está fazendo para posar para uma foto.
     
    Quando é comigo, não me incomodo. Mesmo! Se um dia eu não estou disposto a interagir - por um problema pessoal, ou qualquer outro obstáculo do meu dia a dia -, eu fico em casa. Às vezes, numa situação de pressa - um embarque no aeroporto é um exemplo típico - eu peço desculpas e faço com que a pessoa entenda minha correria (e mesmo assim ainda paro para uma foto). Mas isso sou eu - não posso adivinhar o quanto outras pessoas públicas estão dispostas a essa troca num determinado momento. E na dúvida... Eu acabo não abordando ninguém. O que não significa que eu não tenha a vontade de tirar uma foto com elas! Além de uma admiração profunda por cada uma elas. Como é o caso desses três encontros recentes em Nova York.
     
    Todos eles foram especiais - e numa escala crescente. Como não tirei foto, repito… Você tem todo direito de não acreditar em mim. Mas eu prefiro achar que uma história bem contada ainda pode ser bem convincente. Então aqui vão elas - sem ilustração.
     
    O primeiro encontro foi com um ator do seriado "Girls". Não, não é Adam Driver - pode soltar sua respiração! Seu personagem é relativamente pequeno, mas costura bem a história de duas amigas de Hanna - Marnie e Shoshanna. Afinal, ele já namorou as duas - e na última temporada, a quarta, seu papel cresceu bastante. É dele uma das cenas recentes mais engraçadas, quando ele faz um discurso amoroso disfarçado de blá blá blá político.
     
    O nome desse ator é Alex Karpovsky, e o seu personagem é Ray. Como disse, ele não é nada demais, mas naquela esquina da rua 44 com a Sexta avenida, enquanto eu esperava um casal de amigos queridos (e a filha deles), ter esbarrado com alguém que trabalha num dos meus seriados favoritos já me pareceu bastante especial. Ninguém ali em volta parecia reconhecê-lo e, talvez por isso mesmo, eu me senti na obrigação de falar com ele.
     
    "Olha quem está aqui", disse eu caprichando num sotaque nova-iorquino. Ele pareceu meio sem-graça - e eu reforcei: "Sou um grande fã”! Ele agradeceu modestamente e eu dei o golpe final: "Eu sou do Brasil, você tem muitos fãs por lá". Um pequeno exagero que o deixou atordoado.
     
    Claro que "Girls" tem seus fiéis seguidores aqui no Brasil. Talvez até você que me lê seja um deles. Mas eu fiz o elogio soar como se ele fosse uma espécie de Leonardo DiCaprio - e acho que as informações deram um nó na sua manhã. Ele parecia estar indo num banco ali perto, e eu não tinha um motivo aparente para estar ali parado naquela esquina. Toda a troca foi muito rápida - e quando ele abreviou a conversa com um "ok", eu achei que tinha feito um papel de bobo. Ou talvez não...
     
    Acho que esse é meu medo: piorar uma situação que já é constrangedora! Senti-me ainda mais sem graça quando dois dias depois, andando com outros amigos no Soho, encontrei não apenas um ídolo, mas um ícone: Patti Smith. Foi uma coincidência absurda pois eu estava com uma amiga - e colega, uma excelente atriz com quem divido uma fascinação pela sua história e a do fotógrafo Robert Mapplethorpe. Tudo isso, claro, por conta do livro "Só garotos", onde Patti conta como foi sua formação artística (e a de Mapplethorpe) na Nova York dos anos 70.
     
    Saindo de um almoço num despretensioso - e delicioso - italiano, um outro amigo que nos acompanhava (e que mora há oito anos na cidade) lembrou dessa nossa paixão e perguntou se a gente gostaria de ver onde Patti Smith morava. Respondemos em uníssono que sim!
     
    Aí entrou em cena um velho conhecido meu: o acaso. Pois exatamente na hora que chegávamos na frente da sua casa, um carro estacionava é dele descia ninguém menos que a moradora famosa. Fiquei tão sem reação que enquanto minha amiga atravessava a rua para tentar uma abordagem (ela sempre mais corajosa que eu!) eu fiquei outro lado me perguntando o que eu deveria fazer... Eu realmente fiquei sem reação.
     
    Só quando eu vi que a atriz estava conversando num clima ótimo com Patti eu tive coragem de me aproximar e me apresentar - como sempre, quando a introdução é para um americano, eu falo que meu nome é Zach (como em Zachary), pra ficar mais fácil... Quando cheguei, a rápida troca já estava no final, mas eu tive a chance de apertar sua mão discretamente - e só comemorar o episódio quando eu e minha amiga já tínhamos virado a esquina.
     
    Mal podíamos nos controlar! Era muita coincidência! Uma estrela maior que os dois veneram - eu tenho um retrato de Mapplethorpe em casa e ela um da Patti Smith por conta dessa loucura - dando mole ali, justamente quando os nós dois, fãs, estamos passando pela cidade? Quais as chances de isso acontecer? Eu minha amiga tivemos um ataque de riso de tanta felicidade - e acho que ainda estamos sob o efeito desse episódio até hoje. Mas pelo eu tinha com quem comemorar!
     
    Meu terceiro encontro foi mais solitário - e mais especial ainda para mim. Não foi no meio da rua nem na calçada em frente à casa de ninguém. Foi num elevador. E com uma cantora que eu venero há mais de trinta anos!
     
    Eu estava subindo num prédio dos mais tradicionais de Nova York, ali perto do Meat Packing District. Na verdade eu aguardava ser anunciado pelo porteiro antes de subir, quando achei que por mim tinha passado um rosto ligeiramente familiar. Não dei muita atenção, mas logo que fui liberado, corri para o elevador e pedi para que ela segurasse a porta para mim. E quando entrei meio esbaforido tive um choque: ali na minha frente, com um cachorro no colo, um cabelo desgrenhado e um nariz de quem tinha acabado de espirrar, estava ela: Debbie Harry!!
     
    Antes de você dar um Google no nome dela, deixa eu facilitar as coisas. Afinal, para ter sido fã da banda em que ela cantava, você precisa ter no mínimo 50. Eu, agora com 52, acompanhei o Blondie desde o seu começo. Sucessos como "Rapture" e "Call me" estão aí até hoje - e as gerações que vieram depois dos anos 80 certamente aprenderam a gostar. Mas para entender o meu estado naquele elevador, só mesmo se você já era um fã da New Wave naquela época...
     
    Pois mais de três décadas depois do auge do Blondie, lá estou eu diante de Debbie Harry (cujo retrato tirado pelo próprio parceiro Chris Stein está na parede de honra da minha casa - mas eu divago…), perguntando que andar ela queria que eu apertasse. Não resisti...
     
    Ao contrário de Patti Smith, eu fiz questão de falar que eu a tinha reconhecido - e me insinuar como seu fã. "É bom ver você aqui", disse eu, sem nem me preocupar com o sotaque. Estimulado por um leve - levíssimo - sorriso seu, perguntei se ela estava espirrando porque estava gripada. "É só alergia", disse ela já chegando no seu andar, que infelizmente era baixo (quando minha vontade era que a gente estivesse no Empire State Building, e que ela morasse na cobertura!). "Have a nice day", foi como tudo terminou. E, novamente sem testemunhas para validar meu encontro - a não ser talvez por uma câmera de segurança do elevador -, eu tive um princípio de palpitação...
     
    Todas essas situações foram inesperadas - e breves. Teria dado tempo de pedir uma fotografia? Teria - especialmente com Patti Smith. Mas ao contrário do que você possa imaginar eu não fiquei frustrado de não ter pedido um selfie com cada uma dessas celebridades. No caso de Debbie eu até cheguei a protestar comigo mesmo - sem muita convicção: "Você poderia perder essa vergonha e pedir uma foto - quem vai acreditar em você depois?". Acontece que, talvez porque a gente vive um cotidiano inundado de imagens, que eu ironicamente me senti bem de não ter pedido nada.
     
    Depois da euforia de ter visto pessoalmente esses ídolos, veio a constatação de que, muito melhor do que uma imagem a mais no meu smartphone - que certamente eu ia mandar pelo Whatsapp para vários amigos -, o que tinha de mais especial nessas coincidências era a história do encontro em si. O valor que cada um desses artistas tinha - e ainda tem - para mim não diminui porque eu não tenho um retrato digital ao lado deles.
     
    Na verdade estou mais feliz de poder contar essas histórias aqui, do que simplesmente "instagramar" esses selfies. Porque mesmo nesse tsunami de imagens que a gente vive - e eu estou mais do que nunca encantado com o poder do próprio Instagram (o meu oficial é @zecacamargomundo) - eu gosto de um bom "causo".
     
    E ainda acredito no poder das palavras... E sigo torcendo para que vice acredite nas minhas!
     
    O refrão nosso de cada dia: "Joe Doe", Young Fathers - por falar em Instagram, olha que eu tenho visitado alguns lugares estupendos ultimamente. E a trilha sonora é uma só: o segundo álbum do Young Fathers, o sensacional "White men are black men too". Eu recomendo o disco todo - é genial! Mas em especial essa faixa, que é a única música em que eu tolero um assobio, bem, depois daquela "música do assobio" - você sabe qual é...

  • Quem ainda liga para canções?

    Pharrell se apresenta no show de encerramento do palco principal do Lollapalooza
    Vi o show de Pharrell Williams ontem pela TV. Bom. Bem bom. Gostei também da plateia, que quase fez a gente que acompanhava tudo de longe acreditar que estava realmente animado por lá. Deu até para ficar com um pouco de inveja.

    Mas aí eu me lembrei da primeira metade do show – a que não teve nem "Happy" nem "Get lucky". Aquela metade em que a mesma plateia parecia um pouco ansiosa com aquele punhado de músicas que que ninguém conhecia. Músicas essas, diga-se, que não eram ruins – pelo contrário!

    Pharrell, se não é um grande "showman" na linha de, digamos, Justin Timberlake (o palco do Lollapalooza às vezes parecia grande demais para ele), usa com louvor o título de um dos maiores compositores e produtores do pop atual. E o que ele mostrou na noite de ontem em São Paulo foi exatamente isso: seu talento para criar canções próximas à perfeição. Mas quem está interessado nisso?

    Claro que no seu cânone musical, algumas músicas ganham outra dimensão – como é o caso de "Happy" e "Get lucky". Mas o que me chamou atenção ontem na transmissão do show era o quão pouco as pessoas em geral estavam interessadas em ouvir o resto das suas composições. A atitude parecia ser: se não forem aqueles refrões (brilhantes) massacrados por execução pública, não vale a pena prestar atenção.

    Essa atitude – que é mais ou menos paralela à história do pop – parece viver seu tempo mais exagerado hoje em dia. E quem sofre com isso, ironicamente, não são os artistas – que, como sempre, seguem criando –, mas o público, que cada vez mais se vê diante de menos opções de boa música. Culpe os algoritmos, que seguem te sugerindo apenas coisas (músicas, filmes, programas) parecidas com as que você já gosta: a triste verdade é que caminhamos para uma homogeneização sem precedentes.

    Estou meio afastado deste espaço aqui no G1 – é verdade. Aliás, estou meio afastado de tudo que anda acontecendo no Brasil, por conta de uma série de compromissos (e alguns "descompromissos") de viagem. Num exercício de "purificação", há meses tenho feito o possível para ter apenas um contato mínimo com o que passa por cultura pop no Brasil – mais especificamente, o sacrifício público de artistas e celebridades, nessa terra onde ninguém consegue fazer um elogio...

    Porém, fora da nossa esfera miúda, tem um monte de coisas boas acontecendo. Tenho visto filmes incríveis ("Timbuktu"), séries geniais ("Unbreakable Kimmy Schmidt"), lido livros poderosos ("Americanah") e ouvido músicas sedutoras – neste quesito a lista é grande... Quero ter tempo para comentar tudo isso aqui – mas não está fácil! Com muito custo (o tom é irônico, juro), consegui parar para escrever aqui hoje sobre música – e olha que a ideia nem era falar sobre o show de Pharrell no Lollapalooza...

    Mas é que sua passagem pelo Brasil ofereceu a alavanca perfeita para eu fazer a seguinte pergunta: por que Mika não é consagrado como o novo Elton John? Bem, porque, como a reação às músicas "desconhecidas" de Pharrell deixaram bem claro, o mundo não precisa de alguém que componha boas canções – só de alguém que faça um refrão aprovado por algoritmos de refrões que já foram aprovados. (A frase parece confusa, mas é isso mesmo).

    Falo de Mika – um ídolo de longa data (como quem me acompanha aqui há tempos já sabe) – porque recebi de um amigo querido um link de sua nova música, "Talk about you". Fui pego de surpresa (esse meu amigo tem o dom de me surpreender), primeiro com a novidade e depois com a beleza da música.

    Mika
    Não é de hoje que Mika oferece melodias bem amarradas, com refrões que se encaixam perfeitamente na nossa memória: "Relax", "Grace Kelly", "Lollipop", "Happy ending", "Elle me dit", "Celebrate", "Popular song", "Kids", "We are golden", "Touches you", "The origin of love", "Love you when I'm drunk" – e mais qualquer outro título que você queira incluir nesta lista. A relação acima é impressionante – um currículo invejável de belas composições, que mal chegaram ao grande público. Mas ele não "estoura"...

    Sempre achei Mika um injustiçado – aquelas coisas do pop, onde a sorte o talento parecem não conversar, ou ainda, quando se encontram parece que é para conspirar contra o sucesso de alguém. Mas foi só quando eu ouvi "Talk about you" que me dei conta de que, pelo número de canções bem feitas que ele já nos apresentou, a única comparação possível na história do pop é com Elton John – que, aparentemente é seu fã. Mas quem precisa de um Elton John hoje? O dom de compor músicas? Que bobagem...

    Sim, eu sei que os tempos são outros – e eu, já quase pronto para completar 52 anos, corro o risco de ter esse meu argumento tão elaborado trollado por um por um comentário de um garoto ou uma garota que mal sabe soletrar Skrillex com uma simples frase na linha "esse Zeca Camargo morreu e esqueceu de deitar" (para usar uma expressão do tempo do pais, talvez avós, deste mesmo garoto ou mesma garota) – "enfeitado" com algumas palavras que não passam pelo controle de qualidade deste blog...

    (Ao mesmo tempo, imagino que este garoto ou esta garota em potencial não teve sequer a atenção ou a paciência, para chegar até aqui na leitura deste texto, então vou em frente assim mesmo – apesar de saber que eu divago...).

    Enfim, eu sei que os tempos são outros, mas deixo hoje aqui meu lamento sobre a falta de atenção de toda uma geração – e a indústria pop que a alimenta – para o que é realmente bom: a capacidade de um artista fazer uma música bem-feita. Mika é só um nome, mas atrás dele tem Devonté Hynes, Tove Lo, Fatima Al Qadiri – gente que está fazendo coisas realmente interessantes na música, mas que, nessa cacofonia de trinados ensaiados de hoje, mal consegue ter seu trabalho reconhecido pelo grande público. Que ao menos o "pequeno público" então aproveite esses talentos. Estamos aqui para isso!

    Neste lento retorno, prometi a mim mesmo que faria textos mais curtos – menos como uma concessão à atenção geral das pessoas que param para ler alguma coisa na internet do que no intuito de usar melhor o tempo de minha semana para fazer tudo que quero (e escrever aqui é um dos meus prazeres). Pelo que vi, já estou traindo minha própria proposta hoje – e, por isso, encerro a discussão de hoje desejando que Mika seja sim proclamado o próximo Elton John. Que todos os artistas que citei acima sejam headliners dos próximos festivais de música. E que o público de Pharrell aprenda a vibrar não apenas com as canções que elas já estão cansadas de ouvir, mas com o que, no meu tempo, se chamava "conjunto da obra".

    O refrão nosso de cada dia – "Shangai freeway", Fatima Al Qadiri – dos nomes que citei acima, este talvez seja o que tenha causado mais estranhamento. Fatima é, no entanto (e na minha modesta opinião), o futuro do pop. Aqui fica a minha sugestão de introdução.

    Fotos: Caio Kenji/G1; Flavio Moraes/G1

Autores

  • Zeca Camargo

    Mineiro de Uberaba, o apresentador do ‘Fantástico’ começou a carreira no jornal ‘Folha de S. Paulo’, participou da primeira turma da MTV no Brasil e foi editor da revista “Capricho”.

Sobre a página

Em seu blog, Zeca Camargo transita pelo universo da cultura e discute músicas, filmes e exposições.