• Quem ainda liga para canções?

    Pharrell se apresenta no show de encerramento do palco principal do Lollapalooza
    Vi o show de Pharrell Williams ontem pela TV. Bom. Bem bom. Gostei também da plateia, que quase fez a gente que acompanhava tudo de longe acreditar que estava realmente animado por lá. Deu até para ficar com um pouco de inveja.

    Mas aí eu me lembrei da primeira metade do show – a que não teve nem "Happy" nem "Get lucky". Aquela metade em que a mesma plateia parecia um pouco ansiosa com aquele punhado de músicas que que ninguém conhecia. Músicas essas, diga-se, que não eram ruins – pelo contrário!

    Pharrell, se não é um grande "showman" na linha de, digamos, Justin Timberlake (o palco do Lollapalooza às vezes parecia grande demais para ele), usa com louvor o título de um dos maiores compositores e produtores do pop atual. E o que ele mostrou na noite de ontem em São Paulo foi exatamente isso: seu talento para criar canções próximas à perfeição. Mas quem está interessado nisso?

    Claro que no seu cânone musical, algumas músicas ganham outra dimensão – como é o caso de "Happy" e "Get lucky". Mas o que me chamou atenção ontem na transmissão do show era o quão pouco as pessoas em geral estavam interessadas em ouvir o resto das suas composições. A atitude parecia ser: se não forem aqueles refrões (brilhantes) massacrados por execução pública, não vale a pena prestar atenção.

    Essa atitude – que é mais ou menos paralela à história do pop – parece viver seu tempo mais exagerado hoje em dia. E quem sofre com isso, ironicamente, não são os artistas – que, como sempre, seguem criando –, mas o público, que cada vez mais se vê diante de menos opções de boa música. Culpe os algoritmos, que seguem te sugerindo apenas coisas (músicas, filmes, programas) parecidas com as que você já gosta: a triste verdade é que caminhamos para uma homogeneização sem precedentes.

    Estou meio afastado deste espaço aqui no G1 – é verdade. Aliás, estou meio afastado de tudo que anda acontecendo no Brasil, por conta de uma série de compromissos (e alguns "descompromissos") de viagem. Num exercício de "purificação", há meses tenho feito o possível para ter apenas um contato mínimo com o que passa por cultura pop no Brasil – mais especificamente, o sacrifício público de artistas e celebridades, nessa terra onde ninguém consegue fazer um elogio...

    Porém, fora da nossa esfera miúda, tem um monte de coisas boas acontecendo. Tenho visto filmes incríveis ("Timbuktu"), séries geniais ("Unbreakable Kimmy Schmidt"), lido livros poderosos ("Americanah") e ouvido músicas sedutoras – neste quesito a lista é grande... Quero ter tempo para comentar tudo isso aqui – mas não está fácil! Com muito custo (o tom é irônico, juro), consegui parar para escrever aqui hoje sobre música – e olha que a ideia nem era falar sobre o show de Pharrell no Lollapalooza...

    Mas é que sua passagem pelo Brasil ofereceu a alavanca perfeita para eu fazer a seguinte pergunta: por que Mika não é consagrado como o novo Elton John? Bem, porque, como a reação às músicas "desconhecidas" de Pharrell deixaram bem claro, o mundo não precisa de alguém que componha boas canções – só de alguém que faça um refrão aprovado por algoritmos de refrões que já foram aprovados. (A frase parece confusa, mas é isso mesmo).

    Falo de Mika – um ídolo de longa data (como quem me acompanha aqui há tempos já sabe) – porque recebi de um amigo querido um link de sua nova música, "Talk about you". Fui pego de surpresa (esse meu amigo tem o dom de me surpreender), primeiro com a novidade e depois com a beleza da música.

    Mika
    Não é de hoje que Mika oferece melodias bem amarradas, com refrões que se encaixam perfeitamente na nossa memória: "Relax", "Grace Kelly", "Lollipop", "Happy ending", "Elle me dit", "Celebrate", "Popular song", "Kids", "We are golden", "Touches you", "The origin of love", "Love you when I'm drunk" – e mais qualquer outro título que você queira incluir nesta lista. A relação acima é impressionante – um currículo invejável de belas composições, que mal chegaram ao grande público. Mas ele não "estoura"...

    Sempre achei Mika um injustiçado – aquelas coisas do pop, onde a sorte o talento parecem não conversar, ou ainda, quando se encontram parece que é para conspirar contra o sucesso de alguém. Mas foi só quando eu ouvi "Talk about you" que me dei conta de que, pelo número de canções bem feitas que ele já nos apresentou, a única comparação possível na história do pop é com Elton John – que, aparentemente é seu fã. Mas quem precisa de um Elton John hoje? O dom de compor músicas? Que bobagem...

    Sim, eu sei que os tempos são outros – e eu, já quase pronto para completar 52 anos, corro o risco de ter esse meu argumento tão elaborado trollado por um por um comentário de um garoto ou uma garota que mal sabe soletrar Skrillex com uma simples frase na linha "esse Zeca Camargo morreu e esqueceu de deitar" (para usar uma expressão do tempo do pais, talvez avós, deste mesmo garoto ou mesma garota) – "enfeitado" com algumas palavras que não passam pelo controle de qualidade deste blog...

    (Ao mesmo tempo, imagino que este garoto ou esta garota em potencial não teve sequer a atenção ou a paciência, para chegar até aqui na leitura deste texto, então vou em frente assim mesmo – apesar de saber que eu divago...).

    Enfim, eu sei que os tempos são outros, mas deixo hoje aqui meu lamento sobre a falta de atenção de toda uma geração – e a indústria pop que a alimenta – para o que é realmente bom: a capacidade de um artista fazer uma música bem-feita. Mika é só um nome, mas atrás dele tem Devonté Hynes, Tove Lo, Fatima Al Qadiri – gente que está fazendo coisas realmente interessantes na música, mas que, nessa cacofonia de trinados ensaiados de hoje, mal consegue ter seu trabalho reconhecido pelo grande público. Que ao menos o "pequeno público" então aproveite esses talentos. Estamos aqui para isso!

    Neste lento retorno, prometi a mim mesmo que faria textos mais curtos – menos como uma concessão à atenção geral das pessoas que param para ler alguma coisa na internet do que no intuito de usar melhor o tempo de minha semana para fazer tudo que quero (e escrever aqui é um dos meus prazeres). Pelo que vi, já estou traindo minha própria proposta hoje – e, por isso, encerro a discussão de hoje desejando que Mika seja sim proclamado o próximo Elton John. Que todos os artistas que citei acima sejam headliners dos próximos festivais de música. E que o público de Pharrell aprenda a vibrar não apenas com as canções que elas já estão cansadas de ouvir, mas com o que, no meu tempo, se chamava "conjunto da obra".

    O refrão nosso de cada dia – "Shangai freeway", Fatima Al Qadiri – dos nomes que citei acima, este talvez seja o que tenha causado mais estranhamento. Fatima é, no entanto (e na minha modesta opinião), o futuro do pop. Aqui fica a minha sugestão de introdução.

    Fotos: Caio Kenji/G1; Flavio Moraes/G1

  • A morte de Spock, a ascensão de Chacrinha e o fim do tempos

    Leonard Nimoy como Dr. Spock em 'Jornada das Estrelas'
    Não há morte que chegue em hora boa – que dirá em hora certa. Mas a despedida de Leonard Nimoy deste mundo (quem garante que ele não sobrevive em outra galáxia?) teve, no mínimo, um timing interessante. Nimoy, como qualquer terráqueo com uma queda básica por viagens espaciais – ou séries surreais de TV – sabe, interpretou o inesquecível Dr. Spock de "Jornada nas estrelas", aquela viagem por onde nenhum homem jamais ousou ir antes (ou algo assim). Entre tantas qualidades que Spock tinha, ele era acima de tudo um "vulcano mestiço", que, apesar do seu sangue misturado, primava por agir como todas as pessoas do seu planeta: movido pela razão. Spock, como você pode imaginar, se sentiria um pouco deslocado num mundo como o de hoje, em que a razão parece ter definitivamente nos abandonado.

    Talvez você não tenha se dado conta que Nimoy/Spock tenha morrido – afinal, esse triste acontecimento teve a infelicidade de chegar num dia onde o mundo descobria algo muito mais importante: um vestido que muda de cor. O próprio Spock talvez encarasse essa loucura de informação que estamos vivendo com a naturalidade de sempre: "Humanos", desabafaria. Mas nem o ser mais racional é capaz de explicar o que está acontecendo...

    Como você talvez tenha acompanhado no meu Instagram (este sim assinado por mim: @zecacamargomundo), estive viajando por uns 4 meses longe do Brasil. Tentava me manter relativamente informado sobre o que acontecia no país, mas as notícias que garimpava ora me faziam sentir feliz de estar longe, ora me recordavam daquele velho bordão de Jô Soares e seu personagem que era um exilado político indeciso sobre se devia ou não abraçar a nossa então "abertura política": "Não querem que eu volte", dizia ao saber de cada barbaridade que lhe contavam sobre sua terra natal.

    Vou poupar você com exemplos – resumindo, apenas no mais recente, o absurdo que virou a nossa cultura e nosso caráter: sabe a história do médico que entregou a paciente que foi pedir ajuda a ele por conta de um aborto mal sucedido? Pois é... Mas hoje não escrevo sobre esse caso especificamente. Aliás, não escrevo sobre caso nenhum especificamente.

    Não quero me alongar. Estou voltando aos poucos para este espaço e estou tentando ser mais conciso (ahahahhahahahaah). Se citei essa aberração é apenas para reforçar que nosso vulcano mais querido – e eu sei diálogos daquele primeiro "Jornada nas estrelas" de cor até hoje – nos deixou no exato momento em que a lógica, a razão, o bom senso – enfim, nossa capacidade de exercitar o cérebro com um mínimo de sabedoria – parece nos abandonar de vez.

    Cena original de Abelardo Barbosa no programa da TV Globo 'Cassino do Chacrinha'Passei o fim de semana todo pensando nisso, até que ontem à noite fui convidado para ver a última apresentação no Rio de "Chacrinha, o musical". O espetáculo encerrava uma temporada de enorme sucesso, consagrando não só Stepan Nercessian como o Velho Guerreiro – um caso não só de excelente interpretação, mas de "reencarnação"! – como Leo Bahia, fazendo o "jovem Abelardo". (Vai para São Paulo agora e tomara que viaje por todo o Brasil!). Muita gente já tinha me recomendado o musical, mas só tive tempo de ver agora – e novamente acho que o timing foi perfeito: justamente quando eu ruminava sobre o cotidiano de maluco que estamos vivendo, eu vejo num palco uma lição de sanidade de um animador relativamente são que era chamado de louco...

    Sim, ele que apresentava "o programa que acaba quando termina"!

    O sucesso da montagem também diz muito sobre esses nossos dias. Afinal, Chacrinha era um oásis de insanidade com a qual nossa TV hoje só pode sonhar. Talvez as pessoas estão precisando um pouco mais disso. A explosão criativa – e de brasilidade – do Velho Guerreiro faz sombra não só aos comportados formatos de hoje (entre os quais alguns que eu mesmo participei e participo) como aos supostos transgressores e transgressoras que confundem liberdade com ignorância.

    Ao longo das quase três horas de musical, peguei-me não apenas cantando todas – todas! – as músicas que desfilavam pelo palco daquele Cassino, como sentindo uma enorme saudade de alguém que de fato provocava não só nosso decoro como nossa cultura. Se hoje os programas sobrevivem com um cardápio de artistas de pagode comportados, derramando seus versos que não cabem em frases musicais, cantando sobre tudo menos o que está acontecendo à nossa volta (e não vamos nem falar de outros gêneros musicais), "Chacrinha" nos lembra que houve um tempo onde um certo Odair José pedia para a mulher parar de tomar a pílula e um certo Ultraje a Rigor nos lembrava de nossa característica maior como brasileiros – de que "a gente somos inútil"! Para todo o Brasil...

    Alô! Atenção!

    Tinha Magal, Pedro de Lara também e outros personagens que, como salienta muito bem o texto (assinado por Pedro Bial e Rodrigo Nogueira), nós mentíamos que conhecíamos porque víamos "sem querer" quando passávamos em frente à TV que a empregada assistia. Baixos e altos – ou altos e baixos – de um programa realmente anárquico. Mas que tinha vida. Aliás, vida na loucura. Uma loucura que já não cabe mais hoje, onde a realidade supera qualquer ficção que a TV queira botar no ar.

    O fim dos tempos? Como otimista inveterado, prefiro sempre achar que estamos nos preparando para algo melhor. Mas para isso precisamos que esses dois ícones da cultura pop ressuscitem de alguma forma, reencarnem em algumas pessoas – e tragam de volta a razão e a loucura andando juntas e em harmonia. Longa vida Spock, longa vida Chacrinha!

    O refrão nosso de cada dia: "La charrette", Florent Marchet – no meu passeio pelo Instagram, passo agora por Paris, e portanto vem de lá a inspiração para a indicação de hoje. Um bom clima, aliás, para começar a semana...

    Fotos: Leonard Nimoy como Dr. Spock (Divulgação); cena original de Abelardo Barbosa no programa da Globo 'Cassino do Chacrinha' (Site Memória Globo / Divulgação)

  • Feliz ano da cabra, Birdman!

    Tentei acordar para ver o Oscar, mas fracassei. Também não consegui ver o filme premiado na festa desta madrugada, pois aqui de onde escrevo ele ainda não está em cartaz - só estreia na quarta-feira. Falando assim, parece que tenho motivos para reclamar de estar em Paris - onde encerro minhas férias. Mas este não é o caso, claro. Sobretudo porque opções de filmes bons para assistir não faltam por aqui (esses dias, por exemplo, vi um dos melhores de 2014 que foi completamente esnobado pelo Oscar: "O ano mais violento", de J.C. Chandor).

    E não tem como se sentir alienado culturalmente numa cidade em que você pode, num dia apenas, passear entre obras de Klimt (Pinacothèque) a Jeff Koons (Beaubourg) - fechando com a exposição mais interessante que já vi nos últimos anos, "Le bord du monde" (Palais de Tokyo), só com artistas que justamente não cabem na definição de artista.

    Não, este não é um daqueles posts tipo diário de viagem que você - caro leitor, cara leitora - estava talvez acostumado a encontrar neste espaço. Este é um breve registro para dizer que este blog está sim vivo - talvez não chutando, mas se preparando para tal. Você pode imaginar os assuntos que tenho acumulado nessas últimas semanas, quando estive ausente. Já quis escrever sobre tanta coisa - de "Ida" (que merecidamente levou o Oscar de melhor filme estrangeiro) a "Felizes para sempre?" (cheguei a esboçar um texto que não citava sequer uma vez a derrière de Paola Oliveira, acredita?); de Edward St. Aubyn (o que acontece quando um autor favorito escreve um livro "menor") a Björk (sou só eu que escuto "Vulnicura" em loop há duas semanas?). Mas tudo tem seu tempo.

    O tempo de falar dessas coisas talvez tenha passado - dificilmente eu as retomarei nos textos que virão daqui para frente. Mas outras coisas interessantes chegam com o porvir, tenho certeza. O ano novo chinês acaba de virar - e agora é o da cabra (às vezes interpretada como "carneiro"). Não sou dos mais supersticiosos, mas parece que, segundo a astrologia chinesa, 2015 promete ser uma ano de extrema criatividade - que, no entanto, tem que lutar contra uma extrema teimosia. Coisas de uma cabra que empaca... Estamos prontos para isso?

    Espero que sim. Vou ver "Birdman" assim que puder - e quem sabe podemos então discutir sobre este filme aqui. Do que vi da festa do Oscar - retalhos daqui da internet-, só posso dizer que o melhor momento foi mesmo Lady Gaga fazendo aquela homenagem a Julie Andrews no filme "A noviça rebelde" - ou, como o Google Tradutor diria, "The rebel novice"... "That's entertainment"! Será que vou me divertir tanto com as ruminações semi-honestas de Michael Keaton e Alejandro Iñárritu? A saber...

    Julie Andrews


    Que venham as cabras!

    O refrão nosso de cada dia: "The tide is high", The Paragons - Fica muito esquisito retomar este espaço com uma música de 1967? Bem, acho que você mesmo já vou coisas mais esquisitas por aqui, então vamos com essa versão original da música de Blondie - que todo mundo pensa que é original... Nas manhãs geladas que tenho encarado por aqui, enquanto corro pelas ruas ainda vazias de Paris, essa é a brisa tropical que me aquece. Uma obra-prima acidental. Aliás, como todas as obras-primas.

  • Os melhores discos de 2014 que você não ouviu

    Outro ano, outra aventura musical. Ou ainda, outras aventuras musicais. Sempre em janeiro, eu me esvazio de todas as listas de fim de ano (inclusive esta), e fico aberto para as possibilidades que o acaso pode me proporcionar. O resultado, desde 2007, é este que você vai ler agora: um punhado de sons colecionados ao longo do ano, não exatamente nos lugares mais óbvios, mas nas esquinas menos habitadas do pop.
    Claro que nem tudo é "obscuro". Alguns dos artistas que separei este ano para apresentar para você já são razoavelmente conhecidos. Mas estão longe de terem conquistado o sucesso de público que mereciam. Esta lista, como sempre, tem a modesta intenção de corrigir essa distorção do pop. Seguindo a tradição de anos, reafirmo que não pretendo agradar a ninguém com ela, se não a mim mesmo. Talvez nem tudo tenha sido lançado exatamente nos últimos 12 meses, mas tudo certamente caiu nos meus ouvidos em algum momento se janeiro até agora – e por isso merece estar aqui.

    Mais uma vez, convoco você a discordar de uma ou outra escolha – ou quem sabe da lista inteira! Mas se for assim, por favor venha com algo a acrescentar: apresente para mim (e para os nobres leitores) algo que a gente ainda não conheça – e também não mereceu a devida atenção em 2014. O bom das listas, ainda que ela tenha um número de itens (no caso, 15), é que elas são infinitamente flexíveis. Como a criatividade desses artistas que separei abaixo.

    Último lembrete: eles não estão em nenhuma sequência preferencial. Pode ler – e ouvir – na ordem que você quiser. Não importa por onde você vai começar: o fundamental, para apreciar tudo, é ter os ouvidos bem abertos... Vamos à lista de 2014 então (e no finalzinho dela, duas novidades para este ano)!

    Frankie Cosmos"Zentropy", Frankie Cosmos – quando foi a última vez que você ouviu um álbum só com músicas que duravam menos de três minutos? Ou ainda, que duravam menos de 2 minutos e meio – com algumas delas somando pouco mais de 60 segundos. Ah! Detalhe: todas elas estranhamente excelentes? Frankie Cosmos era um total desconhecido para mim, e agora seu conjunto de 10 canções (que totalizam pouco mais de 17 minutos!) são minha companhia permanente. É como se ele tivesse inventado um outro universo pop, onde Belle and Sebastian se misturam com The Books. Ouça pelo menos "Birthday", para se convencer de que é possível fazer diferente!

    Shiny Two Shiny"When the rain stops", Shiny Two Shiny – mesmo para alguém batizado no pop dos anos 80 como eu, essa foi uma grata surpresa. Oficialmente, esse duo formado por Gayna Florence Perry e Robin Surtees não lançou mais do que um EP naquela época. Mas aparentemente deixaram uma impressão forte o suficiente para alguém resgatá-los desse passado obscuro e, mais de trinta anos depois, relançar essa pérola! "When the rain stops" tem toda a simplicidade (Young Marble Giants), delicadeza (Everything But The Girl, bem no começo), e esquisitice (a lista é grande) daquela década. "Through the glass", por exemplo, resume tudo isso. E é daqueles mistérios do pop: como uma banda tão perfeita assim não fez mais sucesso?

    Johnny Hooker"Eu vou fazer uma macumba pra te amarrar, maldito" (& conjunto da obra), Johnny Hooker – "Alma sebosa", talvez a música em português que mais ouvi este ano (e olha que só parei para escutá-la direito depois do segundo semestre), foi só a ponta do icebergue. Mas que prazer foi bater de frente nessa geleira e afundar no pop de Johnny Hooker. Sim, a música foi trilha de uma novela (da qual ele participou como ator) – por conta disso talvez tenha sido mais reconhecida de certa maneira. Mas ele merece mais. Não só pelos trabalhos anteriores (não perca "Roquestar" nem "Ultra violente discotèque"!), como pelas músicas desse novo álbum – que letras são aquelas? E a música – bem brasileira, bem moderna e bem longe dos clichês – é irresistível.

    "Tche belew", Hailu Mergia & The Walias Band - Etiópia, 1977. Só de ler isso tenho certeza de que alguns já abandonaram a leitura. E se eu acrescentar então que se trata de uma banda de jazz? E instrumental? Ainda está aí? Fez bem em ter ficado, pois dificilmente você vai ouvir algo tão original como este relançamento precioso. Já sou fã desse som da Etiópia há tempos – o mestre Mulatu Astatke já foi citado neste mesmo espaço, com louvor –, mas para você que ainda não teve contato com ele, aqui está uma bela introdução. Sensual e hipnótica, é quase impossível acreditar que algo tão elaborado tenha saído dessa época, naquele lugar. Mas quem disse que é só no Ocidente que se experimenta? Estou sempre mostrando aqui artistas que quebram esse preconceito. E Walias Band é mais um exemplo disso. Ainda: num curioso diálogo entre décadas, alguns DJs modernos revisitaram certas faixas de Hailu no álbum "Hailu Mergia Remix" (também altamente recomendado) – e o resultado é puro prazer.

    "We come from some place", Allo Darlin' – num ano particularmente inspirado no que se refere a bandas simples com vocais cristalinos, Allo Darlin' é uma descoberta à parte – ainda que tardia, já que esse não é nem o primeiro álbum deles. Assim que você começa a ouvir os primeiros 30 segundos de "Heartbeat" – a primeira faixa de "We come from some place" – você já sabe que não vai mais querer largar a banda. Como eu demorei tanto tempo para encontrá-los? Eles são de Londres – uma referência óbvia. Estão lançando uma música boa atrás da outra desde 2010. Mesmo assim, escaparam do meu radar – mas agora não vou mais largar. "This is how it is to be young", canta Elizabeth Morris em "Kings and queens" – e essa energia está presente em cada verso. Muito lindo... Muito lindo...

    Singles Future Islands"Singles", Future Islands – hesitei bastante antes de incluir Future Islands na lista deste ano. Era mesmo para levar a sério uma banda de "synthpop" em pleno 2014? Ouvi uma vez, ouvi duas – e quando percebi já estava ouvindo a terceira. Mas mesmo assim, não tinha me convencido. Mas então um amigo me seduziu para ouvir "Seasons (waiting on you)" – e pronto! Não teve volta. Ainda brincando com esse amigo, disse que o Future Islands me lembrava uma mistura do Tears for Fears (circa "Change") com Spandau Ballet (circa “Gold”). Ele achou que eu estava diminuindo a banda – mas pelo contrário: era um baita elogio. Até porque "Singles" é bem mais original que essa mistura e, apesar de todo o clima retrô, é bem contemporâneo. Ainda bem que a gente ainda tem com quem conversar assim sobre o pop...

    Gipsy Rhumba"Gipsy rhumba: the original rythm of gipsy rhumba in Spain 1965-74", Vários artistas – eu colocaria nesta lista qualquer compilação que tivesse uma música com o título "A festa não é para feios" (no original, "La fiesta no es para feos", Peret y sus Gitanos). E outros títulos que não são menos sedutores: "Voy voy" (estupenda!), "El guapo", "El pan y los dientes" (¡!), "Anana hip" (¿qué?), "A-chi-li-pu" – e a improvável "Fui à Bahia"... Mas esse álbum, que ambiciosamente traz as origens da "rumba cigana" na Espanha dos anos 60, é muito mais que isso: uma explosão de ritmos, vozes potentes e um verdadeiro empurrão em todo seu corpo para ir dançar! Eu desafio você a ouvir "El loco" é ficar parado – sem falar que essa é a música com a estrutura mais bizarra que eu ouvi este ano. Para desfrutar por completo este álbum, faça ainda como diz a letra de "La fiesta no es para feos", que num verso surreal comanda: "Ponga su saquito para que pueda gozar"... Genial! Genial! Genial!

    Woman's HourWoman's Hour – há uma zona cinzenta entre a "dance music" e o "lounge" que, quando bem explorada, é um sucesso. O Pet Shop Boys praticamente inaugurou este filão, mas não é sempre que todo mundo acerta. Felizmente o Woman's Hour chegou para mostrar que ainda é possível criar alguma coisa interessante nessa área. Aliás, por falar em Pet Shop Boys, uma faixa como "Darkest hour" é exatamente o que eles estariam fazendo hoje se estivessem a fim: tem ritmo, tem atmosfera, tem batida. O mesmo vale para "Her ghost", que bem remixada (por FaltyDL) até enche uma pista. Sem falar que a banda ganha disparado o prêmio de melhor programação visual do ano: uma foto simples, branco e preto, e o nome da música em cima – só isso basta para criar um impacto enorme.

    Blue Film"Blue film", Lo-Fang – fico imaginando se um disco como tivesse que listar em seus créditos todos os sons que usasse em cada faixa, mais ou menos como um prato elaborado num livro se receitas. Se fosse assim, o encarte que acompanharia esse CD teria mais de mil páginas! Peguemos, a título de ilustração, a faixa-título, "Blue film". De harpa a um baixo profundo, tem de tudo ali – o suficiente para a gente se perguntar se não estamos ouvindo um disco secreto de Björk! Mas a voz sinuosa de Matthew Hemerlein afasta essa dúvida – e logo você está envolvido pela enorme bagagem musical. Nas entrevistas que li dele, várias viagens pelo mundo foram servindo de inspiração para a mistura que virou o Lo-Fang. Na qualidade de modesto viajante, este que vos escreve admite que gostaria de ter o dom de captar tantos sons assim – e transformá-los num disco belo como esse.

    Azealia Banks"Broke with expensive taste", Azealia Banks – lembra de quando você ouviu "1991" pela primeira vez? Meados de 2012, se não estou enganado. E você se lembra do que sentiu quando ouviu essa música? Que vinha coisa boa por aí? Que você mal poderia esperar pelo álbum de estreia de Azealia? Pois é, imagino que sua paciência foi testada – assim como a minha –, pois esse trabalho levou quase dois anos para ficar pronto. Mas agora que ele chegou, não consigo parar de ouvir – e você está desculpada Azealia! Digo mais: se era para ter vindo com algo tão bom assim, eu esperaria até mais um ano! Como o próprio título sugere, esse é um disco de excessos – que chega num cenário dominado por uma certa Nicki Minaj, que está longe de ser minimalista... Mesmo assim, as peripécias de Azaelia, sobretudo vocais, são as mais originais do ano.

    Vista pro mar, silva"Vista pro mar", Silva – não vou me repetir. Simplesmente o brasileiro que tá fazendo o melhor pop atualmente. Ah! E que também tem um Instagram sensacional (@listentosilva – tá vendo como eu estou ligado agora no Insta?). Enfim, tem que ouvir, por tantas razões que eu nem vou me alongar aqui. Silva. Devia tocar na rádio. Devia tocar no seu iPod. Devia ter no seu pendrive. Em todo o lugar. Como já coloquei no meu próprio Insta, a Amoeba Records de Los Angeles já descobriu – e valorizou. E você, está esperando o quê?

     

     

    Curtis Harding"Soul Power", Curtis Hardin - em que década afinal este disco foi gravado? Em algumas faixas, ele traz o melhor do soul americano que explodiu nos anos 60. Por outro lado, as experiências dos anos 70 – com uma pitadas de Sly & The Family Stone – também estão presentes. Daí, em faixas como "Keep on shining", Curtis Harding já entra no embalo como se estivesse no auge dos anos 80. Tem um quê de White Stripes em "Drive my car". Há espaço para uma inspiração neo-folk bem contemporânea ("Freedom") e até alguns flertes com um "soul de raiz", que deixaria Gnarls Barkley corado (como em "Surf" – talvez minha faixa favorita). E o que dizer de "I don't wanna go home", que eu não consigo entender porque não foi um sucesso em todas as rádios do mundo, com seus exuberantes dois minutos e dezessete segundos? "Soul power" é tudo isso, e sem a menor pretensão de ser "enciclopédico". O cara é bom – só isso.

    Teleman, Breakfast"Breakfast", Teleman – OK, então o tão esperado álbum do Metronomy não foi aquela brisa pop que todo mundo estava esperando... Permita-me sugerir então que se você tivesse ouvido "Breakfast" pelo menos uma vez esse vazio não seria tão grande. Teleman é de uma simplicidade absurda e de uma eficiência fulminante. Você pode até falar que eles são derivativos – do próprio Metronomy. Mas quem está ligando para isso quando as canções caem tão bem no seu ouvido, como se fosse verão o ano inteiro? Esse é o clima de "In your fur", para citar apenas uma. E o melhor é que o Teleman não nos deixa esquecer que tudo pode acabar sempre num grande coro cantado em voz alta no meio da rua, no exato momento em que você não se lembra mais que está de fone de ouvido: "Oh love is pouring down..."

    Double Youth"Double you", Helado Negro – um dos segredos daquele que é para mim um dos melhores discos deste século - forte, né? – é textura. Falo, claro, de "Allegranza", de um alucinado DJ espanhol – El Guincho – que misturou tanta coisa no seu caldeirão que nem mesmo ele conseguiu se superar nos trabalhos seguintes. "Double youth" não está à altura de "Allegranza", mas lembrei dele porque é um álbum que trabalha finamente com as texturas. Algumas músicas são tão densas, que parece que você as está assistindo num videoclipe – só que através de um vidro fosco. Mas aos poucos elas vão se revelando, numa coleção de climas sugestivos – que, por falar em referência, também traz a memória o ótimo Twin Shadow, com sua "dance music de areia movediça" (um termo que eu mesmo inventei para sons que inspiram a dança, mas em movimento densos e contidos – mas eu divago...).

    Shabazz"Lese majesty", Shabazz Palaces – reincidente, fazer o quê? Já coloquei um álbum anterior de Shabazz numa lista de fim de ano, mas como não repetir a indicação quando ele vem de novo com um punhado de faixas de um hip-hop totalmente imprevisíveis? Mesmo para quem vem de um trabalho totalmente experimental, depois de uma breve e inventiva incursão no pop (com o extinto Diggable Planets), Shabazz puxa os limites ainda mais longe. E no lugar de vir com uma impenetrável coleção de "beats", para onde artistas assim podem facilmente enveredar, ele abre as portas de uma viagem sonora única. "Dawn in Luxor", que abre o álbum, pode parecer um pouco estranha demais. Mas assim que você mergulha em "Forerunner foray", a faixa seguinte, não tem mais volta. Boa viagem.

    E o melhor disco do ano que você não ouviu é...

    Perfume Genius"Too bright", Perfume Genius – quantas vezes eu já ouvi este álbum? Umas 30? 35? Então por que até hoje eu ainda tenho vontade de destrinchá-lo como se fosse a primeira vez? Mike Hadreas, o gênio por trás do nome, já não era conhecido por canções muito convencionais, mas nesse seu novo trabalho ele quebrou todas as estruturas do pop. Em compensação, nos trouxe um conjunto de músicas que têm o aspecto de vísceras frescas numa mesa de jantar. E não estou falando isso para passar uma imagem repugnante, mas sim forte e brutal. "Queen" é certamente a música mais estranha, emocionante e forte que ouvi em 2014 (e não vamos nem começar a comentar o clipe!). Mas a que me dá calafrios toda vez que ouço é "Grid". Como ele consegue? E se você não chorar com "Too bright" (a faixa-título), é melhor consultar um cardiologista para ter certeza de que seu coração ainda está batendo. Parte Antony and The Johnsons, parte Elton John – e parte até Freddie Mercury –, Perfume Genius praticamente ordena que você pare para ouvi-lo. É melhor você obedecer. Para começar 2015 do zero.

    Bônus 1: a canção que, mesmo bastante tocada em 2014, jamais será ouvida o suficiente – "Habits (stay high)", Tove Lo. Meu palpite é que essa música está só ligeiramente aquele da perfeição pop.

    Bônus 2: a canção que me faz esperar pelo álbum de lançamento do seu autor em 2015 – "God's whisper", Raury. Não sei de onde esse cara surgiu nem de onde tirou essa música, mas quero mais.

    Fotos: Reprodução (capas de discos); Pedro Escobar/ Joinha Records (Johnny Hooker)

  • Aventuras na redessocialândia! (Ou, como diria o Rei: 'Quero ter 1 milhão de amigos')

    Instagram do Zeca CamargoAté meio envergonhado, tenho que admitir que eu não achei que fosse ser tão divertido. Nos últimos anos, mais de uma vez pensei em entrar em uma rede social e hesitei. Os relatos que vinham de pessoas próximas não eram animadores.

    Havia, claro, a facção dos que pregavam que a vida não fazia mais sentido sem a rede social. Outra fatia dos meus relacionamentos (físicos, não virtuais) mostrava-se dividida. Uns gostavam da interação, mas não da demanda constante de estar conectado (um efeito colateral da rede social que causa grave dependência e potencializa a tristeza de quem já tem uma queda para se sentir carente). E uma parte pequena dos amigos, mesmo usando-as pesadamente, não poupavam críticas, quase sempre se colocando numa posição contraditória: ao mesmo tempo que afirmavam que não queriam encontrar amizades (e/ou amores) que ficaram perdidos no pátio da escola, comemoravam um ou outro encontro furtivo que as redes sociais permitem.

    De longe, eu não via vantagens imediatas – e previa uma trabalho a mais para mim, numa rotina que eu classificaria de já saturada... Não queria tocar isso de qualquer maneira. Como você que me acompanha aqui há algum tempo sabe, se for para fazer alguma coisa, eu prefiro que seja bem feita – sempre com algo a acrescentar. Como neste espaço. O conceito de um blog soa hoje ligeiramente antiquado: expressar-se de alguma maneira com um punhado de palavras num universo de imagens e emojis? Que coisa mais século 20! De qualquer maneira, sigo há mais de oito anos no meu propósito de tornar este site um espaço de encontro de ideias que sejam no mínimo interessantes – e, eventualmente, possam sobreviver polêmicas inócuas que se perpetuam em comentários de pessoas que, longe de estarem interessadas em uma discussão sobre qualquer assunto, querem apenas expressas suas opiniões sobre as opiniões dos outros (o pequeno frissson que meu comentário sobre o recente "affair Adnet"causou é só o exemplo mais recente – e talvez um dos mais hilários – do que estou falando.

    Nessa mesma linha de pensamento, sempre achei que, se fosse para entrar em uma rede social, especialmente na qualidade de uma pessoa pública, eu deveria me dedicar muito para que ela não fosse um exercício de vaidade. Muitos amigos, tentado me convencer da necessidade "voyeurística" de um Facebook, insistiam para que eu criasse uma página "anônima" (ou melhor, com um pseudônimo que só as pessoas mais próximas saberiam) para que eu pudesse me inteirar sobre o que as pessoas estavam falando sem necessariamente me expor – uma opção que eu julgava ser não apenas covarde como insatisfatória.

    Não posso negar o fato de que sou uma pessoa pública – e que essa posição, conquistada com um trabalho de anos na maior TV do país, exigia de mim uma atenção e um cuidado em relação à exposição que me foi concedida. Um trabalho que te proporciona uma vitrine tão poderosa, ao contrário do que um punhado de celebridades exibicionistas talvez nos faça crer, traz sim uma responsabilidade. Uma vez na televisão, para milhões de pessoas que só te conhecem por esse canal, o que você expõe numa rede social, as coisas que você gosta, divulga, critica, aprova ou desaprova, trazem sim o peso de uma opinião – ou ainda o da formação de opinião. E eu queria estar à altura desse desafio – algo que, pelo que eu sempre conferia quando alguém gentilmente abria-me uma porta para este universo (me mostrando, através de sua página numa rede social, o último "assunto da moda"), poucas figuras públicas que admiro conseguiam conquistar.

    (Ivete Sangalo, de quem sou admirador eterno, é talvez o melhor exemplo de uma pessoa pública que consegue transmitir intimidade, espontaneidade, autopromoção, conscientização e respeito por seus seguidores ao mesmo tempo, numa fórmula que deveria ser institucionalizada como uma cartilha para o uso de rede social por uma celebridade – mas eu divago...)

    Todos esses argumentos que coloquei até agora se referem largamente ao Facebook – adoravelmente rebatizado no nosso cotidiano como "Fêissi". Embora o Instagram traga para mim, no seu DNA, alguns dos mesmos obstáculos que mencionei acima, sempre achei que essa rede social poderia ser uma "porta de entrada" mais acessível e divertida para esse convívio virtual. Mesmo assim, como meu leitor e minha leitora sabem bem, resisti teimosamente ao Instagram por muito tempo – o que me deixou inclusive vulnerável à perversão (ou seria solidão?) de alguma pessoas que criaram perfis "fakes", enganando milhares de pessoas.

    (Numa discussão recente, descobri que esses fakes podem "comprar" seguidores para "engordar" seu portfólio – um escambo dos mais surreais entre todos os que circulam pela internet, mas que é facilmente desmascarado quando se vê a proporção entre "seguidores" e "comentários": se ela for baixa, digamos, mais de 50k com uma quantidade mínima de comentários, fica na cara de que muitos desse "seguidores" são, hum, "laranjas"... mas eu divago novamente).

    O motivo pelo qual eu demorei tanto para ter um Instagram era simples: eu achava que não tinha muito o que dizer num espaço como esse. Aqui mesmo blog, uma vez brinquei com a hipótese de ter um – e conclui que, já que eu não estava interessado em postar selfies meus (diante do espelho ou não) nem uma coletânea de fotos insossas sobre o que eu tinha comido naquele dia – o que eu achava que era "vida e obra" de um perfil de Instagram –, o melhor seria eu seguir quieto. Mas aí surgiu esta minha quarta volta ao mundo – e então eu achei que a brincadeira poderia ficar interessante.

    Eu ainda tinha ressalvas. Sendo a internet o ambiente hostil que é, onde o anonimato dá vazão ao pior do caráter das pessoas – uma vez que, não identificadas, elas se sentem à vontade para abandonar qualquer regra de um discurso saudável e apelar para a crítica ultra superficial e inconsequente, focada apenas no narcisismo de quem a escreve – eu achava que não iria encontrar no Instagram nenhum espaço para o diálogo saudável – algo que conseguimos a duras penas aqui neste blog. Estariam as pessoas realmente interessadas em dividir experiências que fosse além da preocupação de perguntar num selfie: "será que eu estou bonito/bonita hoje"? Ao gostarem de uma imagem que eu publicasse, será que meus seguidores estariam realmente indo além da mera satisfação visual e interagindo com minhas especulações? Seria possível uma espécie de intercâmbio – ainda que tênue – entre este que vos fala e as milhares de pessoas dispostas a o acompanhar?

    Iniciei-me nessa aventura com cautela. Inaugurei meu Instagram "de verdade" – o único que eu mesmo posto as fotos, @zecacamargomundo – logo no primeiro dia da viagem, há quase um mês. Postei um vídeo de boas-vindas, explicando (nos míseros 15 segundo que nos são permitidos) que finalmente eu tinha encarado o Insta (já me sentindo "em casa", adotei a abreviação) e que o convite estava aberto para quem quisesse me seguir. E não acreditei quando vi a resposta chegar.

    Mil. Dois mim. Cinco mil. 12k. 18k – e na última contagem, 22k! Os números me impressionaram, mas mais do que eles, as respostas de quem aparecia era estupenda. No lugar de simples "adorei" ou aquela coleção de palmas de emoji, senti logo de cara que o caminho estava aberto para uma verdadeira troca de experiências. Limitada, claro – mesmo para fotos que recebem uma quantidade modesta de comentário (digamos, uns 20), responder a todo mundo, principalmente por uma questão de tempo, é virtualmente impossível. Mesmo assim, tive certeza de que estava num espaço fértil para as trocas – e comecei a me dedicar mais e mais ao que publicava. E sigo caprichando nessa tarefa com prazer.

    No entanto, meu entusiasmo inicial – que só cresce a cada postagem – não me fez ficar cego a algumas curiosidades dessa troca virtual. Selfies, por exemplo! Nada contra – eu mesmo sou adepto inveterado – com vários deles publicados aqui mesmo neste espaço. Mas, ao escolher pessoas que começaram a me seguir e que eu queria corresponder seguindo também, fiquei espantado com a quantidade de perfis que são apenas variações do popular tema "eu no espelho" – meninas sensualizando com o cabelo, meninos descobrindo que podem tirar a camisa sem serem chamados de exibicionistas. Salvo um ou outro que mistura essas vaidades com algum outro assunto que me interessa – por exemplo, viagens – não me animo a seguir ninguém nessa linha.

    Há ainda os milhares da seita que eu chamaria informalmente de "devotos do prato", que acreditam firmemente que a coisa mais interessante que pode acontecer no dia deles está numa mesa de refeição. Não me entenda mal – eu acho comida um assunto fascinante (eu mesmo, a essa altura, já postei fotos assim no meu Insta). Mas se não houver um contexto para apresentar uma iguaria – ou mesmo um simples arroz com feijão –, realmente, o que você quer dizer com aquele prato de macarrão fora de foco?
    Mais bizarro do que tudo isso, porém, foi o "comércio" com o qual me deparei logo nos primeiros comentários. Coisas do tipo: "QIEM (sic) CURTIR OU COMENTAR NAS MINHAS 2 FOTOS MAIS RECENTES DOU 30 LIKES". Ou ainda: "{10 likes} pra quem comentar minha última foto". E: "ME SIGAM SDV NA HORA TROCO LIKES RETRIBUO NA HORA". Além do meu favorito (pelo tom de "credibilidade": "Oiie troco likes e sigo de volta (pode confiar)".

    O que esses pedidos – que têm mais o tom de súplica desesperada – querem dizer? Por favor, faça de mim uma pessoa popular que eu faço de você uma também? E isso é tudo? Fiquei imaginando uma rodinha onde uns amigos ficam debruçados sobre seus celulares só gritando uns pros outros: "Já tenho cem likes!"; "Bati 500!"; "Consegui trocar 5 por 20!!". Que diversão...

    Eu sei o que você já está pensando... Lá vem o "velho" – no caso, eu, do alto dos seus 51 anos – falar mal de alguma coisa que ele não entende. Está certo de que sou "novo no pedaço" – com praticamente um mês de Instagram, tenho que admitir que estou ainda na pré-infância dessa rede social. Mas não preciso de muita, hum, vivência numa delas para ver que essa troca de likes – ou ainda, a negociação deles – é totalmente vazia. Não estou criticando quem a promove – como tudo na internet, cada um faz o que quiser. Mas não é possível que nós, como sociedade, estamos evoluindo para uma estágio tão interessante de conectividade para simplesmente contabilizarmos quantas pessoas "likam" a gente...

    É só isso mesmo? Brincando com a antiga música de Roberto Carlos, nada mais nobre do que querer ter um milhão de amigos. Mas assim, sem ter a menor ideia de quem são – a não ser a sua habilidade de dar likes?

    Nem tudo, reparo com alívio, está perdido. Entre tantas pessoas que resolvi seguir, há uma riqueza de experiências e de mensagens que me deixa completam encantado. Seja na simplicidade de uma dona de casa brasileira no Japão que ilustra seu cotidiano com voracidade ou na sofisticação de um fotógrafo turco que mostra paisagens de seu pais com uma originalidade colorida (dois perfis que encontrei por inusitadas associações), estou fascinado pelas possibilidades que ainda vão se abrir. É nessas que acredito – é nesse patamar que eu espero contribuir com o @zecacamargomundo. E receber tudo de volta, porque se internet me ensinou uma coisa boa nesses anos todos de "tentativas e erros" é que...

    Juntos podemos criar!

    O refrão nosso de cada dia: "Mainline", Teleman – considere isso um aperitivo para a lista do "15 melhores discos de 2014 que você não ouviu", a ser publicada aqui nos próximos dias. Essa é não só a música da semana – já que o acaso fez com que eu a ouvisse repetidas vez ultimamente – mas deve-se tornar também uma das músicas do ano. E quem sabe, da minha vida. A seleção de 2014 está boa... Não perca!

  • O que eu cruzo quando eu cruzo a linha do tempo

    Viagem - Zeca CamargoNoves fora, o calendário está me devendo dois dias da minha vida. Não faço ideia se ainda ensinam "noves fora" na escola – eu mesmo nem me lembro como a gente chegava a uma conclusão dessas. Acho que tinha que ir somando todos os algarismos de um número e... Bom, talvez mais simples que isso – se eu conseguir explicar direito – é a própria conta desses dias que estão me faltando. Deixe–me tentar esclarecer...

    Esta é minha quarta volta ao mundo – ou seja, eu já cruzei a linha internacional do tempo quatro vezes: três no sentido oeste e um no leste. Quando a gente cruza essa linha – que é imaginaria (e arbitrária) e fica bem ali, no meio do oceano Pacífico –, significa que estamos mudando de dia, independente do que está marcando no seu relógio. Se você está saindo dos Estados Unidos e chegando na Coreia do Sul (como acabei de fazer), indo para o Oeste hoje, você chega amanhã – mesmo tendo viajado menos de 24 horas (ou menos de 12 horas até). E se você está viajando no sentido leste – por exemplo, saindo da Mongólia para o Canadá, como eu também já fiz, você chega no mesmo dia, mesmo tendo viajado o tempo suficiente para seu calendário já ter avançado. Simples, não?

    Reconheço que a ideia é meio estranha – um desafio para o bom senso. Umberto Ecco – um dos escritores contemporâneos mais respeitados – levou um livro inteiro para descrever esse fenômeno (o fascinante "A ilha do dia anterior"), mas mesmo quem o lê do começo ao fim não deixa de coçar a cabeça e se perguntar na última página: como é mesmo? Mas, para efeito de cálculo aqui, vamos ficar com essa regra básica: cruzou o Pacífico para a esquerda, perdeu um dia – cruzou para a direita, viveu o mesmo dia duas vezes.

    Assim, como fiz o primeiro itinerário três vezes – a última vez, esta semana –, deixei de contar três dias no meu calendário (o mais recente deles: 23 de novembro de 2014). Em compensação, em 2008, quando viajava pelo mundo atrás de Patrimônios da Humanidade da Unesco, tive a grata surpresa de viver dois Dias da Criança (12 de outubro): um em Ulaan Bataar (Mongólia) e o outro em Vancouver (Canadá) – já imaginou que legal seria se eu fosse ciranda, poder ganhar dois presentes? (Preciso acrescentar que não ganhei nenhum?).

    Para "recuperar" os outros dois dias que "perdi" eu deveria ter de cruzar o Pacífico no sentido leste mais duas vezes – o que não deve acontecer tão cedo. (Para explicar um pouco melhor – ou confundir ainda mais –, eu já cruzei a linha do tempo uma quinta vez, a caminho da Austrália e do Timor Leste, mas voltei pelo mesmo caminho, o que anulou o "efeito linha do tempo"). Onde foram parar então essas 48 horas "sequestradas"? Parece bobagem – afinal, a não ser que esses dias que eu perdi tivessem sido os do meu aniversário, que marcariam a passagem de um ano (imagine uma pessoa que nasceu num ano bissexto, bem no dia 29 de fevereiro, e que só conta "oficialmente" seu aniversário a cada quarto anos – uma situação paralela), um dia a mais ou um dia a menos na nossa vida não significa grande coisa. Ou significa?

    Tudo tem a ver com o quanto você gosta de viver essa vida... E eu gosto muito da minha.

    Desde que "perdi" meu último dia – o tal 23 de novembro de 2014 – tenho pensando bastante nisso, ao longo desta viagem que eu posso classificar como "intensa". É um privilégio enorme – e um sonho de milhares de pessoas – poder dar uma volta ao mundo. Imagine então a alegria que me inunda de lembrar que eu estou fazendo isso pela quarta vez! Este texto de hoje serve, em parte, para agradecer o que está acontecendo comigo agora.

    Já fui bem direto na questão numa foto recente que postei no meu Instagram. (Aliás, aproveitando a brecha, devo informar você, caro leitor, cara leitora, de que finalmente resolvi abrir um Instagram oficial, para registrar está viagem e também pedir desculpa às milhares de pessoas que têm me seguido em "fakes" no Instagram. Não tenho controle sobre a perversão dessas pobres almas solitárias da internet que se passam por pessoas públicas para dar algum colorido à vida delas, aproveitando da ingenuidade das pessoas que, mais e mais, se confundem com o que é ou não "verdadeiro" neste nosso mundo virtual. Sei também que o tempo que levei para abrir um Instagram "meu mesmo" colaborou para que toda essa gente fosse enganada. Mas agora talvez as coisas fiquem mais claras com esse @zecacamargomundo – vou ter o maior prazer de receber você por lá! Em tempo: sigo sem Facebook e sem Twitter – ou seja, se você estiver me seguindo por lá, bem como por qualquer outra conta de Instagram que não seja @zecacamargomundo alguém está te enganado).

    Enfim, quando coloquei os pés na Tailândia de novo, estava – totalmente por coincidência – usando uma camiseta que tinha a palavra "thankful" (agradecido, em inglês) estampada. Não pode deixar de registar minha alegria – e minha sintonia com a situação – e fotografei esse momento. Colocá–lo no Instagram foi uma ideia posterior – como sou "novato", ainda não tenho o "reflexo imediato" de colocar algo imediatamente na rede social. Mas veio bem a calhar para expressar a felicidade que está me atravessando agora.

    Estou feliz de estar viajando de novo – quem não estaria? Mais ainda, estou feliz por esta viagem ter permitido que eu conhecesse meu centésimo país – a Coreia do Sul (#100paises – olha como estou ficando "esperto"!). Além, claro, estou em êxtase de poder visitar mais uma vez lugares que amo – como a própria Tailândia, de onde escrever hoje para você. Não apenas tenho o privilégio de passar por tudo isso, mas também, pela natureza do meu trabalho de jornalista, tenho a satisfação de poder mostrar tudo isso para muitas outras pessoas – multiplicando e ampliando as descobertas que faço em cada parada.

    E faço isso de várias maneiras. Nas reportagens para o "Vídeo Show" – que começaram a ser exibidas esta semana. Na coluna sobre viagens que tenho no jornal "Folha de S.Paulo". No meu "novinho" Instagram. E neste humilde blog, onde você que me acompanha há um bom tempo já se acostumou a ver os registros das minhas viagens. Sempre da maneira mais generosa possível.

    Quando escrevo sobre viagens, nunca é para simplesmente mostrar um lugar que eu fui – e você, que me lê ou me assiste, não. Até porque trabalho com isso, sou muito crítico com relação a um tipo de reportagem de turismo que "exclui" o leitor ou o telespectador – no que eu chamo de "jornalismo de cartão postal". Ir a um lugar diferente apenas para exibi–lo como uma coisa "exótica" – e meu leitores mais antigos sabem bem o quanto eu detesto este adjetivo – não faz o menor sentido. Uma boa reportagem sobre uma viagem tem a obrigação de ir além, de mostrar não apenas o que o olho é capaz de ver, mas o que sua cabeça pode assimilar e seu coração, sentir. E é assim que eu pretendo seguir viajando.

    Se tudo der certo, vou passar por outros lugares incríveis – Mumbai (Índia), Istambul (Turquia), Tel Aviv (Israel), Copenhagen (Dinamarca). E vou sempre com esse espírito, mesmo por cidades que já conheço, entregando–me aberto, como se tudo fosse desconhecido de novo. Aqui em Banhcoc mesmo, onde já estive algumas vezes, só a sensação de sair pela Sathorn Road, respirar aquele bafo quente do inverno tailandês, virar numa rua de contornos improváveis, sentir aromas que seu nariz nem sabia que conhecia, ver o balé da ponta dos dedos de quem passa por você na calçada, sentir que você é dono da rua numa cidade do outro lado do mundo – tudo isso é o puro prazer de viajar.

    Ter chegado à marca dos cem países visitados é sem dúvida uma conquista. Mas aí tem o país de número 101, o de número 102, 103... Certos desejos, certos impulso, não se aquietam só com um número redondo. Não me canso de dizer que este é um mundo maravilhoso – e não apenas pela sua natureza exuberante e diversa, ou pelas coisas incríveis que o ser humano construiu para interagir com ela (ou às vezes fugir dela). O mais legal desse mundo é justamente as pessoas que estão circulando por ele – que fazem ele ir em frente, que escrevem a história, nossa história, que deixam a marca da nossa presença aqui na Terra.

    E é isso que eu cruzo, quando eu cruzo a linha do tempo: essa possibilidade infinita de me encantar de novo. Deixar o mundo me cruzar. E, com um pouco de sorte, levar você comigo nessa jornada.

    O refrão nosso de cada dia: "La fiesta no es para feos", Peret – para dar o crédito certo, descobri essa preciosidade numa compilação de "rumba cigana" que achei por acaso – um dos álbuns que certamente você vai encontrar na já tradicional lista de "álbuns do ano que você não ouviu", a ser publicada em breve aqui neste espaço. Mas para ouvir a música, fui buscar um outro link. O caminho, na verdade, não importa, mas sim o fim: um porteiro (ou seria um segurança) comunica a quem estiver na porta para entrar na esperança de uma noite divertida que "a festa não é para feios". Não é exatamente isso que você está pensando: o recado não é para quem não foi agraciado com beleza física, mas para quem "não se faz bonito", não se veste bem, com uma roupa adequada para brilhar. Como se a letra já não fosse motivo suficiente para você ouvir a faixa umas 200 vezes seguidas, o ritmo – sim, uma "rumba cigana" dos anos 60! – é sensacional. Quero ver você não dançar – feio ou bonito...

    *Foto: Arquivo pessoal/ Zeca Camargo

Autores

  • Zeca Camargo

    Mineiro de Uberaba, o apresentador do ‘Fantástico’ começou a carreira no jornal ‘Folha de S. Paulo’, participou da primeira turma da MTV no Brasil e foi editor da revista “Capricho”.

Sobre a página

Em seu blog, Zeca Camargo transita pelo universo da cultura e discute músicas, filmes e exposições.