• Elke Maramegavilha

    Em tempos de beicinho em selfie, que falta fará uma rainha que ria com a boca bem aberta - escancarada. E antes que se diga que Elke Maravilha - que o pop brasileiro perdeu nesta madrugada - era de outro tempo, que fique bem claro que ela era sim, mas não do passado e sim de algum lugar do futuro. De um lugar onde a caretice não é essa ousadia camuflada que a gente vê hoje, quando mera baixaria se confunde com humor e a ironia se confunde com o escracho.
     
    Quem só conheceu Elke nos últimos anos talvez a visse como uma "exótica" relíquia dos primórdios da TV. Entendo. Em tempos de memória comprimida como a nossa, tudo que tem mais de uma década - ou menos, metade desse período - parece que está num passado longínquo. Mas acredite: houve um tempo em que o sacode que Elke deu na televisão era o que havia de mais moderno...
     
    Claro que não é possível falar da trajetória de Elke na TV sem falar de Chacrinha - ou "Painho", com ela carinhosamente o chamava. O "velho guerreiro" já era conhecido como figura anárquica - desde os tempos de seus programas de rádio. E quando ele migrou para a televisão, um de seus maiores méritos foi trazer uma pluralidade - sobretudo visual - que mexia com os alicerces do que então se chamada de "boa TV". A fauna de personagens que Chacrinha desfilhou no seu "Cassino" (e também na sua "Buzina" e na sua "Discoteca") era notoriamente bizarra. Mas só com Elke ela ganhou o selo de "transgressora".
     
    A parceria tornou-se tão forte que era quase impossível não associar um ao outro - e é por isso que, no início de 2014, quando ela foi uma querida convidada do "Video Show " que eu apresentada, foi com muito orgulho que me vesti de Chacrinha para recebê-la! Mas Chacrinha nos deixou há quase 30 anos - e Elke então ficou com a missão de levar essa loucura adiante. Num mundo onde, repito, a noção de loucura está cada vez mais careta...
     
    Lembro-me até hoje de quando encontrei Elke pela primeira vez pessoalmente. Era meados dos anos 90, eu já trabalhava no "Fantástico" e estava pegando aquela Ponte Aérea básica para o plantão de fim-de-semana, quando tenho a grata surpresa de ver que ela estava sentada ao meu lado no avião. Na primeira fileira, claro, porque viajar montada como ela fazia, só permitia que ela se acomodasse naquele espaço da aeronave.
     
    Eu então já trabalhava em TV, mas nunca tinha tido um contato direto com ela. Mesmo assim, ela me recebeu como se fôssemos amigos de longa data - com tamanha intimidade que eu tive de disfarçar o quão sem jeito eu estava de encontrar um ídolo como ela. Lembro-me de ficar completamente hipnotizado pelo seu sorriso - e pela sua voz, que ai do tom de um sussurro ao guincho num tempo menos que separa a medalha de ouro da de prata numa prova olímpica de 100 metros rasos... E a viagem relativamente curta - por volta dos 45 minutos - foi uma das mais prazerosas que já fiz.
     
    Houve vários encontros assim. Era sempre fácil "localizá-la" num lugar público - especialmente num aeroporto, onde as pessoas geralmente são tão cinzas. Elke era sempre um farol de cores - e cabelos e bijuterias e adereços e maquiagem! Em viagens mais recentes, mais de uma vez ela se apoiou no meu braço para caminhar num passo lento que, quase claudicante, ignorava o altíssimo salto de sua bota e desafiava a gravidade como quem esquece casualmente que tinha quase 60 anos.
     
    Foi essa Elke sexagenária que me visitou no "Video Show" - mas, que fique registrado, com uma energia adolescente. De perto, ela era a mesma personalidade que o público conhecia. E não podia ser diferente: Elke já era "Elke" há tanto tempo, que tentar separá-las era um exercício fútil. No palco do programa, durante uma ora enlouquecida de gravação, Elke cantou até um pagode em russo - e deu provas de que falava todas as oito línguas que anunciava. Mas sobretudo dava pra sentir que ela estava feliz de estar diante das câmeras - afinal de contas, ela nasceu para isso. E mais: outra lembrança boa do programa era a atenção que deu a cada uma das pessoas da plateia que a procurou. Suas "crianças", como ela fazia questão de chamar todo mundo...
     
    Ela mesma, a maior criança de todas. Por que eu tenho a impressão que se alguma coisa a guiou até este final, foi esse espírito infantil - não no sentido literal, mas no lúdico. Hoje quem faz humor - e pensa que está transgredindo muita coisa - faz a caricatura não de si, mas dos outros. Elke brincava com todo mundo, mas a maior graça era sempre ela. Era impossível fazer a caricatura de uma pessoa quando ela mesma já se adianta e a faz melhor que todo mundo. Como escreveu bem o colunista Tony Goes, ela era a "drag queen de si mesma".
     
    Só me lembro de ter visto Elke Maravilha sem toda aquela máscara uma vez - e curiosamente num dos melhores papéis que ela fez como atriz: uma stripper em "Pixote", de Hector Babenco. Estranho como ela "de cara lavada" - ou quase isso (em se tratando de Elke, qualquer coisa que menos do que duas camadas de maquiagem já podia ser considerado um "look clean") - tinha uma força ainda maior. Talvez seja porque essa força não vinha da superfície - que sempre primava pelo exagero. Mas vinha de dentro, de uma vocação genuína para entreter
     
    Volto a pensar no contraste entre sua gargalhada gostosa - que para mim sempre foi sinônimo de diversão - e esses beicinhos tão estudados trafegando nas redes, todos tão indistintos. Dias estranhos esses em que todo mundo quer parecer tão igual...
     
    Longa vida à rainha suprema da diferença!

    Elke e Zeca Camargo

  • Ainda precisamos de festivais de rock

    Florence + The Machine se apresenta no palco Skol do Lollapalooza 2016
    Florence Welsh no palco. Sobre a plateia completamente hipnotizada, uma chuva fina - que se tinha a intenção de incomodar, parecia que estava fracassando. Entre rodopios, sua voz enchia aquele espaço nobre do Lollapalooza como que para celebrar o espírito daquela noite - que, mesmo sem ter podido ir conferir de perto no sábado, posso assegurar de que foi o mesmo da anterior. E então ela pega uma bandeira brasileira. Num dia como o de ontem. Foi o delírio.

    Sou veterano de festivais de rock - e digo isso do alto dos meus quase 53 anos (faltam só três semanas!). Já amarguei em vários - especialmente naqueles em que a cobertura jornalística parecia não ter fim. Mas também já fui feliz em muitos deles - em alguns casos, ao mesmo tempo em que estava trabalhando. Por exemplo, por mais que estivesse exausto durante a cobertura de um certo Hollywood Rock no início dos anos 90, ter visto Kurt Cobain cantar da coxia do palco não tem preço…

    Mas justamente porque esses festivais fizeram parte de toda minha carreira de jornalista, há tempos eu vinha percebendo um certo cansaço neles. Estavam todos ou muito parecidos ou muito comerciais. Em casos mais graves, tinha a sensação de que eles haviam deixado para trás exatamente o que deveria ser a essência de um evento desses: a própria música.

    O Rock in Rio mesmo - revolucionário nos seus bons tempos -, nas suas duas últimas versões, vinha mostrando sinais deste cansaço. A escalação da de 2015 - e também a de 2013 - me deram a impressão de que o próprio festival tinha perdido a confiança no poder da música nova, preferindo apostar em um punhado de nomes tarimbados (quase todos emblemáticos do som do século passado) - e não no poder transformador do que ainda é desconhecido. Isso, claro, é um reflexo de uma insegurança comercial. Em tempos onde o dinheiro do anunciante/patrocinador é escasso, melhor investi no que é certo. Isso é compreensível.

    Não estou diminuindo o Rock in Rio - pelo contrário. Como apresentador do evento - mais de uma vez - tenho não só orgulho de ter participado dele, como alimento sempre a esperança de que ele vai sim trazer um bom time de artistas novos - e colocá-los nos mesmos patamares dos figurões. Mas o que a gente viu recentemente foi a decepção - pelo menos para quem ama a capacidade da música de se renovar - de ver alguns de seus melhores shows relegado a um palco “menor”.

    Questionava isso nos últimos tempos não como uma falha do festival, mas como talvez um problema - ou melhor, um desafio - para o próprio rock, para a música pop. Será que estaríamos diante de uma encruzilhada? Um momento genuíno de renovação de tudo? Dos shows, das bandas, dos próprios festivais?

    Minha passagem ontem pelo Lollapalooza trouxe uma certa esperança de que as coisas estão melhorando. Ironicamente, graças a uma ideia de mais de 20 anos trás! No início doa anos 90, quando eu trabalhava nos primórdios da MTV Brasil, Perry Farrell - uma daquelas figuras icônicas do rock alternativo na época - resolveu criar um show ambulante que fosse uma mistura de todos os sons que ele gostava. Sem preconceitos, sem distinção. Era música boa - não importava o gênero? Bota no palco para tocar. Esse festival anárquico virou, ao longo daquela década, um grande negócio - que só por obra do acaso, viu nos tempos de hoje uma oportunidade para lembrar o porque de sua existência. Ou talvez fosse justamente a triste situação dos festivais de música atuais que abriu espaço para que a proposta do Lollapalooza fosse novamente relevante.

    Zeca Camargo fala sobre Lollapalooza 2016

    Nessa sua nova “encarnação”, que tem várias montagens pela América Latina, o Brasil tem sido privilegiado como um de seus palcos mais férteis. Por ironia - e por questões de trabalho - não tinha conseguido ver de perto nenhuma de suas versões (sa não ser pela TV). Até este domingo - quanto tive tempo sobrando para ver boa parte das suas atrações. Isso incluiu um pouquinho do Alabama Shakes; boa parte do Noel Gallagher; trechos de Jack Ü; idem na apresentação do Jungle; e, claro, Florence and The Machine - an íntegra!

    Chamar sua apresentação de a melhor do festival talvez fosse um pouco exagerado - além de uma hipérbole vazia, já que não consegui ver tudo. Mas na noite de ontem, olhando aquela multidão cantar suas músicas - que com raríssimas exceções tocam nas rádios mais populares (e muito menos estão entre as mais executadas no país) - fiquei cheio de esperança.

    Ali estava representada uma geração que, ao contrário do que as rádios - e a própria TV - às vezes nos fazem pensar, tem horizontes musicais maiores do que o quintal da sua casa. Equivocada na ilusão de que estão abraçando uma cultura brasileira - quando na verdade estão sendo manipulados na reciclagem de estilos batidos na música internacional (e bem americana) - essa geração inteira passava a impressão de que toda nossa história musical riquíssima - que fez nosso século 20 ser relevante artisticamente para o mundo - tinha sido passada para trás em função de uma falta de gosto e de originalidade. Felizmente, ali no Lollapalloza, vejo que isso era só um desvio de rota.

    Independente o que as rádios estão tocando, tem muita gente ouvindo música boa - e por “boa” quero dizer interessante, nova, diversificada, instigante. E que de quebra ainda não ofende nem nossa gramática nem nossa inteligência - como… bem, preciso mesmo citar os exemplos? Ah e se alguém que tenha vestido essa carapuça por acaso achar que estou falando só de estrangeiros, eu digo que tenho alguns nomes aqui para te constranger: Jaloo, Sérgio Herege, Mahmundi, Projota, Karol Conká - e por aí vai…

    Esse time incrível de inovadores, junto com a legião que estava lá para ouvir Florence, Noel, Alabama, Jack Ü - e tantos outros -, encontraram ali no Lollapalloza seu ninho. Vi aves raras desfilando por aquelas pitas - e se as chamo assim, é para não esquecer que tudo aconteceu no autódromo de Interlagos, um lugar que parece ser feito mais para isso do que para as corridas, de tão adequado que foi o encaixe do festival por lá. Vi gente do bem, de duas ou três gerações mais jovens que eu, com quem falei entusiasmado a principal língua que nos unia - que é a da música. Essa foi a formação que eu tive: a de que todas as tribos (musicais ou não) devem ser respeitadas. Desde que queiram abrir a cabeça das pessoas - fazê-las cantar não o mesmo refrão, mas versos que de fato signifiquem algo além de um história besta de ciúme, em melodias que sejam ligeiramente mais criativas do que a que seus pais ouviam numa balada. E esse espírito estava firme e forte na noite de ontem no festival. Olhei ele no olho.

    Com Florence ali no palco, senti que a música ainda vale a pena - e juntar vários artistas diferentes serve não para dividir, mas para contaminar. E contaminar num bom sentido. Num certa maneira, o Lollapalooza não é menos comercial do que todos os outros festivais recentes - afinal, um cenário como o de Woodstock hoje em dia seria não só utópico como irreal. Cada palco ali tinha seu patrocinador, com farta distribuição de produtos, merchandising e logotipos. As mensagens “do bem” estavam espalhadas em cartazes bem humorados - e nada pretensiosos (pelo contrário, eram bem lúdicos) por toda a área de circulação. Mas acima disso tudo estava a música. E com isso eu não discuto.

    Eu mesmo, fã que sou, não sabia cantar tantas músicas de cor como as que vi aquela plateia acompanhando. Foi lindo isso. Significa que tem gente que, aproveitando o infinito canal de distribuição que a indústria musical tem hoje, faz sua própria playlist - e que ela está muito acima da mediocridade rasteira. Quando milhares de pessoas se emocionam ao fazer um coro espontâneo para acompanhar Florence em “How big how blue how beautiful” - você lembra desse título no topo de alguma parada brasileira? -, é porque essa música, que não é nem um de seus maiores sucessos, é forte, bate fundo - fala com mais gente do que você imagina. Ou ainda, pegando carona no seu refrão, é bem grande, bem azul, bem linda.

    Florence flutuava então naquele palco. Seu cabelo esvoaçante era uma chama incontrolável que chamuscava cada canção, ficando mais incandescente cada vez que o celeste do seu vestido parecia soprar quando ela girava. É assim quando o vento se encontra com uma fogueira, não é? Pois é esse fogo, de renovação, que cresce em cada festival como o Lollapalooza.

    É esse fogo que estava refletido nos olhos de cada um que estava lá ontem à noite. E, ouso arriscar, no meu também.

  • A noite em que o Oscar parecia o Grammy

    Leonardo DiCaprio foi o melhor ator e o diretor Alejandro Gonzáles Iñárritu o melhor diretor, ambos por 'O regresso'
     

     

    O título acima, antes que você me interprete mal, é um elogio. Afinal, injetando muita música na cerimônia de premiação que é uma das mais importantes do show business - e também, quase sempre uma das mais chatas -, os organizadores da festa do Oscar conseguiram oferecer uma noite realmente divertida. E digo isso sem um pingo de ironia.

    Claro que um dos fatores que muito ajudou nisso foi o excelente humor de Chris Rock - que não perdeu sequer uma oportunidade de ironizar a própria Academia de Artes e Ciências de Hollywood pela sua falta de diversidade na premiação (você que gosta de cinema certamente acompanhou a polêmica sobre a ausência de indicados negros nas principais categorias). Mas para uma noite com (relativamente) poucas estrelas do time A do cinema americano - alguns apresentadores e apresentadoras eu tive de dar um Google pra ter certeza de quem eram - astros da música pop preencheram essa vaga com louvor.

    Lady Gaga corre pelo palco após apresentação no Oscar 2016De Pharrell Williams a Lady Gaga, de Dave Grohl a Jared Ledo (tudo bem, ele circula nos dois universos, mas mesmo assim…), a música estava muito bem representada. E eu diria que até salvou a noite. Mas enfim, vamos a um resumo “em tempo real” do que eu registrei nesta madrugada durante o Oscar - que assisti, é bom lembrar, direto da fonte, no original, infelizmente (ou felizmente?) passando ao largo das várias possibilidades de comentários em português. Nada contra, mas eu desafio qualquer tradutor - inclusive este que vos escreve - a preservar, no nosso português, a acidez, a inteligência, a sagacidade, a malícia, e até o contexto dos discursos nunca menos que brilhantes de Chris Rock. Que começou, diga-se, mandando muito bem…

    (Para mais comentários, ainda “mais em tempo real”, convido você a visitar minha página oficial no Facebook: https://www.facebook.com/ozecacamargo - onde gravei alguns vídeos rápidos durante a cerimônia de ontem).

    22h44
    Depois da sempre boa montagem com cenas dos filmes do ano anterior - e que, para a minha surpresa usou pelo menos uma imagem de “Feras de lugar nenhum”, o primeiro longa-metragem produzido pela Netflix, que a Academia, teoricamente estaria esnobando -, vemos então Chris Rock, vestido num smoking imaculadamente branco, que talvez fosse a primeira ironia da noite. Se esse foi mesmo o caso, era só o começo… Já nos primeiros segundos ele começa a disparar piadas que, à primeira vista pareciam elas mesmas racistas para falar do “problema” de o Oscar ser “tão branco” - como protestava o famoso #OscarsSoWhite. Elas eram tão fortes - e estranhamente tão voltadas para os próprios talentos negros (ele já começou dizendo que só recebeu conselhos para desistir de ser o mestre de cerimônias da festa de colegas que estavam sem trabalho…) -, que o tiro parecia ter saído pela culatra. Mas claro que Rock é bem mais inteligente que isso: ele estava brilhantemente revertendo - e da maneira mais ácida possível - todo o preconceito da Academia. E ali mesmo tive a certeza de que a noite, no que dependesse dele, seria histórica…

    22h46
    Primeira mudança no formato clássico da festa: o prêmio que abriu a noite não foi o de melhor atriz coadjuvante, mas o de melhor roteiro original. A “desculpa” - bastante esperta - foi a de que eles queriam começar pelo início de tudo, que é justamente o texto que dá origem a toda uma produção. Ok, compre a ideia. Ainda mais porque quem levou foi “Spotlight” - e a gente sempre comemora um prêmio para uma história de jornalista eheh…

    22h49
    Ryan Gosling e Russell Crowe - que mostraram, quem diria, um ótimo “timing” para o humor (de fato, mal pareciam que estavam lendo seus textos no teleprompter) - anunciam o Oscar de melhor roteiro adaptado. E eu acerto meu primeiro palpite: foi para “A grande aposta” - que “mastiga” numa comédia inteligente uma das histórias contemporâneas mais complicadas: a crise financeira americana dos últimos anos. Gosling, lá atrás, fazia cara de orgulhoso (já que é um dos protagonistas do filme). Em tempo: aqui ficou clara mais uma novidade da noite: os agradecimentos dos vencedores, aquela lista infindável de nomes que ninguém conhece, foram parar como caracteres embaixo da tela, como aquelas informações dos canais de notícia. Boa ideia - que ainda por cima deixa mais tempo para os contemplados falarem sobre outras coisas mais interessantes. Vamos torcer para que eles usem bem isso…

    23h00
    Na volta do primeiro intervalo comercial, outro “soco de esquerda” na falta de diversidade da Academia: versões dos filmes candidatos ao grande prêmio da noite com atores negros. Hilários - especialmente o “Perdido em marte” alternativo, onde a Nasa decide não resgatar do planeta vermelho o astronauta negro (interpretado por Tracy Morgan)… E Whoopi Goldberg, como uma faxineira na sala de controle, só acrescenta: “Falei que eles não iam te trazer de volta…”. Muito, mas muito bom!

    Sam Smith canta na cerimônia do Oscar 201623h02
    Sarah Silverman entra no palco e todo mundo prende a respiração - especialmente os organizadores do Oscar. Pouco conhecida fora dos EUA, ela é uma das comediantes mais desbocadas do “showbizz” americano - e depois de insinuar várias coisas sobre a performance sexual de James Bond (ela estava lá para anunciar a música de “Spectre”, que estava no páreo), ela manda: “Que bom estar aqui na TV aberta ao vivo e pensar que eu posso falar qualquer coisa”. Ri alto… Foi tenso… Mas a única escorregada mesmo foi a performance de Sam Smith. Veja bem, sou fã dele - mas vamos combinar que essa está longe de ser a melhor música de seu repertório… Teve gente que disse até que é o pior tema de Bond de todos os tempos - algo que a primeira performance musical da noite quase me fez acreditar…

    Alicia Vikander recebe o Oscar de melhor atriz coadjuvante por 'A garota dinamarquesa'23h08
    Agora sim, vamos ao prêmio de melhor atriz coadjuvante - e ganhou a grande aposta. Não, quero dizer, não o filme com esse título, mas o nome em que todo mundo estava apostando: Alicia Vikander, por “A garota dinamarquesa” (que, para quem ainda não viu, não traz exatamente ela no papel do título…). Ela é muito boa - e muito linda. E acho até que deveria ter sido indicada também como melhor atriz por “Ex-Machina” - um filme que inexplicavelmente nem fez marola aqui no Brasil…

    23h18
    Só pra celebrar aqui rapidamente, em menos de dois segundos, Chris Rock consegue fazer outra piada boa com a falta de diversidade na Academia. “We’re black”, anuncia ele no retorno do intervalo comercial - um tolo e esperto trocadilho, substituindo “Estamos de volta” (“We’re back”), por “Somos negros”. Mais um ponto pra ele…

    23h19
    Cate Blanchett, tipo deslumbrante (quando ela não está?), chama - num cenário inspirado, que a acompanha nos movimentos pelo palco, o Oscar para melhor figurino. Que, claro, vai pra “Mad Max: estrada da fúria”. A surpresa não foi bem a escolha, mas o choque de ver a vencedora, Jenny Beavan, subir ao palco vestindo! Deve ter sido a primeira mulher de jaqueta de couro na história da premiação! Que figura - um contraste quase que chocante com as borboletas azuis de Blanchett! Tinha que ganhar mesmo…

    23h23
    Na sequência - o palco mudando de elementos, conforme as categorias se sucediam -, mais duas estatuetas para “Mad Max”. Uma de direção de arte, anunciada por Steve Carrell e Tina Fey (numa ótima performance de “bêbada”, trocando as sílabas de “nominees” em mais um daqueles momentos intraduzíveis!). E outra pela melhor maquiagem, entregue por Margot Robbin e Jared Ledo. Isso aí… Viva “Mad Max”! (Mas não posso deixar de pensar que estão meio que esnobando “Guerra nas estrelas”… coisa de fã…).

    23h28
    Até as piadas sem graça da noite são pelo menos bonitinhas… Logo depois de Benicio del Toro e Jennifer Gardner apresentarem um clipe de mais um indicado ao grande prêmio da noite, “O regresso”, a câmera corta para um urso (obviamente “fake”) sentado num dos camarotes do teatro… Fofo…

    23h35
    Outra piada pesada - e inteligente de Chris Rock: citando a presença de algumas pessoas da vida real que inspiraram filmes indicados este ano - o jornalista de “Spolight”, a empresária de “Joy” - ele mostra que a Academia não se esqueceu de um personagem negro de “Straight outta Compton”, que aparece então amarrado e amordaçado acompanhado de dois policiais, numa óbvia referência ao tratamento dos negros pela polícia americana… Sou fã desse Chris Rock…


    Emmanuel Lubezki ganha Oscar de melhor fotografia por 'O regresso', seu terceiro prêmio seguido23h36
    Sai o primeiro Oscar para “O regresso”. Michael B. Jordan - com uma cara ligeiramente emburrada (seria protesto?) e Rachel McAdams (ao contrário de Jordan, radiante, de verde), anunciam o prêmio de melhor fotografia para Emmanuel Lubezki, a terceira estatueta seguida do cara… Mas merecida! Não vou reclamar - a fotografia é mesmo uma das qualidades de “Regresso”. Já o roteiro… - mas eu divago…

    23h39
    E por falar em diversidade, entra no palco uma deslumbrante atriz indiana: Priynaka Chopra (que alguns conhecem no Brasil pela série “Quantico”, exibida aqui pelo AXN - sem circunflexo…). Ela vem com Liev Schreiber para dar - wow - mais um Oscar para “Mad Max”: o de melhor edição! Fora a surpresa, gostei de como eles mostraram os indicados, imitando uma tela de computador, que é onde virtualmente todas as edições acontecem hoje. Ah… e a moviola? Aposto que tem gente lendo aqui quem nem sabe o que é isso… Google já - tô meio sem tempo de explicar eheh!

    23h42
    Primeira piada fraca sobre a falta de diversidade na Academia: um vídeo com Angela Basset exaltando… Jack Black (um ator caucasiano…). Não sei se foi o Chris Rock que escreveu essa, mas… não rolou…

    23h48
    E está aberta a temporada de premiação de “Mad Max” - agora é oficial: um Oscar para a edição de som, e mais outro logo em seguida para mixagem de som. Total até agora… Seis! Será que a Academia vai dar um susto em todo mundo e seguir premiando o filme até as categorias principais em que está indicado - melhor diretor e filme? Secretamente, eu bem que gostaria que isso acontecesse…

    23h54
    Andy Serkis - que é aquele cara genial atrás de “personagens virtuais” (pense nos recentes “Planeta dos macacos” e em “Senhor dos anéis”), chama o Oscar para efeitos especiais. Seria este o sétimo de “Mad Max”? Deu zebra - e uma ótima zebra: “Ex-Machina” - eba!! Um excelente filme que foi esnobado pelas distribuidoras de cinema no Brasil - você já pode ver essa pequena obra-prima nos canais a cabo ou por “streaming”… Eu mesmo vi num avião! Não deixe passar em branco - é incrível. E não estou nem falando dos premiados efeitos visuais…

     BB-8, R2-D2 e C-3PO, personagens de 'Star Wars', no palco do Oscar 201600h00
    Quase pulei da cadeira de alegria: C3PO, R2D2 e o adorável BB-8!! Era só uma ponta (não chamaram prêmio nenhum) - e C3PO e R2D2 já passaram pela festa no passado. Mas não importa, por pouco mais de um minuto, eu era uma criança assistindo à cerimônia…

    00h05
    A madrugada chegando no Brasil, e Chris Rock simplesmente não deixa você dormir: em mais um “truque que tirou da cartola”, ele chama colegas das suas filhas para vender biscoitos (de verdade) para as celebridades na plateia. Primeiro você acha que é uma piada, mas aí os famosos começaram a levantar notas de dólares, querendo comprar os biscoitos… Quem diria que essa gente leva dinheiro vivo pra festa eheh… Enquanto as meninas vendem, a gente vê os prêmios de filme de animação. O curta - anunciado pelos Minions (que eu nunca acho tão engraçados assim…), foi para “Bear story” - que é chileno (olha a diversidade aê gente!). E o longa, com Woddy e Buzz nos fazendo lembrar que o primeiro “Toy story” já tem.. hum… VINTE anos! - enfim, são eles que chamam o (óbvio) vencedor: o inigualável “Divertida Mente”. Eu até tentei torcer para o brasileiro que competia nessa categoria, mas é covardia… Além do que, foi bom ouvir de seus criadores o velho lembrete (que serve para roteiristas do mundo inteiro, e especialmente aos brasileiros…) de que tudo começa com uma boa história e um bom texto…

    00h13
    Kevin Hart, um comediante negro, ultra popular agora nos EUA, finalmente encara a sério a questão da falta da diversidade na premiação deste ano, e pede aplausos para os talentosos artistas negros que deveriam ter sido nomeados e não foram… Depois de dar o recado, Hart não aguenta e faz… piada: num ano como esse, ela chegou a sonhar que a Academia o colocaria na primeira fila, pra compensar a gafe de deixar os artistas negros em segundo plano… Só que não! Em seguida, ele chamou o genial The Weeknd, para cantar a música dele para “50 tons de cinza” - provavelmente a única coisa memorável do filme… O cenário então - lindíssimo em todos os aspectos até lá - escorrega para a cafonice de “50 tons”… Uma pena…

    00h22
    Adoro mulheres de óculos numa noite de Oscar - e Kate Winslet (num poderoso vertido preto, e ao lado de Reese Witherspoon) saciou esse meu fetiche… (Elas estavam lá para chamar mais dois candidatos ao grande prêmio: “Ponte de espiões” e “Spotlight”).

    00h24
    Duvido que vai ter algum momento mais forte, interessante e inteligente do que esse. Acho que já usei esses adjetivos hoje para descrever o humor de Chris Rock, mas… “whatever”! Ele foi para a porta de um cinema e entrevistou pessoas negras sobre os filmes que elas mais gostam de ver. Era constrangedor perceber que as produções mais celebradas da noite mal registravam com esse público. Mas é justamente nesse constrangimento que estava a genialidade da reportagem. Como que dizendo: “Hollywood, você não liga para os negros? Bem, eles também não ligam para você”! Genial, genial, genial! Melhor coisa da noite - que ainda está na metade (imagino…).

    Mark Rylance recebe Oscar de melhor ator coadjuvante por 'Ponte dos espiões'00h28
    Patricia Arquette - usando o segundo par de óculos da noite (e também de preto) - chama o prêmio para melhor ator coadjuvante. E quem apostou no azarão se deu bem: quem levou foi Mark Rylance! E todo mundo achando que iria pra Sylvester Stallone… Secretamente (de novo), murmurei um “bem feito”… Apesar de o filme que lhe deu o prêmio ser fraco (mesmo dirigido por Spielberg), ele está brilhante no papel do espião. E me fez ter vontade de rever ele de novo na série “Wolf Hall”, da BBC. Mas eu divago… e pela segunda vez!

    00h38
    Não sou fã de Louis C.K. - que nem é um cara muito de cinema. Ele é mais conhecido pela sua série de comédia (ou quase isso), “Louie”. Digamos que não nos conectamos ainda eheh! Mas sua piada sobre a categoria que ia apresentar -“melhor documentário curta” - foi esperta: esses vencedores, ao contrário dos outros, que ganham a estatueta e veem seus cofres engordarem, voltam pra casa e… vão fazer outros documentários em curta-metragem, sem nenhum glamour. Muito bom! Ironicamente, a paquistanesa Sharmeen Obaid-Chinoy, subiu ao palco pra ganhar na categoria pela segunda vez - e foi aplaudida de pé, quando disse que o governo paquistanês viu o filme e vai mudar algumas leis por causa dele. Bravo - ainda mais porque, ainda que indiretamente, este é mais um prêmio para o jornalismo!

    00h41
    E mais diversidade, digo, mais um indiano apresentando o Oscar: Dev Patel, (“Quem quer ser um milionário?”) que ao lado de Daisy Ridley (do último “Guerra nas estrelas” - difícil até de reconhecer…), dão o prêmio de melhor documentário (longa) para… “Amy”!!!!!!!!!!!!!!!!!! E acho que usei poucos pontos de exclamação, tá? O diretor, Asif Kapadia, dividiu tão emocionadamente a glória com os fãs da cantora (sim, eu, você…), que quase esqueci que estava torcendo também para o documentário da Netflix sobre Nina Simone (“What happened, Miss Simone?”), já comentado neste espaço… Eu estava realmente dividido. Mas saí feliz de qualquer jeito.

    00h52
    Depois de uma certa enrolação com prêmios “honorários”, concedidos em uma cerimônia à parte, a presidente da Academia entra e faz um discurso comportado, uma espécie de “mea culpa” pela falta de diversidade no prêmio deste ano. Citou até Martin Luther King Jr. - e assinou: “precisamos agir”… Vamos ver…

    Dave Grohl canta 'Blackbird', dos Beatles, no Oscar, em homenagem a artistas falecidos00h56
    Se algum dia alguém tivesse me dito que veria Dave Grohl tocando “Blackbird”, dos Beatles, num palco de Oscar, eu teria rido até cair no chão. Mas ali estava ele, fazendo exatamente isso, para acompanhar o vídeo em homenagem aos que se foram em 2015. Uma lista que, claro, incluía David Bowie. Por alguns segundos me lembrei de Projota cantado “ela é um disco do Nirvana de 20 anos atrás”… Um dos meus amigos do grupo que está vendo tudo comigo disse que a Academia pediu para a plateia não bater mais palmas quando alguém mais querido aparecia, para não parecer que uns eram mais aclamados que outros. Achei justo. O momento foi lindo - e para este fã de Nirvana (e de Foo Fighters) aqui, surreal também…

    01h04
    Duas crianças entram para anunciar o prêmio de melhor curta de ficção: Abraham Attah (segunda concessão a “Feras de lugar nenhum”, da “inimiga” Netflix), com seu maravilhoso sotaque (de Gana!), e o garoto de “O quarto de Jack”, Jacob Tremblay - que tinha mais ou menos a metade da altura de Attah. Chris Rock não resistiu à piada e trouxe caixotes para deixá-los mais no mesmo nível. Fiquei curioso para ver o vencedor, “Stutterer”.

    01h07
    Para o Oscar de melhor filme em língua estrangeira, nada mais natural do que chamar um coreano e uma latina como apresentadores: respectivamente Byung-hun Lee e Sofia Vergara - ou, como ela é mais conhecida… a mulher mais linda do mundo! O vencedor era barbada - o filme húngaro sobre o qual eu ainda quero falar aqui. Mas o charme mesmo foi ver Vergara dizendo o nome dele com seu sotaque inconfundível: “Son of Sauuuuuuullleee” - que, coincidentemente é também o nome do meu pai… Mas não é por isso que ainda quero escrever sobre “O filho de Saul” - mas sim porque depois de assisti-lo você se pergunta: “Pra que os outros Oscars?”. Mas eu divago (terceira vez, estou contando…).

    01h10
    Outra surpresa: o vice-presidente americano Joe Biden entra no palco e agradece modestamente os aplausos com uma piada: “eu sou o cara menos qualificado para estar aqui esta noite…”. Mandou bem. Mas mandou melhor ainda ao lançar a campanha para que ninguém mais se cale quando for vítima, ou mesmo testemunha, de um abuso sexual (ItsOnUs.org). Isso tudo, claro, um gancho para Lady Gaga, maravilhosa, entrar e cantar a música que estava concorrendo na noite, um documentário sobre o assunto chamado “The hunting ground”. Tudo muito simples, ela e um piano branco, já bastante emocionante. E aí o palco se abre e vítimas “de carne e osso” de abuso sexual entram no palco e… Bom, não consegui ver direito porque já estava chorando a essa altura. Só me lembro que vi a plateia aplaudindo de pé…

    01h20
    Em mais uma prova de que o Oscar deste ano estava com cara de Grammy… Pharrell Williams e Quincy Jones entram para premiar a melhor trilha original. E quem ganha é o octagenário Ennio Morricone (que, numa nota pessoal, eu já tive o prazer de entrevistar no Brasil…), por “ Os oito odiados”. Merecidíssimo - aliás, um prêmio que já deveria ter saído há tempos! Nem que fosse para ouvir ele falar italiano naquele palco… Em algum lugar de Los Angeles, Quentin Tarantino estava rindo satisfeito…

    Sam Smith e Jmmy Napes recebem oscar por 'Writing's on the wall', do filme '007 contra Spectre'01h25
    Common e John Legend - olha mais Grammy aê minha gente! - chegam para anunciar a melhor canção de filmes do ano, que, claro, vai ser pra “Til it happens to you”, de Lady Gaga, claro. Só que… Não! Nossa!! Foi para Sam Smith. Que é um cara de quem, repito, sou fã! Mas com esse tema “meia boca” de James Bond? Sério? Fiquei meio - meio não, bastante! - decepcionado. Só gostei que Gaga estava lá, fina e educada, aplaudindo na plateia… alguns aplausos, certamente, para o fato de Smith ter dedicado o prêmio para a comunidade GLBT do mundo todo. Tudo, parece, termina bem - mas eu posso imaginar alguns “little monsters” bem indignados…

    01h29
    Para apresentar os últimos candidatos a melhor filme, Sacha Baron Cohen vem encarnado no seu personagem Ali G - ou, como ele gosta de se apresentar, “só mais um apresentador negro”… Segundo ele, sua presença representava todos os artistas negros ausentes - inclusive “aquele cara do último ‘Guerra nas estrelas’, John Boyega"… Muito bom. Ao seu lado, Olivia Wilde, com um decote que superou até o de Sofia Vergara (como se isso fosse possível!)

    Alejandro Gonzáles Iñárritu recebe o Oscar de melhor diretor por 'O regresso'01h36
    Eu tinha a impressão de que o prêmio de direção era logo antes do de melhor filme - afinal, a essa altura, melhor ator e atriz ainda não haviam sido anunciados. Mas ali estava J.J. Abrams para anunciar que… tudo voltava ao normal: Alejandro G. Iñárritu levava a estatueta por “O retorno”. Será que vai dar ele também no grande prêmio? Vejamos… Curiosidade: com esses tempos mais curtos para os agradecimentos, não deram mole nem para ele - a música subiu quando Iñárritu estava no meio de seu discurso político. Ou teria sido por causa disso…?

    01h44
    Eddie Redmayne ganhou o Oscar de melhor homem vestido de smoking! Eheh! Ninguém usou esse traje “difícil” tão bem quando ele hoje. Mas todo seu charme ficou em segundo plano quando Brie Larson subiu ao palco para receber o Oscar de melhor atriz que ele anunciou, por “O quarto de Jack”. Secretamente - foram muitos momentos assim, confesso - eu estava torcendo por Charlotte Rampling (vai ser bonita assim lá em… sei lá onde!) - que me fez chorar em “45 anos”. Mas foi legal ver Larson totalmente chocada com sua premiação. E o menino, “seu filho” Jacob Tremblay, na plateia, estava tão feliz como se ele tivesse sido o homenageado. Mais fofura para o fim da festa!

    Leonardo DiCaprio recebe Oscar de melhor ator por 'O regresso''01h52
    E agora o momento mais previsível da noite… Título de melhor ator vai para… Leonardo DiCaprio! Nem Julianne Moore, elegantíssima de preto (e brilho), conseguiu disfarçar sua falta de surpresa. Aplaudido de pé - todo mundo ali queria que ele ganhasse. Como “dono da noite”, DiCaprio aproveitou para fazer o discurso mais político da festa - começando pelo aquecimento global e terminando pelo “respeito universal”… Eheh. Tudo parece terminar bem nesse Oscar - que é um dos menos chatos e mais divertidos que eu consigo lembrar em anos!

    01h58
    Aliás, o Oscar 2016 estava tão bom que deixou até uma reviravolta para o final. Morgan Freeman declara - ele mesmo com uma expressão estupefata - que a estatueta de melhor filme não vai para “O regresso”, mas para “Spolight”!

    Equipe de 'Spotlight' recebe Oscar de melhor filme em Los Angeles. À frente, Michael Keaton abraça o diretor Tom McCarthyGenial! Uma história sobre jornalismo sendo reconhecida no maior prêmio da indústria cinematográfica americana? Acho que é manchete de “primeira página” - eheh! Minha torcida era por “A grande aposta” - e em seguida para “Spotlight”. Mas não estou reclamando. É muito legal ver, só pra variar, a atenção ser voltada para uma história real que teve, de fato, um grande impacto na vida das pessoas - falo, claro, da investigação sobre os padres pedófilos, incentivada por uma série de reportagens do jornal “Boston Globe”. Muito bom. Premiação no geral equilibrada, um excelente mestre de cerimônias, doses certas de humor, seriedade e emoção… Vou dar um like nesse Oscar 2016… Nem reparei que já passam das 2h da manhã…

  • E a música do Carnaval de 2016 é…

    O cantor Projota. Melhor começar tentando descrevê-la, para ver se você reconhece. Tem um toque de Soul II Soul, mas muito também de Lulu Santos. Na contramão da onda atual de divas (supremas!), quem canta é um cara - eu arriscaria um baixo, na classificação da sua voz. Na batida e na levada, bebe da fonte de D2 - nas letras, de Marcelo Camelo (com escala em Emicida). Eu acrescentaria uma pitada de Simonal na malícia e um toque do maestro Érlon Chaves e sua banda Veneno no tempero. A música conecta com a intimidade instantânea de um dos sucessos de Ivete e a discrição preciosa de Adriana Calcanhoto. E sobretudo tem uma letra de Caetano com flow do Racionais.

    Sim, com essa ultima pista, você já adivinhou: falo de “Ela só quer paz”, de Projota - a música que escolhi pro meu Carnaval e... provavelmente a música pop mais perfeita que nossa riquíssima MPB conseguiu oferecer neste século 21 que ainda engatinha.

    Já penso nessa questão há algum tempo. Enquanto o pop mundial nos oferece pequenas obras-primas - como “Happy”, “Crazy” e “Get Lucky”, para citar apenas alguns - nós aqui, apesar da inegável bagagem musical que temos, somos obrigados a nos contentar com canções de refrões que são meras junções de sílabas que nem sempre fazem sentido - e quando fazem, mal conseguem caber nas frases musicais (quase sempre resultando em hilários - e ao mesmo tempo tristes - prejuízos à métrica, além do esquecimento total de um princípio gramatical tão simples quanto uma sílaba tônica…).

     

    Já tem uns dois ou três anos que me senti mais especificamente provocado a procurar por uma música pop nacional que pudesse trazer para cá a tocha da criatividade, originalidade e identificação popular que sucessos como os que citei acima. E, nessa busca, não faltaram bons candidatos ao título.

     

    Gaby Amarantos, por exemplo - cuja inigualável “Xirley” eu cheguei um dia a comparar com “Camisa listrada” (e paguei um preço caro por isso) - foi uma das minhas primeiras opções. Gaby tem o dom de fazer do regional, universal - e com humor. Suas músicas são de uma inteligência sutil (pensa que é fácil rimar “ex-my love” com “um e noventa e nove”?) e de um colorido exuberante - que muito nos falta numa parada musical quase sempre ocre. Por mim seu lugar já está garantido no panteão do pop brasileiro do século 20. Mas será dela a música “mais perfeita do século” que eu venho procurando? Vejamos as outras possibilidades.

     

    Sempre tenho vontade de chorar quando ouço “Mais ninguém”, da Banda do Mar. Não é uma música de separação ou de amor ferido - aquilo que em inglês eles chamam de “torch song”. Pelo contrário: é uma canção de celebração, do amor, do prazer de estar junto, de estar com a vida e o coração resolvidos. As lágrimas chegam porque eu queria entender de onde vem a capacidade, num ser humano, de compor algo tão perfeito assim. A rigor a música não tem um refrão - talvez tenha dois, mas eu prefiro acreditar que ela é um refrão do começo ao fim. Ah, sim, com um grande interlúdio instrumental - que não poderia ser menos adequado para uma canção pop, mas que acaba sendo a coisa mais fantástica que poderia ter acontecido para unir as duas partes da música. E ainda tem o clipe - certamente uns dos 10 melhores deste mesmo século (mas eu me alongaria demais falando dele aqui, e o Carnaval tá chamando!). Infelizmente a Banda do Mar não teve a sorte de florescer numa época em que suas altas qualidades sejam inteiramente apreciadas pelo grande público, que hoje prefere repetir aqueles descarrilamentos de sílabas duras como se fossem realmente canções - e por isso, apesar de eles estarem no mesmo panteão de Gaby, seu sucesso foi (injustamente) moderado, e o grande título de melhor música pop nacional do século 21 segue vago.

     

     Então chegou Ludmilla. Imagino que você esteja pensando que eu deveria pagar meus respeitos a Anitta, antes de sequer eu balbuciar o nome de Lud - mas calma lá! Concordo que Anitta chegou - já tem bem uns 3 anos (passa rápido né?) - sacudindo bastante as bases do nosso pop. Era funk? Era “dance”? Era o quê? Era Anitta inventando alguma coisa - e ela é boa nisso! (Tão boa que seu último sucesso, “Essa mina é louca” - a ótima parceira com Jhama - é uma reinvenção muito esperta de pagode… mas eu divago…). Suas músicas são sucessos estrondosos - e me ajoelho diante de seu talento para fazer todo mundo cantar, dançar, e se apaixonar por ela - e por seus refrões. Mas será que algum de seus “hits” poderia ser a melhor música pop nacional do século 21?

     

    Sem entrar em rixas - não sou disso, já que admiro as duas na mesma proporção -, Ludmilla e sua “Hoje” teriam mais chances de levar o título. Não só pela sua incrível pegada (basta ouvir uma vez, e nem precisa ser inteira, para você entender perfeitamente a música), mas também pelas peripécias sonoras, brincando com a escala musical como se fosse uma boa ária de ópera - pense no trecho que começa com “E faz assim…”, só que interpretado por uma contralto lírica! A letra - se não das mais originais - pega elementos ultra populares e faz malabarismos. E acima de tudo, claro, tem a voz de Lud. Depois de ter ouvido “Hoje” inúmeras vezes no rádio - sempre aos retalhos -, finalmente tive o prazer de escutá-la por inteiro na gravação do especial de fim de ano de 2015 de Roberto Carlos. Como você talvez tenha reparado, até o Rei pirou na voz de Lud - e por isso faço meus os elogios dele: essa canta!

     

    Estava então bem tentado a dar o título para Lud - cheguei a ensaiar escrever sobre isso aqui. Mas então, na última terça-feira, estava ouvindo a Metropolitana FM, em SP - uma das programações mais ecléticas (e por isso mesmo mais pops) das nossas ondas sonoras - quando tocou “Ela só quer paz”. Estava indo gravar uma reportagem - uma matéria simples, que me tomou menos de uma hora. Quando voltei para o carro, no primeiro sinal que parei, lá estava ela de novo - “Ela só quer paz”. E foi então que prestei atenção na letra daquela música que já tinha roubado minha atenção pela manhã.

     

    Para minha agradável surpresa, o que eu estava ouvindo era pura poesia. E não era barata - pelo contrário. Havia, em cada verso, uma disfarçada preocupação com a originalidade - que já se anunciava logo no primeiro canto: “Ela é um filme de ação, com vários finais”. Que espécie de gênio sai com uma abertura dessas? (Aos maldosos de plantão, não há um pingo de ironia na minha frase anterior - nem em nenhum outro momento que eu eventualmente usar a palavra “gênio” no texto de hoje). E ainda: que gênio era esse que cantava com a boca cheia - e um sotaque que não tem vergonha de ser paulistano (muito paulistano!) - uma frase como “Ela é o 'barco' mais bolado que aportou no seu cais”?

     

    Cada verso de “Ela só quer paz” pode ser celebrado por si só, mas quando você percebe a cadência deles, a maneira como Projota (gênio!) costura um no outro, fica ainda mais encantado com sua habilidade como letrista. Olhe o verso a seguir - da segunda parte da música (que, é bom lembrar, leva menos de três minutos pra te conquistar):

     

    “Ela vai te enlouquecer pra ver do que é capaz
    Vai fazer você sentir inveja de outros casais
    E você vai ver que as outras eram todas iguais
    Vai querer comprar um sítio lá em Minas Gerais”

     

    Talvez você nunca tenha se dado conta, mas já sentiu “inveja de outros casais” - e provavelmente já pensou até em comprar um sítio em Minas Gerais”. Só que coube a Projota colocar essas duas coisas juntas, num efeito que é transcendental. E aí temos o tal do refrão…

     

    Ainda não consegui ouvir ele cantar “Ela é um disco do Nirvana de 20 anos atrás” sem me emocionar - pois é, eu choro mesmo com essas coisas. Mas como um soco que vem para definir o vencedor no ringue, enquanto você recebe essa pela direita, Projota vem pela esquerda com: “Não quer cinco minutos no seu banco de trás, só quer um jeans rasgado e uns quarenta reais, ela é uma letra do Caetano com flow do Racionais”!

     

    UMA LETRA DE CAETANO COM FLOW DO RACIONAIS!

     

    Conheço um punhado de compositores - de várias gerações e tendências musicais - que dariam um braço pra ter composto isso! Projota faz isso parecer fácil - não é! - e prazeroso - o que é - que chega a ser um alívio saber que temos, enfim uma pequena obra prima para alegrar nossos ouvidos e corações neste Carnaval. E levar o tal do título que eu estou ensaindo dar a um tempão!

     

    Para não parecer um desavisado, sei bem que sua carreira não começou “ontem”. Projota já esboça seu caminho na boa música paulistana desde 2010 - ou talvez até antes, mas foi a partir daí que ele começou a passar no meu radar. Nesses tempos onde todo mundo celebra o sucesso imediato, talvez ele tenha demorado um pouco demais para entregar seu trabalho maior (espero que ele faça coisas tão boas quanto “Ela só quer paz”, porque se fizer melhor, vou ter que reescrever tudo isso que fiz hoje eheh!). Mas agora ficou pronto.

     

    Chama-se “Ela só quer paz” a melhor música do pop nacional deste século. E ela é do Projota. E já é a música do Carnaval de 2016 - e dos próximos anos. E é a música da minha vida - neste momento. E olha que nem estou apaixonado…

     

    Vá brincar seu Carnaval - e entenda os sinais...

  • A elegância de David Bowie

    David Bowie fuma um cigarro durante coletiva de imprensa no festival de cinema de Cannes em maio de 1983
    Ontem mesmo, de madrugada – e antes de saber da sua morte –, lembrei-me de David Bowie. Mais precisamente, foi quando Lady Gaga subia ao palco para receber seu Globo de Ouro como melhor atriz em minissérie ou filme para TV (por “American horror story: Hotel”). Ali estava uma artista que a gente pode chamar de “camaleônica”, que se aventura em todas as artes, que inventa personagens, que se renova sempre… Enfim, como David Bowie ensinou que tem que ser feito – se você quer ter alguma relevância na cacofonia do pop & rock.

    Nesse sentido – e em tantos outros – ele foi um mestre generoso, tão plural e inesperado, que seus fãs eram os primeiros a desculpar um deslize: um disco menos impactante, um filme mais “trash”. “Tudo bem”, os admiradores devotos falavam baixinho, daqui a pouco ele se reinventa e vem com coisa boa. Como fez agora com “Blackstar”, seu derradeiro álbum. Mais uma vez a gente se perguntava: para onde ele está apontando? E a resposta era sempre imprevisível.

    Resumir em algumas linhas um trabalho de décadas tão inspirador e brilhante é uma homenagem que Bowie não merece. Não merece, claro, porque o espaço que lhe cabe é infinitamente maior. O que são palavras diante de um artista que nos fazia reconhecê-lo por simples acordes? Pense em “Heroes”, “Aladdin Sane”, “Ashes to ashes”. Apaixonar-se por essas músicas levava apenas alguns segundos – você já estava fisgado mesmo antes de Bowie começar a cantar… E aí, é um cara desses que você se vê na obrigação de exaltar. Mas como, se nada será superior ao próprio trabalho que ele deixou?

    Nunca tive a chance de entrevistá-lo. Uma vez, no início dos anos 90, quase aconteceu. Cheguei a estar na mesma sala que ele, num hotel em Copacabana, mas as “negociações” não frutificaram – e, acredite, uma entrevista dessas envolvia muita negociação. Passei o resto da minha carreira como jornalista de música respondendo à pergunta "Quem você ainda não entrevistou e gostaria de entrevistar?" já com a resposta pronta: David Bowie.

    Mesmo sem ele por aqui, não vou mudar a resposta. Porque de um farol artístico como ele, a gente sempre gostaria de saber o que vem depois, que trabalho teria o privilégio de ser agraciado com seu talento e (sim!) com sua elegância. Pois Bowie colocava muito dela em tudo que fazia – até mesmo na sua despedida.

    Fico pensando agora, em retrospecto, se a retrospectiva de seus trabalhos, que rodou museus no mundo todo – e foi um “blockbuster” aqui também no Brasil, no Museu da Imagem e do Som de São Paulo – já não era uma despedida sutilmente orquestrada. Aí veio “The next day” e, mais importante ainda, “Blackstar” (um nome que agora é impossível não associar com sua morte). Houve tempo até de ele escrever uma peça – sua primeira – atualmente em cartaz na “Broadway”, “Lazarus”, uma espécie de continuação da história de seu melhor personagem no cinema, em “O homem que caiu na terra”…

    Mais uma vez, ele fez tudo certo. E eu mesmo pego carona nessa elegância para escolher então alguns versos do próprio Bowie para me despedir aqui dele: “Watching him dash away, swinging an old bouquet – dead roses –, sake and strange divine u-hu-hu-hu you’ll make it". "Dash away", Bowie – como você sempre nos ensinou a ser em vida: estranhamente divino..

  • 2015: o ano em que eles quase venceram

    Não foi fácil. Em vários momentos pensei em desistir. Parte da dor e da delícia de ser um comunicador - de ser ouvido (e sobretudo lido neste espaço por você) - é perceber que aquilo que você fala (ou escreve) tem um impacto na vida das pessoas. Como os profissionais que admiro, trabalho com essa motivação. Mas em 2015, falar sobre cultura pop, em vários momentos, tornou-se um desafio quase impossível.

    Algumas vezes me senti realmente isolado, como se tudo que eu presenciava de interessante - as coisas que lia, via, ouvia - acontecessem numa bolha, longe de qualquer possibilidade de apreciação de um público maior. Anestesiadas pelos algoritmos da internet, acreditei que as pessoas finalmente tinham me dado a prova final de um argumento dos mais interessantes que tive este ano com um dos melhores escritores brasileiros (que, por acaso, é também meu amigo): o de que as redes sociais não permitem que você descubra nada de novo. Ou seja, de que elas são feitas para te apresentar mais do que você já gosta - se você é fã de determinados artistas, você só vai encontrar pessoas que também veneram esses artistas; se você faz parte de um culto, a tendência é que você curta mais pessoas que também fazem parte dele; e se, por algum desvio do bom senso, você abraça alguma ideia estúpida, provavelmente na internet você vai encontrar multidões que constroem todo um pensamento em função dessa mesma ideia estúpida.

    Reforçando essa lógica lúgubre, li este ano um texto de Umberto Eco - que apesar de ser de 2011 me pareceu bastante atual. Não sei citá-lo aqui fielmente mas o sentido do que ele disse em uma entrevista - Eco, há tempos, nos alerta sobre os perigos da burrice nas redes sociais - é que a internet é um desserviço ao ignorante. Para justificar uma ideia que parece óbvia, ele nos lembra que a televisão - que é, claro, um veículo de comunicação de massa - também não é muito boa para disseminar cultura, mas pelo menos é um filtro. Não o filtro ideal, mas um filtro. Ao passo que na internet, não existe filtro nenhum: você é um imbecil, e as coisas sobre as quais você constrói sua vida são totalmente imbecis? Ora, você não está sozinho: está a apenas alguns cliques de encontrar outros imbecis como você… E logo vocês são uma comunidade!

    Neste sentido que digo que 2015 foi assustador - e que eles (o “eles” do título acima, claro, se refere ao imbecis) quase ganharam definitivamente seu espaço. Qualquer um que faça um balanço cultural do ano - se é que alguém se arrisca a isso (você tem menos de 48 horas para tentar fazer um…) - vai ver diante de si um deserto. Ainda não consigo entender porque, ao contrário do que vemos no mundo todo, aqui no Brasil nenhum veículo cultural de respeito (nem mesmo este nobre espaço onde escrevo) ousou fazer uma lista na linha “melhores do ano”. Quando muito, para ganhar o maior número de cliques possíveis, a gente vê uma relação de “maiores erros da TV”, num previsível potencial de acessos na junção das palavras “erros” e “TV”, ou variações sobre elas - como diria Bela Gil, você pode substituir “erros” por “gafes” e “TV” por “celebridades”.

    Mas onde estão as listas das melhores músicas brasileiras de 2015? (Não estou contando, claro, as premiações midiáticas cujas escolhas são distorcidas pela busca de audiência numa bizarra inversão de valores). Quem fez um lista com os melhores filmes brasileiros? Os melhores autores? As melhores exposições visuais? Os melhores eventos de arte pública? As melhores fotos clicadas por brasileiros? Os álbuns do ano, assinados por nossos artistas? Ou, ainda que seja para abrir uma concessão ao que se produz na internet, os melhores esquetes de humor nacional no YouTube?

    Como disse antes, se você olhar sob este ponto de vista, o que temos é um deserto - como se nada do que foi feito este ano merecesse entrar numa lista de “best of”. E é justamente este silêncio que nos fez achar que eles, os que gostam sempre das mesmas coisas, os que não querem nada de novo, os que morrem de medo de olhar para fora de seu quintal - eles que ganharam o jogo. Só que não.

    O barulho da turba é grande, mas, se você prestar atenção, mais de um artista - nacional e internacional - nos deram motivo, em 2015 mesmo, de acreditar que tem gente ainda com vontade de fazer diferente. O mundo - e sobretudo o Brasil - tem criadores corajosos que ainda têm fôlego de nos provocar, de nos tirar da mesmice, de dizer com um sorriso disfarçado que a mediocridade não vai vencer.

    Zeca Camargo

    Comecei a perceber isso há algumas semanas, quando fui fazer uma visita a Belém (PA). Lá, tive a sorte de encontrar uma comunidade de artistas - e gente em geral - que estão pensando diferente. O mais forte deles, um artista de rua, cujo trabalho já havia visto na Bienal de São Paulo, mas que mostrou ser ainda mais impactante quando achado no meio da rua em Belém: Éder Oliveira. Os rostos fortes que ele pinta nos muros da cidade (ou nas paredes de transadas galerias e mostras) vêm de notícias populares - e saltam aos nossos olhos com sua verdade e transparência. É poderoso, e é bom - é original, e não passa nem perto daquela “arte” que as pessoas acham que estão fazendo quando enchem de cor um espaço que não foi criado por elas.

    Éder me encheu de esperança. E fui em frente procurando outras evidências de que a ignorância e a mesmice não venceriam em 2015. Encontrei um aliado forte no livro de Julián Fuks, “A resistência” (Companhia das Letras) - um escritor que tem não só o amor pelas palavras, mas também pelas frases, pelos parágrafos, e pelas emoções que tudo isso ainda é capaz de despertar. Depois me lembrei que, na também recente temporada de cinema, me peguei, não sem surpresa, discutindo qual dos filmes brasileiros eu tinha gostado mais.

    Zeca Camargo

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    A supresa, claro, não era pelo fato de que eu e as pessoas com quem gosto de discutir sobre cultura estávamos falando sobre filmes brasileiros, mas pelo fato de hoje em dia termos um punhado de títulos e diretores (e diretoras!) significativamente interessantes para que a gente possa fazer uma escala de quais nos provocaram mais numa determinada safra (por exemplo, a de 2015) - e ainda: “conjuntos de obras” consistente o suficiente para que a gente possa comparar trabalhos anteriores e atuais desses criadores. Fiz aqui mesmo, um apanhado de três filmes nacionais que me marcaram recentemente - e depois disso ainda vi outras tantas produções brasileiras que justificaram este meu entusiasmo. Sem falar que este ano pudemos conferir, finalmente, “Chatô, o rei do Brasil”, de Guilherme Fontes. Não adorei - taí um filme que dividiu as opiniões de pessoas que respeito -, mas um ano que finalmente trouxe este filme não pode ser de todo medíocre…

    Na música… Bem, na música também temos boas notícias - não daquelas que enchem grandes espaços, mas das que preenchem seus ouvidos. De veteranas (Elza Soares) a novatos (Rico Dalasam), passando por nomes relativamente novos e já populares (Emicida), tivemos diversos motivos para ter a certeza de que nossa música popular não está indo para o poço. Como disse Chico Buarque no recente documentário sobre sua carreira - o “Brasil bonito” que a MPB dos tempos áureos nos ensinou a cantar em coro hoje dia dia não tem mais o mesmo espaço. O que cantam as multidões, como fica claro no sorriso disfarçado de Chico, é um outro Brasil (menos bonito?). Mas defendo que ainda tem gente cantando “aquele Brasil”, mais artistas até do que esses três que citei acima. E, eventualmente, as pessoas vão parar para ouvi-los.

    O Brasil ainda está longe de redescobrir a fórmula mágica de juntar entretenimento popular com arte - algo que fizemos com maestria durante décadas até não muito tempo atrás. Filmes como “Mad Max - Estrada da fúria” ou “Divertida Mente” - que são produtos de cultura de massa e ao mesmo tempo uma festa para os olhos e para a inteligência - talvez estejam ainda distantes. Mas eu sei que temos artistas e criadores capazes de nos trazer isso - se não na telona, na telinha!

    Eu sou um otimista - você que me conhece há tempos sabe bem. E cada suspiro de inteligência eu conto como um ponto a favor na batalha contra a “tímida ignorância” (citando a “Economist”), que puxa a gente para trás. E que em 2015 quase nos fez acreditar que ela tinha vencido… Então eu vou seguir neste espaço aqui em 2016 - algo que, num tempo de crise, eu cheguei mesmo a pensar em desistir.

    Quando nada do que você faz parece repercutir positivamente, a primeira resposta é sempre “jogar a toalha”. Felizmente, acima do barulho dos menos favorecidos culturalmente, eu ouvi murmúrios de pessoas interessadas, como eu, em algo ligeiramente diferente. E por isso segui em frente. A recompensa? Ter você me acompanhando até aqui, com essa sua leitura fiel e inteligente - que pode até discordar de mim, mas não com um chilique reativo, mas sim com um argumento interessante, capaz de abrir uma discussão.

    Como descobri neste ano - em que, finalmente, resolvi experimentar as águas das redes sociais, até mesmo o Facebook (https://www.facebook.com/ozecacamargo) - a própria internet é capaz de nos apresentar pessoas interessantes, a fim de trazer sua curiosidade (e não sua mesmice) para um debate maior, contribuir com sua vontade infinita de ver o diferente para que eu mesmo possa explorar coisas novas.

    Zeca CamargoE pensando nisso tudo, quis fazer essa reflexão de fim de ano. Que foi inspirada também, diga-se, por dois filmes que vi aqui, na cidade onde ainda existem sessões de cinema pela manhã… Falo de Paris e de dois trabalhos ainda inéditos no Brasil - um deles, forte candidato ao Oscar, tem estreia prevista para 14 de janeiro, “A grande aposta”; o outro, nem tem previsão ainda de lançamento: “The Lobster”.

    Os dois filmes não poderiam ser mais diferentes. O primeiro, uma ambiciosa comédia que tenta explicar a crise financeira americana de 2008 - e consegue jogar uma luz bem-humorada sobre esse ponto obscuro da história recente da humanidade como nenhum trabalho no cinema fez até agora. O outro, uma utopia de um mundo não tão distante, em que as pessoas não podem viver sozinhas - são obrigadas a se acasalar, sob pena de, no caso de um fracasso, serem transformadas em um animal de sua escolha (no caso, o protagonista brilhantemente vivido por Colin Farrell, caso falhe em achar um parceira, quer virar uma lagosta).

    Cada filme desses, de tão original, merece um post em si - e quem sabe vão ganhar um, quando finalmente eles estrearem no Brasil. Mas hoje aqui, neste texto que mais uma vez eu comecei com a firme intenção de que não ficasse longo, eu vou apenas usá-los como muletas alvissareiras. Porque o que quero celebrar em 2016 são criações artísticas que não me tratem como um idiota. Esses já tem muita coisa para se divertir… Eu e (com certeza) você também, queremos mais. Queremos o desafio de sermos apresentados a algo que ainda não conhecemos. E poder renovar o prazer da descoberta do novo.

    Que venha então 2016 - feliz ano (de fato) novo!

Autores

  • Zeca Camargo

    Mineiro de Uberaba, o apresentador do ‘Fantástico’ começou a carreira no jornal ‘Folha de S. Paulo’, participou da primeira turma da MTV no Brasil e foi editor da revista “Capricho”.

Sobre a página

Em seu blog, Zeca Camargo transita pelo universo da cultura e discute músicas, filmes e exposições.