Filtrado por música Remover filtro
  • Os 23 (+1) melhores álbuns que você não ouviu em 2017

    Lana del Rey, Björk, Taylor Swift, Beck, Lorde, Demi Lovato, P!nk, Ed Sheeran, Drake, JCD Soundsystem, Kesha, The xx, Paramore, St. Vincent,  Harry Styles, Jay-Z, Kendrick Lamar - tanta gente lançou tanta coisa boa este ano que não foi fácil chamar atenção com um trabalho original.

    Não obstante, este também foi um ano de muitas novidades - que se não conseguiram chegar a "causar" com o grande público, pelo menos agradou este incansável explorador do pop que vos escreve. Tudo, como sempre, é questão de ter a mente aberta - seja para uma coletânea de música árabe ou para um "maluco" que decide fazer um álbum em cima do seu teste de DNA (ou outro que grava 50 músicas pra comemorar 50 anos!).

    E como esse espaço é infinito, que seja eu mais uma vez seu guia nessa viagem musical ligeiramente alternativa. Não há regras - nem mesmo no total de músicas na lista: eu costumava fazer com 20 títulos, mas dessa vez quis fechar com 23... Algum problema? A ordem aqui não é de preferência, mas apenas para colocar um pouco de ordem. E se quiser "provar" um pouco de cada um desses álbuns, fiz um playlist com uma faixa de cada um deles no meu perfil zecacamargomusic no Spotify: Ainda Não Ouviu? 2017 - vai lá... é bom se arriscar...

    Habibi

     
    1) "Habibi Funk 007: an eclectic selecion of music from the Arab World",vários artistas - por onde começar? Por Fadoul com sua estranhamente familiar "Bsslama Hbibt"? Pelo funk de Ahmed Malek misteriosamente identificado como "Tape 19.11"? Pelo embalo irresistível de Kamal Keila em "Al asafir"? Comece por onde quiser, mas não pare de ouvir essa compilação, de fato, eclética do pop árabe. E eu digo mais: pode mergulhar sem susto no playlist com o mesmo nome, "Habib Funk" no Spotify. Uma fonte eterna de inspiração e a prova definitiva de que quanto mais longe de casa você vai, mais interessante fica a música que você ouve...

     Stream Jidenna’s ‘Boomerang’ EP

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     


     
    2) "Boomerang", Jidenna - tecnicamente é só um EP. Jidenna também lançou um álbum propriamente dito em 2017, o excelente "The chief" - pode ouvir sem susto, só cuidado para não ser hipnotizado pela faixa "Adaora"... Mas aí veio esse EP, pra rechear uma pequena obra prima de um single chamado "Boomerang". Pronto! Tem um cara chamado Drake que deve tá ouvindo essa faixa sem parar e se perguntando: como eu faço pra gravar uma coisa melhor agora? Mas não pare só em "Boomerang": desafio você a ficar parado com "Little bit more" ou não sentir algo estranho ao ouvir "Out of body". Seis faixas quase perfeitas.

    Magnetic Fields

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     



     
    3) "50 song memoir", The Magnetic Fields - que tal escrever uma música para cada ano que você viveu? Quem dera eu tivesse um talento pra tal façanha - mas o bom é que Stephin Merritt tem e fez exatamente isso para comemorar seus 50 anos. É bom lembrar que esse é o cara que já tinha conquistado meu coração quando gravou "69 love songs" (1999) - sim, "99 canções de amor", se você precisa mesmo de tradução eheh! Nesse tributo a ele mesmo, o nome por trás do Magnetic Fields vai do "mambo infantil" ("67: Come back as a cockroach") ao "trash disco" ("97: Eurodisco trio"), sem esquecer da "balada minimalista" ("03: The Ex and I"). Um trabalho de gênio que eu ainda não absorvi por inteiro...

    Residente

     
    4) "Residente", Residente - por falar em projetos "malucos", que tal fazer um disco em cima do seu teste de DNA. Por que não? Um músico de Porto Rico, Juan Pérez (que talvez você conheça por seu trabalho em Calle 13) foi pesquisar suas origens e elas serviram de inspiração para um dos conjuntos de música mais criativos que ouvi este ano - talvez nesta década. Pérez/Residente foi fundo nas suas raízes, a ponto de usar até ópera chinesa numa faixa ("Una leyenda China") - e esse não é nem o melhor ingrediente que ele tem na manga. Ainda estou anestesiado pelo efeito de ouvir "Dagombas en Tamale" mais de dez vezes seguidas - e de boca aberta com o clima de mistério (dançante!) de "La sombra". Não tem uma faixa ruim, nem mais ou menos - cada canção abre uma porta de possibilidades e é vibração atrás de vibração. Uma celebração mais que bem descrita em "Somos anormales". Graças a Deus!
     


     
    5) "Black origami", Jlin - quantas vezes ultimamente você ouviu um álbum e se perguntou: o que aconteceu comigo, o que eu acabei de escutar? Jlin fez isso com meus ouvidos - e continua a fazer, a cada vez que escuto. Não sei se isso é o futuro da música eletrônica, mas eu acho que quem está pensando em levar esse gênero adiante deve prestar atenção a "Black origami". A faixa título, que abre o disco, já é atordoante: você ouve e fica procurando algum corrimão pra se apoiar. Felizmente, não encontra. E segue assim pelo menos até "Kyanite". Mas aí quando entra alguns vocais tipo coral - nesse trabalho fortemente instrumental - você tem a certeza de que está diante de um trabalho maior.

    Rincon Sapiência

     
    6) "Galanga live", Rincon Sapiência - simplesmente o disco mais presente, mais importante, mais interessante e mais presciente do pop brasileiro em 2017. Não é que cada faixa da estreia desse poeta seja explosiva. Todo o álbum tem uma urgência de fazer corar até o Racionais MC. Estou vendo Kendrick Lamar mais uma vez (e justamente) ser celebrado como um dos álbuns do ano nos EUA (se não "o" álbum do ano"). Num mundo perfeito, Sapiência estaria ganhando a mesma celebração por aqui. Pegue um verso qualquer, tipo "quanto vale uma vida? / pensa no seu pivete / na bolsa tem a bíblia / também tem canivete", de "A volta pra casa". É genial. Ou toda a letra de "Ostentação à pobreza", que vira a mesa na tal ostentação ("muitos estão na velha classe merda") em cima de uma batida original. "Galanga live" vale cada rima que sai da boca de Rincon...

     

     
     7) "World Spirituality Classics 1: The ecstatic music of Alice Coltrane" - ainda bem que sempre tem o mestre David Byrne para nos salvar. Seu selo Luaka Bop - que mostrou, entre outros, nosso Tom Zé para o mundo - lançou esta pérola em 2017, ressuscitando a carreira pra lá de marginal da "senhora Coltrane", a segunda mulher de um dos maiores saxofonistas (e compositores) de jazz de todos os tempos, John Coltrane. Gravado de maneira ultra independente nos anos 80, essa obra era privilégio de amigos e conhecidos de Alice - e Byrne mais uma vez empresta sua genialidade para redescobrir um tesouro escondido. Com forte sotaque indiano - ouve-se uns bons mantras cá e lá - esse foi o disco que mais me fez viajar este ano. E que viagem boa que foi...
     

    Survivor

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    8) "Survivor", Tshegue - lá vem mais um EP... Mas que culpa tenho eu se as pessoas nem esperam mais lançar um álbum? Na verdade, Thsegue entraria nesta lista mesmo com uma faixa só - a própria "Thsegue": um canto hipnótico e sedutor. A dupla por trás desse duo é francesa - parisiense. Mas é claro que as raízes desta música estão bem fincadas na África, com alguns galhos enredados no punk. Se "Suvivor" é um pouco "étnica demais", "When you walk" e "Muanapoto" fazem a reputação da banda crescer na experimentação. Você vai se apaixonar por elas também - isto é, se conseguir tirar o coro "Êh... Tshegue" da cabeça. Se alguém pegar esse refrão e samplear no nosso verão, acho que vai dar samba...



    Moses

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     



     

     

     

     

     

     

     


    9) "Aromanticism", Moses Sumney - vamos então falar de música, como ela deve ser feita. Há sempre o que a gente chama de "elemento espontâneo" em qualquer criação musical. Mas aí tem também os "trabalhadores da música", que parecem construir cada melodia com camadas e camadas de um talento absurdo, aplicadas umas sobre as outras com a delicadeza de um ourives. Moses Sumney está exatamente nessa categoria - e teria ganho o título de "álbum mais cheio de texturas" se Björk não estivesse no páreo este ano (seu "Utopia", claro, não está nesta lista porque você certamente já o ouviu várias vezes, como eu). "Plastic" é de longe a melhor faixa, num curioso paralelo com uma faixa com o mesmo nome (ou quase), do próximo álbum da lista...

    Sampha

     
     
    10) "Process", Sampha - ... e falando em "Plastic", Sampha abre seu trabalho incrível com uma faixa quase homônima. E dali pra frente é só alegria - se bem que uma alegria bem sutil. Aos som de harpas - ninguém usou melhor este instrumento no pop desde Björk - Sampha vai introduzindo aos poucos sua voz e seus ritmos, de maneira que lá pela meio do disco você já está completamente encantado com um novo universo musical. Sim, a lindíssima "(No one knows me) Like the piano" dá uma boa quebrada nesse encanto, tocando partes da sua emoção que nem Alicia Keys já foi capaz de alcançar com seu piano. O álbum todo é como uma grande oração - e Sampha mergulha nas suas inquietações para oferecer um conjunto musical nada menos que eterno - eu certamente quero ouvir "Timmy's prayer", por exemplo, até o fim dos dias...
     
    Dado Villa-Lobos

     
    11) "Exit", Dado Villa-Lobos - num ano em que eu estive tão envolvido com o Renato Russo (fazendo os textos para o catálogo da maravilhosa exposição que estreou no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo), seria apenas natural que um novo trabalho de Dado Villa-Lobos chamasse minha atenção. Mas eu acabei gostando de "Exit" - e gostando demais - não por essa proximidade com a presença/ausência de Renato, mas justamente pela distância dela. Começando com um tom ácido e forte em "7 x 1", o álbum traz belezas diferentes a cada faixa. Bom ver que o talento que Dado empresta a tantas bandas que produz está, em "Exit", canalizado para o próprio artista desta vez, com resultados tão sublimes como "Então vem" - que deveria ser o hino oficial da chegada de 2018...

    Sweet Broken Dates
     

    12) "Sweet as broken dates: Lost Somali tapes from the Horn of Africa", Vários Artistas - muitos lamentam o fechamento da Colette, a loja mais legal de Paris, pela ausência que vai fazer no mundo da moda. Eu fico triste porque vou perder uma "bússola musical". Sempre que ia à Colette, chegava lá no fundo e via o que eles sugeriam de música na temporada. Estive lá em novembro para uma última consulta ao oráculo e trouxe coisas inacreditáveis - a mais especial delas, esta compilação de "sucessos perdidos" em fitas K-7 da Somália! Eu sei... Tudo parece um pouco exótico demais mas deixe seu preconceito de lado. Isso é música boa - e inesperadamente boa. Eu queria, por exemplo, um certo Ali Nuur pra animar uma festa minha com sua faixa que nem tem nome. Ou a Sharaf Band ( que também está na playlist "Habib Funk") para me embalar numa noite preguiçosa... Uma viagem em todos os sentidos.
     Kelly

     
    13) "Kelly Lee Owens", Kelly Lee Owens - a quarta faixa deste trabalho de estreia chama-se "Lucid". E é quase uma ironia, uma vez que lucidez é a última coisa que lhe resta depois de ouvir esse álbum maravilhoso. Toda a atmosfera é de sonho - eu sei que esse é um elogio preguiçoso, mas ouça a própria "Lucid" três vezes seguidas e me diga como você se sente. O que essa inglesa fez com a música eletrônica é impressionante. Seu disco saiu em março e eu fiquei tão maluco com ele que queria escrever essa lista logo naquela altura do ano. Felizmente o entusiasmo passou - e no lugar dele surgiu um elogio consolidado. Como bônus, procure também por sua faixa "Arthur", que ela gravou como um tributo ao grande mestre da música eletrônica, Arth ur Russel...



     
    14) "Ash", Ibeyi - você deve estar achando que a lista deste ano tem uma forte tendência africana -  certíssimo. Parece que essa inspiração, que sempre é forte, foi retomada com gosto em 2017, mas com nuances tão brilhantes como as da dupla Ibeyi. Essas duas irmãs - gêmeas! - têm um pé na África Yorubá e outro no moderno pop francês... e um "terceiro pé" em Cuba. O resultado? Uma mistura completamente original e moderna. Se fosse um disco todo a capella, já seria extraordinário, uma ver que a combinação das duas vozes é contrastante e complementar. Com os sons de uma produção moderna então... E num belíssimo hino à afirmação feminina, "No man is big enough for my arms" ainda acertou na temperatura dos movimentos sociais deste ano. Em algum canto dos EUA, Lauryn Hill está sorrindo...
     
    King Kruge

     
    15) "The OOZ", King Krule - desde que coloquei "6 feet beneath the moon", o álbum de estreia de King Krule nesta mesma lista em 2013, eu esperava por esse momento: reconhecer que este cara não era só uma novidade. "The OOZ" não chega a ser uma partida radical daquele primeiro trabalho. Se Krule deu alguma polida no seu talento foi no acabamento de algumas faixas - aquelas primeiras, como você talvez se lembre, pareciam gravadas de qualquer jeito. Agora os sons vêm talvez um pouco mais claros, mas não menos assombradores. E para um ano que, como eu mesmo mostrei aqui, muita gente não avança além de um EP, King Krule oferece um banquete de 19 faixas, fechando com uma ode à madrugadas bêbadas chamada "La luna". Esperar agora pra ver em ano ele volta pra essa lista - 2018, talvez?

     

    Penguim Cafe


    16) "The imperfect sea", Penguin Café - anos (décadas) atrás, quando meu orçamento como correspondente em Nova York só para comprar um CD na finada Tower Records, eu investi numa banda que tinha o nome de um lugar que eu gostava de frequentar: o Penguin Café Orchestra. E fiquei obcecado com esses caras. Sempre instrumentais, violinos e sanfonas conversando freneticamente com um piano, o Penguin Café era o som da felicidade para mim. Sumiram, claro, como tantas coisas dos anos 80, mas Arthur Jeffes, filho de um dos criadores da banda (Simon Jeffes) retomou o projeto, tirou o "Orchestra" do nome - mas não da alma da sua música. Que maravilha reencontrar essas sonoridades, sem saudosismo, mas com o frescor de uma redescoberta.

    Bedouine

     

    17) "Bedouine", Bedouine - você também talvez tenha reparado que a lista deste ano está bem, digamos, tranquila... Mas isso é quase uma consequência natural das turbulências que encontramos tanto pelo calendário de 2017... "Nice and quiet", a primeira canção de "Bedouine" é o antídoto perfeito para todas as loucuras que enfrentamos este ano - e para tantas outras que ainda virão! Que venha 2018 exatamente neste tom. No momento eu quero a voz de Azniv Korkejian pra me acalmar - ou quem sabe me levar para uma década onde tudo era mais simples, até mesmo uma música folk... Não perda a faixa "bônus" "Louise" - e tente entender, sem recorrer ao Google, em que língua ela canta essa coisa linda...
     
    Outro tempo

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     



     18) "Outro tempo: Electronic and Contemporary Music from Brazil, 1978-1982", Vários Artistas - onde eu estava quando Piry Reis lançou seu samba espacial, "O sol na janela"? Ou quando Maria Rita (não essa que você está pensando) saiu cantando "Kamairá" entre flautas e sintetizadores? Não faço ideia, mas felizmente essas lacunas do meu acervo pop brasileiro foram preenchidas graças a um colecionador chamado John Gomez, que juntou 17 raridades da música eletrônica brasileira nessa compilação surreal. Os únicos artistas que eu conheço são Os Mulheres Negras, presente com a ótima "Mãoscolorida". Mas que prazer navegar nessas águas totalmente desconhecidas - ainda que aqui na nossa própria costa...

    Moritz von Oswald & Ordo Sakhna


    19) "Moritz von Oswald & Ordo Sakhna", Moritz von Oswald, Ordo Sahkna - de um lado, um dos melhores produtores de música eletrônica do século 21. Do outro, um bando de músicos de Bishkek, no Quirguistão. Mistura improvável, concordo. O que, claro, só poderia dar música boa. A própria trupe do Quirguistão já é uma mistura danada, com influências de todos os cantos da Ásia - e pode por música chinesa e indiana também nessa conta. E Moritz pega esses tons e faz com que eles transcendam suas origens, em labirintos de "loops" e estranhas reverberações. Não há uma faixa sequer parecida com a outra - "Koirong ku" parece um duelo de cordas, "Tushumdo" é um lamento a capella e "Drums", bem, só percussão. Nunca foi tão bom se sentir desorientado com uma cascata musical como essa.
     
     
    Jackie Shane

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     
    20) "Any other way", Jackie Shane - e o pop nunca deixa de surpreender a gente... Primeiro tenho que agradecer a desbravadora série Numero Uno, que sempre me traz um ou dois lançamentos inesperados por ano (num cálculo conservador). Mas dessa vez eles se superaram. Eu nunca tinha ouvido falar de Jackie Shane até ter uma resenha desse lançamento, alguns meses atrás, celebrando "Any other way" como um marco na história do pop LGBT. Como assim? Bom, aparentemente Shane passou toda a carreira, ao longo dos anos 60 e começo dos 70, cantando como mulher, quando na verdade era um homem montado de drag. Ou mais ou menos isso... Tudo é um mistério na biografia desse artista - menos a qualidade da música: um soul impecável recuperado nessa antologia imperdível - com um disco inteiro só de performanc es ao vivo.

    Good For You

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    21) "Good for you", Aminé - provavelmente a capa mais repugnante do ano. Ou ainda, a imagem do rapper sentado numa privada lendo um jornal nem é tão terrível assim - é só gratuita. Exatamente o contrário do seu conteúdo. No compasso de vários trabalhos que entraram na lista este ano, "Good for you" é meio "lo-fi". Mas no fundo Aminé é bastante original - e se deu bem com a ótima "Caroline". Mas o álbum não é de um sucesso só. Tem uma despretensão em "Spice girl", por exemplo que é bem divertida. E "Slide" tem o "loop" mais cativante de todo 2017. Insito: esqueça a capa, entre na música.
     
    MuraMasa

     
    22) "Mura Masa", Mura Masa - geralmente quando a gente sabe que um álbum reuniu um elenco de estrelas, dá até preguiça de ouvir... Mas não tenha receio de encarar as colaborações de Alex Crossan (de apenas 21 anos) com nomes da linha de Damon Albarn, Christine and the Queens, A$AP Rocky e Charli XCX. Esse rodízio de talentos virou a trilha sonora de uma festa perfeita - e que é também uma cápsula do tempo. Se daqui a alguns anos alguém quiser saber como era o pop em 2017, é só colocar Mura Masa pra tocar. Minhas faixas favoritas são "Nuggets" (com Bonzai), "Blu" (com Albarn, incrivelmente sedutor) e "helpline" (com Tom Tripp). Mas literalmente só tem coisa boa neste disco. Não quero nem pensar no que Crossan possa fazer um pouco mais velho...
     


     
    23) "Capacity", Big Thief - em 2016 eles vieram com "Masterpiece". Eu mal me recuperei desse suave furacão e o Big Thief veio com "Capacity"... Que coração que aguentaComo resistir a essa mistura perfeita de folk, indie, punk e... até um pouco de bossa nova? Um pouco de Alanis Morrisette, um pouco de PJ Harvey, e uma pitada de Aimee Mann - eu fico tentando achar referências, mas desisto. A faixa de abertura, "Pretty things" é tão poderosa - no seu despojamento - que eu mal conseguia avançar dali na primeira vez que ouvi. Mas aí vem "Shark smile", "Capacity", "Coma", "Objects"... Bom, essa é a promessa de que eles não vão ficar quietos no futuro - tomara! - porque ele é mais que promissor...
     
    Ok Computer

     
    E o melhor álbum de 2017 que você não ouviu é... de 1997: "OK Computer OKNOTOK 1997-2017". Doce ironia... É quase uma covardia, comparar qualquer disco que foi lançado este ano com essa obra-prima do passado. Mas quem disse que o mundo é justo? Não só as faixas originais de "OK Computer" sobrevivem intocadas, mas as "inéditas" (as aspas são porque muitas delas já eram conhecidas de performances ao vivo do Radiohead) são tão frescas como se estivessem sido compostas na semana passada. Como aliás, tudo que o Radiohead faz. Por ser um relançamento, duvido que muita gente tenha dado atenção, além dos fãs "hardcore" como eu (e talvez você) - por isso fiz questão de exaltá-lo nesta lista. E também pra sair um pouco do sério - que se não fica tudo muito chato... Um 2018 mais divertido pra todos nós!

  • 'Heal the pain'

    “I went back home, got a brand new face, for the boys on MTV”. Eu era um deles – um dos caras da MTV. O ano era 1991, George Michael estava no palco do Maracanã naquela segunda (e não menos histórica) edição do Rock in Rio. E eu cantava aquela música tão forte que era como se fizesse parte do “backing vocal” – o coral que sempre acompanham grandes artistas em grandes shows. E esse era um grande show, de um grande artista – uma memória estupenda da passagem pelo Brasil da estrela maior que perdemos ontem, em pleno Natal.

    Vou poupar você do triste balanço musical de 2016 – outros obituários certamente já terão feito isso. Bowie, Prince, Cohen, George Michael – uma lista dolorosa (e que é ainda maior do que essa), um testamento musical de um ano que foi terrível de mais de uma maneira... Mas enfim, deixe-me concentrar no ídolo que se despediu ontem – ao que tudo indica, pelas notícias que foram liberadas, morreu de maneira tranquila, em sua casa em Londres, a cidade onde eu tive o privilégio de entrevistar George Michael uma vez.

    Como já contei aqui mesmo neste espaço, foi encontro no outono (londrino) de 1998. George, que depois do sucesso estratosférico no final dos anos 80 da sua carreira solo (que já vinha de outro sucesso estratosférico com o Wham! ao longo daquela década) e início dos 90, desapareceu da mídia – muito em função do “escândalo” de ter sido preso num banheiro público em Los Angeles. A entrevista, concedida a apenas três televisões no mundo – Reino Unido, Japão e Brasil –, seria uma espécie de retorno do cantor.

    A essa altura ele já estava preparado para discutir abertamente sua homossexualidade – e o Brasil certamente foi escolhido para ser um dos países com os quais George Michael queria falar em consideração a seu companheiro brasileiro, com quem ele viveu um forte romance, que terminou em 1993 quando ele morreu por complicações relacionadas à Aids. Mas sobretudo ele queria falar de música, da vida sobre os holofotes, de família e de amor. E eu, claro, mal podia acreditar que estava finalmente diante de um ídolo.

    Enquanto esperava por ele, inevitavelmente me lembrei da minha primeira tentativa de entrevistá-lo – justamente em 1991, quando era então um dos “garotos da MTV”. Nada havia sido marcado. George Michael era sim um dos maiores artistas do planeta e nem a MTV americana – que muito nos ajudou naquele festival (foi por conta dela que conseguimos falar com vários superstars da época, como Axl Rose, por exemplo) – estava conseguindo falar com ele.

    Lá fui eu então, naquela manhã, fazer uma tímida tentativa na piscina do hotel Copacabana Palace. Visivelmente tímido, tentei me aproximar de George Michael – que tomava seu sol ali na pérgola – com uma modesta camiseta da nossa MTV para presenteá-lo e quem sabe assim convencê-lo de falar com a gente. Preciso dizer que não cheguei nem a dez metros de distância dele? Dois – talvez três – seguranças vieram em minha direção e me interceptaram sem cerimônia, dizendo que “Mr. Michael” não gostaria de ser incomodado, mas que eles certamente fariam com que aquela camiseta – hoje, um clássico a ser resgatado: branca com a bandeira do Brasil inserida no logo da MTV – chegaria até as mãos do cantor. Até parece...

    Sete anos passariam até que finalmente eu pudesse encontrá-lo – e ter o prazer de conhecer de perto a mente fascinante que criou tantos sucesso. Eu não era mais um “garoto da MTV”, claro, mas “o cara do ‘Fantástico’ ” – um dos programas mais populares da TV no Brasil, o país do grande amor de sua vida.

    Num hotel que era um dos mais caros e bonitos de Londres na época (The Hempel), tínhamos uma suíte enorme toda montada para o “circo” da mídia. Câmeras, luzes, diretores, assessores de imprensa – todo aquela parafernália com a qual eu me acostumei ao longo de tantos anos cobrindo show businesses. O tamanho de todo o aparato, porém, contrastou drasticamente com a simplicidade do cantor – a ponto de deixar este experimentado repórter que vos escreve ligeiramente desarmado.

    Seu romance com o brasileiro foi um dos primeiros assuntos – como se ele quisesse falar logo sobre isso, mostrar o quanto sentia saudades de seu companheiro, quanto era grato pela família dele que o acolheu, o quanto toda essa história significou para ele. Assim, ele poderia abrir caminho para que a conversa se concentrasse sobre o que realmente o interessava: a música e o bizarro mundo da celebridade.

    Esta entrevista está em algum lugar dos arquivos do “Fant” – e espero um dia poder revê-la aqui na internet (minhas buscas para encontrá-la até o momento em que escrevo isso foram em vão). Mas sentei-me hoje cedo para escrever este texto – quem nem é exatamente um obituário – não para lembrar de tudo que falamos “verbatim”, ou seja, palavra por palavra. O que quero que fique registrado é o fascínio de ter estado perto de um artista que... bom, desculpe o clichê, daqueles que parece que não surgem mais hoje em dia: daqueles capazes de jorrar músicas originais e brilhantes, imediatamente reconhecíveis em qualquer lugar do mundo, com um dom de produzir letra e canção que se alojam de maneira “indeletável” da sua memória. Quantos artistas que apareceram no século 20 são capazes disso – não apenas de cantar sucessos, mas de compor cada um deles, com a precisão de um joalheiro?

    Sim, Lady Gaga – é a resposta óbvia. Mais de uma vez citei essa artista maior (em vários textos) como a verdadeira sucessora de astros como Elton John e George Michael. Outros intérpretes brilhantes – de Beyoncé a Justin Timberlake – explodem em sucessos, mas que são, muitas vezes, esforços coletivos, um subproduto do fragmentado universo pop que habitamos hoje (o que não diminui nem um pouco o valor desses “hits”, mas são, você há de reconhecer, uma outra espécie de composição).

    Mas com essa despedida de George Michael – e, sim, de Bowie, de Prince, de Cohen – a gente fica sem mais um artista daqueles verdadeiramente originais. Que estava tranquilo com sua trajetória – nem parecia que estava a fim de estender sua carreira muito além daquele período áureo. Naquela entrevista de 98, ele me disse que talvez só tivesse mais um ou dois álbuns originais para oferecer – antes que encerrasse sua carreira, numa modéstia rara de se ver no show business... Ao mesmo tempo, parece que ele estava trabalhando em cima de algum material inédito para ser lançado em 2017... Quem sabe?

    Fato é que, com um conjunto da obra como a de George Michael, nada praticamente precisa ser acrescentado. O “garoto da MTV” sabe quase todas de cor – como milhões de pessoas no mundo todo (você inclusive). E de tantos versos e coros sensacionais que ele então deixou, eu resgato este da música que dá título ao post de hoje, pra encerrar não sem uma nota de tristeza essa homenagem:

    “Do something for me

    Listen to my simple story

    And maybe we'll have something to show”

    Sim, está no primeiro verso de “Heal the pain” – uma das minhas músicas favoritas de George Michael. Que, tenho certeza, não vai sair da minha cabeça pelas próximas horas, num passeio gelado que vou dar pelas ruas da cidade fria que estou agora – longe do Brasil, mas perto de uma comunidade muito maior que a gente geralmente se refere apenas como “pop”, mas que hoje, sei lá por qual motivo, eu quero chamar de “música dos anjos”…

  • Os 20 (+1) melhores discos que você não ouviu em 2016

    Aqui estão eles, meu tesouro – meus discos que eu sempre acho que só eu que ouvi e ninguém mais... O que não é verdade, claro. Por mais que aquele artista por quem você se apaixonou seja “seu segredo”, tem sempre uma “alma solitária” que o encontrou por aí também – algo fácil de se descobrir, ainda mais em tempos tão conectados. O que só pode ser um bom sinal: a promessa de que nunca vai nos faltar a boa música.
     
    Estou ciente de que se você só ouve o que nossas rádios tocam a impressão é outra: parece que nunca vamos sair do loop de vozes clonadas representando corações machistas pedindo perdão por ter chifrado a namorada (mais uma vez). Sim, existe muita música melhor que essa sendo feita – no Brasil e no mundo.
     
    Por isso, como sempre, nossa lista anual viaja por nosso território nacional, mas também pelo Irã, Tunísia, Argentina, Tailândia, Sri Lanka, França, Austrália – e, claro, Estados Unidos e Inglaterra! Viaja também por vários períodos no tempo – muitas vezes de uma vez só, como é o caso do grande álbum no ano que você não ouviu, lá no fim da lista. (Lembrando que ela não é em ordem de preferência, os números estão lá apenas por uma questão de ordem).
     
    Para quem está chegando agora, é importante que você esteja atento ao “não” no nome da seleção. Grandes artistas nos deram trabalhos geniais este ano – de David Bowie a Beyoncé, de Rihanna a Kanye West, de Drake a Metallica. Mas estes, claro, são artistas que dominaram nossos ouvidos. E cá estou eu no fim de ano, mais uma vez, para sugerir um mapa alternativo do pop em 2016.
     
    Que você se divirta nessa rota – sempre errante. Como disse o mais elegante chefe de nação que conheci no meu período nesta Terra – aquele que infelizmente está deixando o cargo este ano –, Barack Obama: “We zig and zag”. Ele se referia, claro, aos caminhos da democracia (diante de um sucessor que ameaça voltar várias casas no tabuleiro do infindável jogo da civilização). Mas podemos dizer o mesmo do nosso surrado pop.
     
    Assim como nenhum governo é permanente – pergunte isso a Fidel... –, não há moda que perdure para sempre na música. Logo vem um novo sopro mostrando que sabemos sim fazer um bom pop. Aqui estão então algumas dessas brisas que senti em 2016. Abram as janelas!
     
    Whitney 1) “Light upon the lake”, Whitney – abro a lista com talvez o primeiro trabalho que eu separei este ano como um dos melhores de 2016. Lá em junho, ouvi “Light upon the lake” e achei que tinha apertado uma tecla de flashback. Quem faz música como essa hoje em dia? Bem, Whitney faz! “No woman” é a canção de amor que você sempre quis cantar e nenhuma banda veio te ajudar até então... Mas não pare por aí – avance para ouvir a melhor rendição de Belle and Sebastian desde... bem, quem liga pra datas?

    Mahmundi2) “Mahmundi”, Mahmundi – melhor álbum brasileiro 2016? Sei que vou arrumar briga se der esse prêmio a Mahmundi. Mas assumo que ela foi sim a melhor descoberta nacional do ano – eu sei, tem Jaloo, mas “R#1” é oficialmente de 2015 (já falamos mais dele). Conheci Mahmundi numa “esquina” do último Lollapalooza – e fiquei encantado. O álbum (seu segundo) veio logo depois. E veio com vontade de mudar. Mas quem é que está ouvindo? Bom, eu tô – e você vai ouvir também...
     
    Hopelessness3) “Hopelessness”, ANOHNI – “4 degrees” é a música mais desesperada deste ano. E isso é um elogio. Porque “Hopelessness” é um disco urgente. E brilhante.

    Por trás desse nome, você sabe, está uma das vozes mais inesperadas de toda a história do pop: Antony Hagerty – venerado por uma lista de artista que vai de Björk a Kanye West, com talentos que ultrapassam a galáxia do pop. A urgência de ANOHNI é pela natureza ameaçada, mas seu grito ecoa outro pedido de socorro: o da boa música. Nós te ouvimos Antony!
     
    Opoch4) “Un torrent, la boue”, O – nem tente achar este álbum no Spotify: é missão impossível! Também, quem mandou Olivier Marguerit dar simplesmente o nome de O para seu mais novo projeto? Eu mesmo tive de busca-lo num bom e velho CD! Quem conhece o pop francês sabe que os dedos de Olivier estão por todos os lados naquele cenário.

    E agora, nesse projeto solo, você pode conhecê-lo por inteiro: uma mistura geral de sons e estilos – que é exatamente o que o pop está precisando. Corra atrás dele, começando por esta faixa no YouTube, “La rivière”.
     
    Soft Hair5) “Soft Hair”, Soft Hair – imagine um Pet Shop Boys debochado. Sim, eu sei que o Pet Shop Boys já nasceu (mais de três décadas atrás) bastante debochado – mas o Soft Hair é mais. Sem contar Sam Eastgate e Connan Mockasin que são músicos ligeiramente mais sofisticados que Neil Tennant e Chis Lowe. Mas deixemos essa competição de lado: a proposta do Soft Hair é seduzir pela exuberância sonora – e para isso vale tudo: de “proto disco” alemão dos anos 70 ao “pós nada” do atualíssimo James Blake. Tá tudo lá – e é sublime!

     
    MIA6) “AIM”, M.I.A – “Bird song”, música do ano. Não vou discutir – é o melhor sampler e o melhor remix. Pronto.

    Dito isto, vou defender que o álbum que contém essa pérola é também sensacional – e se M.I.A. fosse um pouco menos teimosa ela teria emplacado melhor este ano.

    Só ela tem a capacidade de achar o sample certo pra mensagem certa – e não usar esse clipe de música como uma muleta fácil, mas transformá-lo numa paisagem musical.

    Se “Bird song” não lhe basta, tente “Go off” – ou qualquer outra faixa de “AIM”. Caso encerrado.

     
    Bum Lam Plhoen7) “Essential hongthong dao udon”, Bum Lam Plhoen – lançada no final do ano passado no Japão, essa compilação é essencial para quem mergulhar fundo no pop tailandês. Eu sei, você nem sabia que existia um pop tailandês... Mas em mais uma viagem a Bangcoc este ano, numa loja de discos chamada 1979 Vinyl, encontrei esse CD e... Bom, sabe quando os terrestres ficam tentando se comunicar com os e.t.s em “A chegada”? Pois é, você tem que inventar um novo dicionário (musical) para entender isso – e se maravilhar...

     
    Car seat 8) “Teens of denial”, Car Seat Headrest – devo estar ficando velho porque toda vez que ouço uma banda nova, fico procurando referências de coisas que já ouvi... Car Seat Headrest, por exemplo?

     

    Como não achar nessa banda genial uma pitada de Strokes, outra de Clash – e até um dedinho de The Jam?

    Pegue a receita que você quiser – o fato é que eu te desafio a achar em 2016 um punhado de faixas com mais energia do que a desses caras aqui. Nada mal pra quem tá na estrada desde 2010! Sem falar que o nome do álbum é genial...

     
    Tam9) “Tam... Tam... Tam... – Reimagined”, Gilles Peterson – quase chorei quando vi que um dos melhores produtores contemporâneos resolveu fazer uma releitura de um álbum que eu achava que só eu ouvia... O “Tam... Tam” original é um disco brasileiro, de 1958 – a trilha de um musical bizarro que o “Brazil” resolveu exportar para a Europa naquela época.

    Esse álbum foi relançado em 2014 – e comecei uma pesquisa em cima dele, quando de repente eu vejo que Gilles Peterson também se interessou pelo disco – e repensou essa obra-prima. Uma audição essencial pra quem quer sair da zona de conforto...

     
    Kuorosh 10) “Back from the brink: pre-revolution psicheldelic rock from Iran 1973-1979”, Kuorosh Yaghmaei – este álbum foi lançado cinco anos atrás. Mas cheguei nele por um outro disco de Kuorosh que saiu em 2016: “Malek Jamshid”. Gostei, mas quando fui pesquisar no passado desse artista, gostei ainda mais!

    Assim, como introdução a esse ídolo psicodélico iraniano, eu sugiro que você comece pelos anos 70. Coisa boa imaginar que do outro lado do mundo, enquanto o rock embarcava no punk, alguém fazia música assim...

     
    Danny Brown11) “Atrocity exhibition”, Danny Brown – como nada que você ouviu este ano. Esta é a melhor maneira de definir esse – que é o quinto álbum do rapper de Detroit, e seu melhor. Mas vá preparado.

    Logo na primeira vez que você escuta, você se vê diante de duas opções: sentir-se repelido por toda aquela esquisitice; ou seduzido por seus mistérios. Preciso explicar que caminho escolhi? “Lost” é a “melhor música de outra planeta” do ano – e a prova de que Danny Brown é genial.

    Jaloo12) “#1”, Jaloo – faço logo o mea culpa: eu mesmo deveria ter “descoberto” este disco quando ele saiu – no final do ano passado. Mas eu devia estar envolvido com outras coisas – ou então abduzido! Fato é que eu “comi barriga” e deixei “#1” passar... O castigo por esse pecado? Ouvir Jaloo todos os dias de 2016. O que para mim não foi nenhum sacrifício. Há quem diga que ele é o Ney Matogrosso do século 21 – mas eu discordo: Jaloo é atemporal, etéreo, lindo e leve, é pop. Quem escreve algo como “Tô tão contente, delay, tô pra trás/and I get lost every once in our eyes” só poder ter meu respeito e admiração.

     
    Pollice13) “Pollice Verso”, Pollice Verso – sim, uma banda brasileira cantando rock em inglês vale muito a pena ouvir – especialmente se ela for a Pollice Verso.

    Eles são de Curitiba – e eu diria que o povo de lá tá se saindo bem no pop, certo Karol Conka? Dizer que um grupo brasileiro que canta em inglês é “competente” é “tapinha nas costas”.

    Pra mim o Pollice Verso é uma boa alternativa pra gente procurar novos horizontes – um caminho até mais difícil do que o daqueles que cantam em português. Mas só pela coragem – e “competência” eheh – já chamaram minha atenção nesse simples EP.

    Cashmere14) “Cashmere”, Swet Shop Boys – eu já tenho um pé ali na Índia, não é segredo. Mas justamente porque ouço tanta coisa que tem a ver com esse canto do mundo, tá cada vez mais difícil de me surpreender.

    Nesse quesito o Swet Shop Boys se saiu com louvor: com samplers de fazer inveja a M.I.A. (veja acima), cada faixa é um pequeno universo – parte Eminem, parte Cornershop. E lá vou eu com as minhas referências de novo...

    Não liga pra elas – ouça “Cashmere” do começo ao fim como uma grande viagem. Que é exatamente disso que estamos minha gente, eu tô falando...

    Casa15) “Casa del Viento”, Karina Vismara – uma lista dessas sem um artista argentino não rola né? Você já conhece as regras eheh! Mas Karina não está aqui apenas pela nacionalidade no seu passaporte. Ouvir seu disco é lembrar de tantas mulheres fortes que já passaram pelo pop – de Joan Baez a Lhasa.

    Ela bebe em tantas fontes, que chamar sua música de “neo-folk” é de um reducionismo cruel. Ainda não decidi se prefiro ouvi-la cantar em inglês ou castelhano... Talvez na sua língua nativa – só por causa de “Que fácil es hablar”...
     

    Childish16) “Awaken, my Love”, Childish Gambino – enquanto todo mundo no hip-hop só se ajoelha para Kanye West (que fez o ótimo “The life of Plabo” este ano – e que todo mundo ouviu, logo, está fora desta lista), Donal Glover segue ainda abaixo do radar... Sempre achei que Gambino fosse só uma brincadeira de Glover, um projeto a mais desse artista multi talentoso. Mas “Awaken, my love” é o disco de hip-hop mais interessante que ouvi em 2016, com um pé no passado (soul circa 1970) e vários no futuro. Desculpa Kanye...

     
    Barbara17) “Barbara - Fairouz”, Dorsaf Hamdani – uma cantora tunisiana cantando o melhor do reportório de uma dama da canção francesa e o de uma diva libanesa? É emoção demais pro coraçãozinho deste fã de músicas do mundo todo – aquelas sem barreiras, que falam todos idiomas e ao mesmo tempo um só... Mas sem divagações, este é um encontro feliz de dois universos – que na voz de Dorsaf nem parecem tão distantes assim.

    Cantando em francês e em árabe, vemos que a proximidade entre Barbara e Fairouz é enorme. É a música ganhando dos mapas – é um presente pros nossos ouvidos.

     
    Glass Animals18) “How to be a human being”, Glass Animals – é dessa festa que eu quero participar neste final de ano, ou qualquer outra festa que esses caras forem tocar. Modernos, misturados, misteriosos – divertidos, enfim.

    Como alguém ainda não fez um remix de 2 horas de “Season 2 episode 3” pra quem quer passar uma madrugada sem dormir? Uma verdadeira inspiração para nossos tempos de mesmice – ainda bem que tem gente louca fazendo música. E não só em Oxford...

     
    Blood Orange19) “Freetown sound”, Blood Orange – a essa altura, quem frequenta este espaço já sabe que sou devoro de Dev Hynes, em todas suas encarnações. Blood Orange é a mais esotérica delas – e talvez a que eu mais goste até hoje.

    Seus outros álbuns já entraram nesta lista em outros anos, mas “Freetown sound” não está aqui só por inércia. Essa é uma coleção de criações de um músico inquieto, provocador, capaz de produzir joias pop para outros cantores, mas para si mesmo prefere os caminhos mais difíceis. Eu também eheh.
     

    Tove Lo20) “Lady wood”, Tove Lo – num ano em que as grandes divas – Rihanna, Beyoncé, Gaga –  resolveram fazer álbuns “ligeiramente” experimentais (e sublimes) sobrou pra Tove Lo reinar na sua inteligência pop. “Habits” era só o começo. Depois que ela tomou coragem para gravar as músicas dela mesma – e não compor para os outros, seu trabalho ficou ainda melhor. Por isso fecho essa lista com ela – Tove Lo deveria ser mais ouvida! E não vou nem comentar o atrevimento de fazer uma capa que é um clone (ou seria homenagem?) a “Like a prayer”, de Madonna?

     
    E o melhor álbum do ano que você não ouviu é... “Wildflower”, The Avalanches. Nenhum disco desse ano, independente de quem o tenha produzido, tem a sofisticação de “Wildflower” – e não digo essa sofisticação besta, esse virtuoso musical que muita gente gosta de exibir. O segundo álbum do Avalanches – que levou “só” 16 anos pra ser feito – é uma peça de joalheria pop, camada sobre camada de música delicadamente colocada um sobre a outra, com o cuidado de um artesão. Mas falando assim tenho medo de arruinar com elogios tolos um disco que é sensacional – único! E se o próximo do Avalanches demorar o mesmo tempo pra sair – nossa, eu vou ter 66 anos! – assim seja! Vou estar esperando com a mesma alegria com que eu acordo cantando, todo dia, “Sunshine”...
     
    Avalanches

  • Ainda precisamos de festivais de rock

    Florence + The Machine se apresenta no palco Skol do Lollapalooza 2016
    Florence Welsh no palco. Sobre a plateia completamente hipnotizada, uma chuva fina - que se tinha a intenção de incomodar, parecia que estava fracassando. Entre rodopios, sua voz enchia aquele espaço nobre do Lollapalooza como que para celebrar o espírito daquela noite - que, mesmo sem ter podido ir conferir de perto no sábado, posso assegurar de que foi o mesmo da anterior. E então ela pega uma bandeira brasileira. Num dia como o de ontem. Foi o delírio.

    Sou veterano de festivais de rock - e digo isso do alto dos meus quase 53 anos (faltam só três semanas!). Já amarguei em vários - especialmente naqueles em que a cobertura jornalística parecia não ter fim. Mas também já fui feliz em muitos deles - em alguns casos, ao mesmo tempo em que estava trabalhando. Por exemplo, por mais que estivesse exausto durante a cobertura de um certo Hollywood Rock no início dos anos 90, ter visto Kurt Cobain cantar da coxia do palco não tem preço…

    Mas justamente porque esses festivais fizeram parte de toda minha carreira de jornalista, há tempos eu vinha percebendo um certo cansaço neles. Estavam todos ou muito parecidos ou muito comerciais. Em casos mais graves, tinha a sensação de que eles haviam deixado para trás exatamente o que deveria ser a essência de um evento desses: a própria música.

    O Rock in Rio mesmo - revolucionário nos seus bons tempos -, nas suas duas últimas versões, vinha mostrando sinais deste cansaço. A escalação da de 2015 - e também a de 2013 - me deram a impressão de que o próprio festival tinha perdido a confiança no poder da música nova, preferindo apostar em um punhado de nomes tarimbados (quase todos emblemáticos do som do século passado) - e não no poder transformador do que ainda é desconhecido. Isso, claro, é um reflexo de uma insegurança comercial. Em tempos onde o dinheiro do anunciante/patrocinador é escasso, melhor investi no que é certo. Isso é compreensível.

    Não estou diminuindo o Rock in Rio - pelo contrário. Como apresentador do evento - mais de uma vez - tenho não só orgulho de ter participado dele, como alimento sempre a esperança de que ele vai sim trazer um bom time de artistas novos - e colocá-los nos mesmos patamares dos figurões. Mas o que a gente viu recentemente foi a decepção - pelo menos para quem ama a capacidade da música de se renovar - de ver alguns de seus melhores shows relegado a um palco “menor”.

    Questionava isso nos últimos tempos não como uma falha do festival, mas como talvez um problema - ou melhor, um desafio - para o próprio rock, para a música pop. Será que estaríamos diante de uma encruzilhada? Um momento genuíno de renovação de tudo? Dos shows, das bandas, dos próprios festivais?

    Minha passagem ontem pelo Lollapalooza trouxe uma certa esperança de que as coisas estão melhorando. Ironicamente, graças a uma ideia de mais de 20 anos trás! No início doa anos 90, quando eu trabalhava nos primórdios da MTV Brasil, Perry Farrell - uma daquelas figuras icônicas do rock alternativo na época - resolveu criar um show ambulante que fosse uma mistura de todos os sons que ele gostava. Sem preconceitos, sem distinção. Era música boa - não importava o gênero? Bota no palco para tocar. Esse festival anárquico virou, ao longo daquela década, um grande negócio - que só por obra do acaso, viu nos tempos de hoje uma oportunidade para lembrar o porque de sua existência. Ou talvez fosse justamente a triste situação dos festivais de música atuais que abriu espaço para que a proposta do Lollapalooza fosse novamente relevante.

    Zeca Camargo fala sobre Lollapalooza 2016

    Nessa sua nova “encarnação”, que tem várias montagens pela América Latina, o Brasil tem sido privilegiado como um de seus palcos mais férteis. Por ironia - e por questões de trabalho - não tinha conseguido ver de perto nenhuma de suas versões (sa não ser pela TV). Até este domingo - quanto tive tempo sobrando para ver boa parte das suas atrações. Isso incluiu um pouquinho do Alabama Shakes; boa parte do Noel Gallagher; trechos de Jack Ü; idem na apresentação do Jungle; e, claro, Florence and The Machine - an íntegra!

    Chamar sua apresentação de a melhor do festival talvez fosse um pouco exagerado - além de uma hipérbole vazia, já que não consegui ver tudo. Mas na noite de ontem, olhando aquela multidão cantar suas músicas - que com raríssimas exceções tocam nas rádios mais populares (e muito menos estão entre as mais executadas no país) - fiquei cheio de esperança.

    Ali estava representada uma geração que, ao contrário do que as rádios - e a própria TV - às vezes nos fazem pensar, tem horizontes musicais maiores do que o quintal da sua casa. Equivocada na ilusão de que estão abraçando uma cultura brasileira - quando na verdade estão sendo manipulados na reciclagem de estilos batidos na música internacional (e bem americana) - essa geração inteira passava a impressão de que toda nossa história musical riquíssima - que fez nosso século 20 ser relevante artisticamente para o mundo - tinha sido passada para trás em função de uma falta de gosto e de originalidade. Felizmente, ali no Lollapalloza, vejo que isso era só um desvio de rota.

    Independente o que as rádios estão tocando, tem muita gente ouvindo música boa - e por “boa” quero dizer interessante, nova, diversificada, instigante. E que de quebra ainda não ofende nem nossa gramática nem nossa inteligência - como… bem, preciso mesmo citar os exemplos? Ah e se alguém que tenha vestido essa carapuça por acaso achar que estou falando só de estrangeiros, eu digo que tenho alguns nomes aqui para te constranger: Jaloo, Sérgio Herege, Mahmundi, Projota, Karol Conká - e por aí vai…

    Esse time incrível de inovadores, junto com a legião que estava lá para ouvir Florence, Noel, Alabama, Jack Ü - e tantos outros -, encontraram ali no Lollapalloza seu ninho. Vi aves raras desfilando por aquelas pitas - e se as chamo assim, é para não esquecer que tudo aconteceu no autódromo de Interlagos, um lugar que parece ser feito mais para isso do que para as corridas, de tão adequado que foi o encaixe do festival por lá. Vi gente do bem, de duas ou três gerações mais jovens que eu, com quem falei entusiasmado a principal língua que nos unia - que é a da música. Essa foi a formação que eu tive: a de que todas as tribos (musicais ou não) devem ser respeitadas. Desde que queiram abrir a cabeça das pessoas - fazê-las cantar não o mesmo refrão, mas versos que de fato signifiquem algo além de um história besta de ciúme, em melodias que sejam ligeiramente mais criativas do que a que seus pais ouviam numa balada. E esse espírito estava firme e forte na noite de ontem no festival. Olhei ele no olho.

    Com Florence ali no palco, senti que a música ainda vale a pena - e juntar vários artistas diferentes serve não para dividir, mas para contaminar. E contaminar num bom sentido. Num certa maneira, o Lollapalooza não é menos comercial do que todos os outros festivais recentes - afinal, um cenário como o de Woodstock hoje em dia seria não só utópico como irreal. Cada palco ali tinha seu patrocinador, com farta distribuição de produtos, merchandising e logotipos. As mensagens “do bem” estavam espalhadas em cartazes bem humorados - e nada pretensiosos (pelo contrário, eram bem lúdicos) por toda a área de circulação. Mas acima disso tudo estava a música. E com isso eu não discuto.

    Eu mesmo, fã que sou, não sabia cantar tantas músicas de cor como as que vi aquela plateia acompanhando. Foi lindo isso. Significa que tem gente que, aproveitando o infinito canal de distribuição que a indústria musical tem hoje, faz sua própria playlist - e que ela está muito acima da mediocridade rasteira. Quando milhares de pessoas se emocionam ao fazer um coro espontâneo para acompanhar Florence em “How big how blue how beautiful” - você lembra desse título no topo de alguma parada brasileira? -, é porque essa música, que não é nem um de seus maiores sucessos, é forte, bate fundo - fala com mais gente do que você imagina. Ou ainda, pegando carona no seu refrão, é bem grande, bem azul, bem linda.

    Florence flutuava então naquele palco. Seu cabelo esvoaçante era uma chama incontrolável que chamuscava cada canção, ficando mais incandescente cada vez que o celeste do seu vestido parecia soprar quando ela girava. É assim quando o vento se encontra com uma fogueira, não é? Pois é esse fogo, de renovação, que cresce em cada festival como o Lollapalooza.

    É esse fogo que estava refletido nos olhos de cada um que estava lá ontem à noite. E, ouso arriscar, no meu também.

  • E a música do Carnaval de 2016 é…

    O cantor Projota. Melhor começar tentando descrevê-la, para ver se você reconhece. Tem um toque de Soul II Soul, mas muito também de Lulu Santos. Na contramão da onda atual de divas (supremas!), quem canta é um cara - eu arriscaria um baixo, na classificação da sua voz. Na batida e na levada, bebe da fonte de D2 - nas letras, de Marcelo Camelo (com escala em Emicida). Eu acrescentaria uma pitada de Simonal na malícia e um toque do maestro Érlon Chaves e sua banda Veneno no tempero. A música conecta com a intimidade instantânea de um dos sucessos de Ivete e a discrição preciosa de Adriana Calcanhoto. E sobretudo tem uma letra de Caetano com flow do Racionais.

    Sim, com essa ultima pista, você já adivinhou: falo de “Ela só quer paz”, de Projota - a música que escolhi pro meu Carnaval e... provavelmente a música pop mais perfeita que nossa riquíssima MPB conseguiu oferecer neste século 21 que ainda engatinha.

    Já penso nessa questão há algum tempo. Enquanto o pop mundial nos oferece pequenas obras-primas - como “Happy”, “Crazy” e “Get Lucky”, para citar apenas alguns - nós aqui, apesar da inegável bagagem musical que temos, somos obrigados a nos contentar com canções de refrões que são meras junções de sílabas que nem sempre fazem sentido - e quando fazem, mal conseguem caber nas frases musicais (quase sempre resultando em hilários - e ao mesmo tempo tristes - prejuízos à métrica, além do esquecimento total de um princípio gramatical tão simples quanto uma sílaba tônica…).

     

    Já tem uns dois ou três anos que me senti mais especificamente provocado a procurar por uma música pop nacional que pudesse trazer para cá a tocha da criatividade, originalidade e identificação popular que sucessos como os que citei acima. E, nessa busca, não faltaram bons candidatos ao título.

     

    Gaby Amarantos, por exemplo - cuja inigualável “Xirley” eu cheguei um dia a comparar com “Camisa listrada” (e paguei um preço caro por isso) - foi uma das minhas primeiras opções. Gaby tem o dom de fazer do regional, universal - e com humor. Suas músicas são de uma inteligência sutil (pensa que é fácil rimar “ex-my love” com “um e noventa e nove”?) e de um colorido exuberante - que muito nos falta numa parada musical quase sempre ocre. Por mim seu lugar já está garantido no panteão do pop brasileiro do século 20. Mas será dela a música “mais perfeita do século” que eu venho procurando? Vejamos as outras possibilidades.

     

    Sempre tenho vontade de chorar quando ouço “Mais ninguém”, da Banda do Mar. Não é uma música de separação ou de amor ferido - aquilo que em inglês eles chamam de “torch song”. Pelo contrário: é uma canção de celebração, do amor, do prazer de estar junto, de estar com a vida e o coração resolvidos. As lágrimas chegam porque eu queria entender de onde vem a capacidade, num ser humano, de compor algo tão perfeito assim. A rigor a música não tem um refrão - talvez tenha dois, mas eu prefiro acreditar que ela é um refrão do começo ao fim. Ah, sim, com um grande interlúdio instrumental - que não poderia ser menos adequado para uma canção pop, mas que acaba sendo a coisa mais fantástica que poderia ter acontecido para unir as duas partes da música. E ainda tem o clipe - certamente uns dos 10 melhores deste mesmo século (mas eu me alongaria demais falando dele aqui, e o Carnaval tá chamando!). Infelizmente a Banda do Mar não teve a sorte de florescer numa época em que suas altas qualidades sejam inteiramente apreciadas pelo grande público, que hoje prefere repetir aqueles descarrilamentos de sílabas duras como se fossem realmente canções - e por isso, apesar de eles estarem no mesmo panteão de Gaby, seu sucesso foi (injustamente) moderado, e o grande título de melhor música pop nacional do século 21 segue vago.

     

     Então chegou Ludmilla. Imagino que você esteja pensando que eu deveria pagar meus respeitos a Anitta, antes de sequer eu balbuciar o nome de Lud - mas calma lá! Concordo que Anitta chegou - já tem bem uns 3 anos (passa rápido né?) - sacudindo bastante as bases do nosso pop. Era funk? Era “dance”? Era o quê? Era Anitta inventando alguma coisa - e ela é boa nisso! (Tão boa que seu último sucesso, “Essa mina é louca” - a ótima parceira com Jhama - é uma reinvenção muito esperta de pagode… mas eu divago…). Suas músicas são sucessos estrondosos - e me ajoelho diante de seu talento para fazer todo mundo cantar, dançar, e se apaixonar por ela - e por seus refrões. Mas será que algum de seus “hits” poderia ser a melhor música pop nacional do século 21?

     

    Sem entrar em rixas - não sou disso, já que admiro as duas na mesma proporção -, Ludmilla e sua “Hoje” teriam mais chances de levar o título. Não só pela sua incrível pegada (basta ouvir uma vez, e nem precisa ser inteira, para você entender perfeitamente a música), mas também pelas peripécias sonoras, brincando com a escala musical como se fosse uma boa ária de ópera - pense no trecho que começa com “E faz assim…”, só que interpretado por uma contralto lírica! A letra - se não das mais originais - pega elementos ultra populares e faz malabarismos. E acima de tudo, claro, tem a voz de Lud. Depois de ter ouvido “Hoje” inúmeras vezes no rádio - sempre aos retalhos -, finalmente tive o prazer de escutá-la por inteiro na gravação do especial de fim de ano de 2015 de Roberto Carlos. Como você talvez tenha reparado, até o Rei pirou na voz de Lud - e por isso faço meus os elogios dele: essa canta!

     

    Estava então bem tentado a dar o título para Lud - cheguei a ensaiar escrever sobre isso aqui. Mas então, na última terça-feira, estava ouvindo a Metropolitana FM, em SP - uma das programações mais ecléticas (e por isso mesmo mais pops) das nossas ondas sonoras - quando tocou “Ela só quer paz”. Estava indo gravar uma reportagem - uma matéria simples, que me tomou menos de uma hora. Quando voltei para o carro, no primeiro sinal que parei, lá estava ela de novo - “Ela só quer paz”. E foi então que prestei atenção na letra daquela música que já tinha roubado minha atenção pela manhã.

     

    Para minha agradável surpresa, o que eu estava ouvindo era pura poesia. E não era barata - pelo contrário. Havia, em cada verso, uma disfarçada preocupação com a originalidade - que já se anunciava logo no primeiro canto: “Ela é um filme de ação, com vários finais”. Que espécie de gênio sai com uma abertura dessas? (Aos maldosos de plantão, não há um pingo de ironia na minha frase anterior - nem em nenhum outro momento que eu eventualmente usar a palavra “gênio” no texto de hoje). E ainda: que gênio era esse que cantava com a boca cheia - e um sotaque que não tem vergonha de ser paulistano (muito paulistano!) - uma frase como “Ela é o 'barco' mais bolado que aportou no seu cais”?

     

    Cada verso de “Ela só quer paz” pode ser celebrado por si só, mas quando você percebe a cadência deles, a maneira como Projota (gênio!) costura um no outro, fica ainda mais encantado com sua habilidade como letrista. Olhe o verso a seguir - da segunda parte da música (que, é bom lembrar, leva menos de três minutos pra te conquistar):

     

    “Ela vai te enlouquecer pra ver do que é capaz
    Vai fazer você sentir inveja de outros casais
    E você vai ver que as outras eram todas iguais
    Vai querer comprar um sítio lá em Minas Gerais”

     

    Talvez você nunca tenha se dado conta, mas já sentiu “inveja de outros casais” - e provavelmente já pensou até em comprar um sítio em Minas Gerais”. Só que coube a Projota colocar essas duas coisas juntas, num efeito que é transcendental. E aí temos o tal do refrão…

     

    Ainda não consegui ouvir ele cantar “Ela é um disco do Nirvana de 20 anos atrás” sem me emocionar - pois é, eu choro mesmo com essas coisas. Mas como um soco que vem para definir o vencedor no ringue, enquanto você recebe essa pela direita, Projota vem pela esquerda com: “Não quer cinco minutos no seu banco de trás, só quer um jeans rasgado e uns quarenta reais, ela é uma letra do Caetano com flow do Racionais”!

     

    UMA LETRA DE CAETANO COM FLOW DO RACIONAIS!

     

    Conheço um punhado de compositores - de várias gerações e tendências musicais - que dariam um braço pra ter composto isso! Projota faz isso parecer fácil - não é! - e prazeroso - o que é - que chega a ser um alívio saber que temos, enfim uma pequena obra prima para alegrar nossos ouvidos e corações neste Carnaval. E levar o tal do título que eu estou ensaindo dar a um tempão!

     

    Para não parecer um desavisado, sei bem que sua carreira não começou “ontem”. Projota já esboça seu caminho na boa música paulistana desde 2010 - ou talvez até antes, mas foi a partir daí que ele começou a passar no meu radar. Nesses tempos onde todo mundo celebra o sucesso imediato, talvez ele tenha demorado um pouco demais para entregar seu trabalho maior (espero que ele faça coisas tão boas quanto “Ela só quer paz”, porque se fizer melhor, vou ter que reescrever tudo isso que fiz hoje eheh!). Mas agora ficou pronto.

     

    Chama-se “Ela só quer paz” a melhor música do pop nacional deste século. E ela é do Projota. E já é a música do Carnaval de 2016 - e dos próximos anos. E é a música da minha vida - neste momento. E olha que nem estou apaixonado…

     

    Vá brincar seu Carnaval - e entenda os sinais...

  • Os melhores álbuns que você não ouviu em 2015

    É chegada aquela hora do ano... Sim, aqui está ela, a "nossa" lista dos melhores álbuns de 2015 que você não ouviu. Você que me acompanha aqui há tempos, já conhece as regras - a mais importante de todas, é a de que se trata de uma seleção bastante idiossincrática. Aqui está um punhado de músicas boas que escutei nos últimos 12 meses e que, pelas injustiças que o pop sempre comete, acabou não chegando ao grande público. Chegou a hora de resgatá-las!

    Tem de tudo, claro. Como sempre, você pode esperar novidades da Colômbia à Nova Zelândia, passando pela Suécia (via território curdo), Honduras, Congo, Tailândia - ah! e Brasil também. Gente nova e gente veterana - que tem em comum a capacidade de fazer música boa e nos surpreender com o dom infinito de criar com sons de todas as origens, todas as fontes, todos os tempos.

    Em 2015, a lista - que, só lembrando, não está em ordem de preferência - vem ainda com uma inovação: você pode ouvir (quase) todos os artistas num playlist que criei na minha conta no Spotify (fácil de chegar, ainda mais se você for no meu perfil https://facebook.com/ozecacamargo). Chama-se "Ainda não ouviu? 2015". Aventure-se.

    E o "quase" lá em cima é porque pelo menos uma artista escolhida este ano desafia todos esses serviços de "streaming" de música: não achei nada, em nenhum deles, sobre a sensacional Hongthong Dao-Udon... Mas para situações como essa, temos sempre o YouTube: descubra todo o esplendor desse pop tailandês aqui. No mais, aqui estão eles: os grandes injustiçados de 2015 - só que não...

    Express of1) "Me", Empress of - no princípio, era a voz. Digamos que Lorely Rodriguez, o nome por trás do Empress of, não tivesse um bom repertório nesse seu segundo álbum. Mesmo assim você ainda teria sua voz - e eu seria capaz de parar para ouvi-la nem que fosse anunciando os portões de embarque permanentemente alterados de um aeroporto brasileiro como o de Congonhas (certamente a tortura auditiva mais sádica que já inventaram). Mas ocorre que o punhado de faixas que Rodriguez juntou em "Me" é também sensacional. Sobretudo porque justamente utiliza o potencial vocal da cantora para explorar texturas inéditas no pop. Você vai ficar intrigado da primeira vez que escutar - mas também irresistivelmente atraído. Ainda mais quando souber que ela é meio americana e meio hondurenha. "Everything you do" é provavelmente a música que mais ouvi este ano (depois de "Borders", de M.I.A.) - mas tente ouvir tudo, e ainda um remix de "How do you do it", assinado por Ash Koosha!

    ffs2) “F.F.S.”, Franz Ferdinand & Sparks - Dois ídolos, de duas gerações. Posso apostar que a maior parte dos fãs de uma banda não faz a menor ideia de quem é a outra banda. Mas tenho certeza de que os próprios artistas sempre foram fãs uns dos outros. Mas o que importa mesmo é que Franz Ferdinand e Sparks um dia se encontraram e descobriram que foram feitos um para o outro. Mesmo separados por décadas (o primeiro álbum do Sparks é de 1971), os dois grupos têm tudo a ver. Tanto que criaram essa generosa coleção de colaboração - que curiosamente inclui uma faixa que se chama “Collaborations don’t work”  (ou, em português, “Colaborações não funcionam”). Se puser na balança, acho que o álbum tem mais de Sparks do que de Franz - mas isso é um detalhe. O importante é o fã de uma descobrir o som da outra. E o mundo pop sair ganhando!

    Elza capa3) "A mulher do fim do mundo", Elza Soares - quando li, mais ou menos em outubro, que Elza Soares liberara canções inéditas para o ouvinte da internet, a princípio estranhei. Pareciam duas notícias que vinham de mundos diferentes - um onde Elza grava discos e outro onde as pessoas ouvem música pela internet. Mas então você lembra quem é a cantora, de tudo que ela já fez - e começa a achar não só normal que seu novo disco tenha aparecido primeiro para os internautas, mas ainda se pergunta por que Elza, uma mulher sempre à frente do seu tempo, demorou tanto para fazer isso. As boas notícias não vieram apenas no formato do disco, mas nos arranjos modernos e ousados - mesmo para uma artista como ela. A faixa-título é algo definitivamente além do seu tempo, quase irreconhecível no repertório da cantora - a não ser, claro, pelos grunhidos (sua marca registrada) que ela deixa para o final. "Maria da Vila Matilde" quase faz inveja a Nicki Minaj. E "Benedita" - uma parceira com o sempre bom Celso Sim - é definitivamente um samba extraterrestre. Fico pensando qual a próxima galáxia que Elza Soares vai visitar...

    HongthongDao4) Hongthong Dao-Udon, “Bump Lan Floen: Essential Hongthong Dao-Udon” - Um disco de um ídolo especial - espero que você acate essa minha, digamos, excentricidade. Hongthong Dao-Udon é uma espécie de Rita Lee da Tailândia, uma cantora que juntou tudo de pop que era feito por lá e criou um gênero próprio,  e conquistou o coração dos tailandeses (e de alguns brasileiros no meio do caminho, como este que vos escreve). Não, você não vai entender nada. Não, você vai achar muito estranho nas dez primeiras vezes que escutar. Mas uma hora vem o “click” - e você descobre a música mais fascinante que seus ouvidos não estão acostumados. É um relançamento, claro - uma compilação dos “hits” dos anos 70 e 80. Mas você vai ser surpreender com a modernidade. Ou então vai achar que eu enlouqueci de vez. O que também é uma possibilidade interessante.

     La onda de Elia y Elizabeth 5) “La onda de Elia y Elizabeth”, Elia y Elizabeth - duas irmãs colombianas descobertas por acaso num programa da TV peruana no início dos anos 70 que homenageava o avô delas - Miguel Fleta -, que foi um famoso cantor lírico. Desse começo inusitado, Elia e Elizabeth acabaram por criar um verdadeiro sopro de esperança na música latino-americana daquela década - que como tantos nesse universo pop, não foi muito adiante. Mas pelo menos ficou esse registro, que foi relançado no final do ano passado - e tornou-se uma espécie de trilha sonora para todo o meu último verão. Você não faz ideia!! Cada faixa é de uma inventividade e de uma harmonia absurdas (“Alegría” e “Libre” são dois exemplos de pop perfeitos, até atemporais - e não vamos nem falar de uma que chama “Mis 32 dientes”…). Tão bom que faz você lamentar que elas tenham abandonado tão cedo a carreira, com apenas um punhado de canções gravadas. Ou não! Elia virou freira e saiu cantando para a alegria de fiéis pelo mundo - até em Camarões… Aleluia!

    Ici le jour (a tout enseveli)”, Feu! Catterton6) “Ici le jour (a tout enseveli)”, Feu! Catterton - Se tem um gênero que realmente estava precisando de renovação, ele era a canção francesa. Não o pop em geral - que é bem diverso (pergunte ao Daft Punk). Mas a tradição de canção mesmo. E então chega Feu! Chatterton e muda a regra do jogo. O nome deles tem essa exclamação mesmo no meio - que pode parecer um detalhe pretensioso, mas é a justa medida da euforia que eles trouxeram este ano para a música francesa. Celebrados já por lá, eles agora partem para outros horizontes - e tenho certeza de que vão encontrar porto seguro nos seus ouvidos aventureiros. Aliás, não desanime com o que falei acima sobre a relação deles com as antigas “chasons”… Como eles falaram uma vez ao “Les Inrockuptibles”, suas influências estão mais para Radiohead e Pink Floyd do que para Charles Aznavour. Mas a mistura é o que interessa. E ela está lá, misteriosa, sensual, existencialista e - sobretudo num ano em que essa cultura se viu ameaçada pela ignorância dos fundamentalistas - mais francesa do que nunca.

    Vitrola Sintética7) "Sintético", Vitrola Sintética - faço aqui a "mea culpa": desconhecia o trabalho desta banda. E só esbarrei com ela ao ler uma notícia sobre Tulipa Ruiz (que este ano veio com o também ótimo "Dancê" - veja mais abaixo), que era companheira do Vitrola entre os indicados na categoria "Melhor artista revelação" do Grammy Latino deste ano. Eles ainda concorreram ao "obscuro" prêmio de "Melhor engenharia de gravação". Mas nada disso (juro!) me influenciou para eu gostar tanto de "Sintético" - e depois correr atrás das outras coisas que essa banda paulistana já gravou. A voz de Felipe Antunes vai na contramão de todos os trinados que nos acostumamos a ouvir nessa época de programa de calouros disfarçados em reality shows (mesmo os que chamam bandas de rock para a brincadeira...). E as letras das músicas, bem... que diferença poder ouvir alguém cantando sobre alguma coisa além do último fora que o cantor deu ou levou - ou as promessas de reconciliação depois desse fora. Modernos, mas ao mesmo tempo quase atemporais.

    John Grant8) “Grey tickets, black pressure”, John Grant - veterano aqui para os leitores deste espaço (já falei de John Grant algumas vezes ao longo desses anos...), ele está de volta. Que culpa tenho eu se ele segue fazendo um disco bom atrás do outro? Ao mesmo tempo que "Grey tickets" é o trabalho mais animado do ex-integrante dos Czars, é também o mais sombrio. O que não significa que este novo conjunto de canções de Grant não tenha humor. Se tudo parece um pouco contraditório, fico feliz: não posso imaginar uma maneira melhor de apresentar mais uma vez um trabalho desse artista, que tem uma das vozes masculinas mais poderosas do pop atual - fazendo até um belo efeito ao lado de Lolely Rodriguez, do já citado Empress of. Músicas como "Global warming" ou "Disappointing" (cujo clipe não é para os fracos do coração) mostram como ele tem uma capacidade única de (ainda) nos embalar nessas canções.

    From Kinshasa9) “From Kinshasa”, Mbongwana Star - como diria David Byrne, eu odeio "world music". Odeio principalmente porque ela não existe. Porque é um rótulo idiota que alguém inventou pra chamar todo tipo de música pop que não fosse americana ou inglesa. Dito isto, este é um ano particularmente feliz para a "world music". Se você entendeu minhas últimas palavras, nem preciso ir adiante nos elogios a Mbongwana Star - uma dupla (Cono Ngabali e Theo Nzonza) de Kinshasha. Isso mesmo: a capital da República Democrática do Congo. Nem precisa procurar no mapa - a localização geográfica pouco importa, já que a mistura de sons aqui é tão inventiva e inesperada que a busca de "origens" torna-se um exercício inútil. Como bônus, dá uma olhada no clipe de "Kala" e tenha a prova definitiva de que estilo não é uma questão de dinheiro... Eu diria que Mbongwana Star deveria ser uma referência para qualquer banda das nossas inúmeras comunidades no Brasil - mas você vai dizer que eu estou provocando...

    Vietcong10) "Viet Cong", Viet Cong - no princípio era o barulho. Se que já comecei um parágrafo hoje com essa fórmula, mas ouvindo novamente o álbum dos canadenses do Viet Cong (dois deles ex-Women) eu só consigo pensar nisso: no barulho. E nas infinitas possibilidades que ele (ainda) traz para o rock e para o pop. Sim, logo que escutei pela primeira vez pensei em The Jesus and Mary Chain. Mas este é, como sempre um manto muito pesado para qualquer banda usar. Mas digamos então que essa é uma referência forte - bem como qualquer banda que tentou ressuscitar o punk nos últimos 40 anos. Mas e se em vez de ressuscitar, alguém vem e reinventa o gênero? Eu acho que é isso que o Viet Cong está tentando fazer, com faixas que são puro... Barulho. "Pointless experience", "Silhouttes" - e mesmo a ironicamente inspiradora "Death" - são a esperança de que o punk morreu. E virou uma coisa muito melhor.

    Zhala11) "Zhala", Zhala - qualquer artista que grava uma música chamada "Aerobic lambada" sabe que já tem um lugar garantido em qualquer lista que eu fizer. Para a sorte de Zhala, sua inclusão aqui vai além dessa gracinha. Zhala é sueca, mas de origem curda - se você achou que Empress of, que abriu essa lista, tinha uma mistura exótica, ainda não viu nada... Para sua sorte, ela ainda caiu nas graças de ser descoberta por Robyn - outra escandinava poderosa, especialmente nas pistas de dança. E, com essa madrinha, estava selado o seu sucesso. O resultado é um dos álbuns dançantes mais inesperados do ano. E, como uma espécie de bônus, ela é boa nos clipes também - "Holly bubbles" consegue ser neo-hippie e "ostentação" ao mesmo tempo. E "I'm in love" é daqueles rodados em volta (literalmente) de uma ideia tão boa que dá até raiva... Mas acima de tudo, tem as batidas (serão curdas?) de Zhala - e são elas que podem fazer você dançar com prazer neste nosso verão!

    12) "Riot Boi", Le1f - lendo uma das inúmeras críticas positivas do primeiro álbum de Le1f - deparei-me com a melhor definição do seu trabalho: ninguém está fazendo algo sequer parecido com o que ele faz. De fato, apaixonar-se por suas canções é quase um ato de guerrilha - dá até medo. Mas quanto mais você ouve, mais fica encantado com as várias camadas de som que esse artista de hip-hop americano (de Nova York) oferece. Gay e ativista, suas letras trazem mensagens nem sempre explícitas - até porque, o que é mais importante no seu trabalho é justamente a música. De onde saem aqueles sons? Até o mês passado eu só tinha ouvido um EP de Le1f (pronuncia-se "Líf"). Mas agora, com "Riot boi", fica claro que ele não era só uma sensação de momento - nem um simples DJ da moda. Suas faixas são quase "cerebrais" de tão elaboradas. Algumas beiram o "espacial" - como "Umami/Water". Outras, o etéreo - "Taxi". E ainda há aquelas que são inexplicáveis - como a belíssima colaboração com o "Pharell Williams alternativo", Devonté "Dev" Hynes, "Change". Mesmo sem entender nada, avance. A recompensa está lá te esperando.

    Capa Tulipa Ruiz13) "Dancê", Tulipa Ruiz - quando vai ser finalmente o ano de Tulipa Ruiz? Não é de hoje que eu adoro o seu trabalho - talvez sempre com uma sensação, nos seus ábuns anteriores, de que faltava alguma coisa. A voz estava lá - aliás, ainda está. Mas às vezes era o repertório, às vezes um detalhe de produção... Só que agora não tem mais desculpa: com "Dancê", Ruiz finalmente entregou um disco completo. Ótimas músicas, produção afinada, ritmo, suíngue, bom humor - e a sabedoria de ir buscar nas fontes certa do pop brasileiro e mundial. Ah! E você ainda pode dançar tudo!  Juro que o fato de ela estar nesta lista junto com o Vitrola Sintética é mera coincidência - explico mais sobre isso quando falo acima desta outra banda. Mas que é bom saber que existem artistas como estes no Brasil que são reconhecidos não por cantar as mesmas coisas - em modinhas importadas (fingindo que são brasileiras) - é certamente um bafejo de esperança pro nosso sempre frágil pop nacional.

    Fantasma, Free Love14) "Free love", Fantasma - não tô falando que esse é um bom ano para o pop do mundo todo? Não resisti em colocar mais um artista... "do mundo". E o Fantasma vem da África do Sul. Spoek Mathmabo já é há algum tempo um dos nomes mais interessantes da música feita por lá - e agora ele juntou um bando de músicos interessantes (inclusive o fantástico DJ Spoko!). O resultado? Algumas das músicas mais estranhas que você (com um pouco de sorte, especialmente no Brasil) vai encontrar na pista de dança. Ah! E vai dançar com vontade. Duvido, por exemplo, você ficar parado ao ouvir "Shangila". Se bem que eles são ótimos também para criar um clima meio "trip hop" (lembra?) - ouça "Cat and mouse" para entender que clima é esses. Hip-hop, "maskandi", house, "shagaan", "guzu" - e mais alguns ritmos daquele canto da África que você (aposto) nunca ouviu falar -, todos se juntam para criar este disco alucinado.

    Unknown Mortal Orchestra15) "Multi-love", Unknown Mortal Orchestra - continuando nossa "volta ao mundo" (se bem que eu duvido que alguém chamaria uma banda com essa origem de "world music", mas eu divago...), chegamos à Nova Zelândia, onde este grupo com um nome improvável chamou minha atenção logo no começo do ano - e a de boa parte da crítica. Unknown Mortal Orchestra faz o mais puro pop, sem muitas novidades a não ser aquele "velho" truque de não fazer com que uma faixa se pareça com a outra. Uma hora você tem a impressão que vem um Belle and Sebastian; noutra, você tem certeza que está ouvindo Metronomy; daí vem algo que lembra Air; aí você sente um clima de Avalanches... E assim você vai atravessando "Multi-love" como se fosse uma compilação. Só que não. Este é um dos álbuns mais inventivos desta lista. Se já quiser começar dançando, abra com "Can't keep checking my phone". Ou se quiser algo mais inesperado, entre direto na faixa-título. Ou melhor: comece por onde quiser - a diversão será sempre garantida.

    Capa do álbum 'Vulnicura', de Björk16) "Vulnicultura", Björk - surpreso (surpresa) de ver um disco da Björk aqui nesta lista? Pois olhe novamente o título lá em cima - e responda com sinceridade: você ouviu o último disco dela? Ouviu "mesmo"? Tem mais de uma década que, garanto, Björk é mais falada do que ouvida. O que é uma coisa a se lamentar. Tudo bem, concordo que ela andou meio, digamos, experimental - apesar de eu ter o aplicativo de "Biophilia" na primeira página do meu smartphone, admito que é um disco difícil. Mas esnobar "Vulnicultura" é mais que uma injustiça - é um pecado. Björk é vítima, às vezes, da sua própria genialidade - quem mandou ser uma artista tão interessante não só na música mas também visualmente (e ainda com suas ideias!)? Mas explore o álbum, quem sabe até nessa versão só para cordas, que é a que eu indico aqui - lembrando que o original também é muito bom. E vá bem além de "Lionsong", que é provavelmente a única que você ouviu (se ouviu). Desnecessário acrescentar que a viagem será memorável...

    Mika17) "No place in heaven", Mika - talvez você já tivesse esperando Mika numa das entradas desta lista. Afinal, já perdi a conta de quantas vezes falei do seu talento aqui mesmo neste espaço. E já que ele lançou mais um álbum brilhante, seria apenas natural que ele estivesse aqui. Aliás, a surpresa talvez seja ele não estar como "melhor álbum do ano que você não ouviu", mas sim aqui no meio desses outros artistas. Mas por pouco ele não ocupou a "pole position" este ano também - você vai entender quando vir minha escolha final, lá embaixo. Mas voltando a Mika, minha pergunta sempre que ouço suas músicas é: como ele consegue? Como saem coisas tão lindas - música, vocal, refrão, piano, abertura, melodia, cadência, harmonia - tudo junto de sua imaginação? Como isso não para de brotar da sua cabeça? "Good guys", "Talk about you", "All she wants", "Rio" - é impossível não cantar junto qualquer uma dessas músicas já na segunda vez que você as ouve. E depois tem a faixa-título, em que Mika expressa sem meias palavras seu estranhamento quando - ainda adolescente - descobriu que sua orientação sexual não era compatível com o que dizia sua religião. Mas isso, claro, foi antes de chegar o Papa Francisco... Enfim, três vivas para a inspiração infinita de Mika - que sua fonte nunca seque.

    18) "Sremmlife", Rae Sreemurd - o que ainda é possível inventar no hip-hop? Aparentemente muita coisa! Pergunte para esses irmãos de Atlanta (Georgia, EUA). Num ano em que Missy Elliot mostrou que ainda reina suprema, ouvir uma faixa como "Throw sum mo" é mais que ousadia, é provocação. Mas os garotos seguram bem. Tem horas até que eles parecem que estão desafiando o próprio "deus supremo" Kanye West - como na faixa de abertura, "Lit like bic", ou "No type". Melhor ainda, na maioria das faixas o que transparece é que eles estão fazendo a coisa deles mesmos, sem ligar muito para os outros. Novamente, conforme os anos passam, eu procuro novos artistas de hip-hop cada vez com menos esperanças. Mas quando a gente encontra um álbum como "Sremmlife", dá vontade de "cavar" ainda mais fundo, num gênero que a gente já achou que tinha se esgotado. Que nada...

    19) "O.K.", Eskimeaux - ter um nome às vezes ajuda. Pelo menos a chamar a atenção num cenário musical onde as possibilidades são infinitas com a internet - e Spotify e Deezer e Apple Music... Encontrei Esquimeaux - na verdade, um projeto de uma artista chamada americana Gabrielle Smith - quase que por acaso, vendo uma dessas listas de "melhores discos da primeira metade do ano", que agora estão na moda (aparentemente as pessoas não aguentam mais esperar até o fim do ano para dar sua opinião eheh). E aí fui atrás e encontrei um álbum quase fora de moda: uma garota cantando faixas quase acústicas, quase "neo folk", quase intimistas. Mas mais que isso, encontrei talvez um tesouro escondido. A simplicidade de seus arranjos e a suavidade da sua voz nos trazem um conjunto de canções, insisto, em que algumas pessoas já tinha desistido de apostar. Mas Gabrielle, perdão, Eskimeaux, só ganhou pontos comigo desviando da rota. E vai ganhar pontos com você também. Minha faixa favorita chama-se "Thanks" - mas, sinceramente, sou eu que agradeço...

    20) "At least for now", Benjamin Clementine - em um ano em que Adele lança um novo álbum, não tem pra mais ninguém que queira simplesmente cantar com um vozeirão. Eu mesmo talvez não estivesse escutado Benjamin se não fosse pelo Mercury Prize que ele ganhou este ano - e mesmo assim, houve um tempo em que acompanhar este prêmio e seus indicados era praticamente uma religião, mas a gente sabe que não é mais assim. Mas enfim, baixei "At least for now" sem muitas esperanças e... Bem, é de tirar o fôlego. E não venha me dizer (como alguns disseram) que o Mercury deu um passo para trás ao escolher Benjamin como o vencedor deste ano. Pelo contrário: seus arranjos são surpreendentes, a estruturas de algumas músicas são bem pra lá de convencionais, e o que esse cara faz com a voz... É incrível que ele tenha demorado tanto para ter sido descoberto - e quando você descobre que ele viveu anos de tocar música nas ruas de Paris, toda sua história ganha outra dimensão. Muito lindo...



    E o melhor - melhor, melhor mesmo - álbum do ano que você não ouviu é... "White men are black men too", do Young Fathers. Por quê? Eu poderia listar umas 500 razões aqui, mas vou ficar apenas com essa: o Young Fathers fez o melhor disco do ano - que você não ouviu (confessa!) - porque você vai ouvir e vai ficar chocado; vai se perguntar "o que é isso?"; vai se indignar com a minha escolha; e vai querer sair cantando (e talvez até dançando) mesmo sem saber as suas letras, de repente, como se você estivesse tomado, contagiado pela energia, criatividade e brilho dessas faixas criadas por dois escoceses - um de origem nigeriana - e um cara da Libéria (com passagem por Gana, como qualquer perfil deles faz questão de citar). E então, pessoalzinho que gosta de usar a expressão "world music": o Young Fathers qualifica nessa categoria? Nem precisa responder. Ouça o disco deles - ouça tudo que eles fazem (tem um single solto que saiu no meio do ano, "Soon come soon"). E vamos para 2016 mais animados - por favor. O pop - nem o rock nem o hip-hop nem o R&B nem o samba nem nada - não está (estão) nem perto de morrer...

Autores

  • Zeca Camargo

    Mineiro de Uberaba, o apresentador do ‘Fantástico’ começou a carreira no jornal ‘Folha de S. Paulo’, participou da primeira turma da MTV no Brasil e foi editor da revista “Capricho”.

Sobre a página

Em seu blog, Zeca Camargo transita pelo universo da cultura e discute músicas, filmes e exposições.