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  • O velho fadista a cumprir sua missão

    (enviada por Cristina Santos)

    A varanda de minha casa está virada a poente, por isso tem a vantagem de em dias claros, de inverno ou verão, receber a luz do sol durante quase toda à tarde. Certa manhã ocupava-me das tais tarefas domésticas, quando vi a figura humilde e andrajosa de um homem; se não era muito idoso, estava maltratado pela vida e pelo tempo.

    Para se deslocar recorria à ajuda de muletas, pois uma das pernas estava atrofiada. E me impressionou porque mesmo assim ainda conseguia transportar uma velha guitarra clássica!

    Sentou-se em um bar em frente e começou a cantar. Assim que escutei a sua voz, estremeci! Era tão bela, como a de um anjo sereno e abençoado, embora triste. Aos poucos preencheu todo o ambiente, ecoou nas paredes, envolveu-me, elevou-me... Percebi minhas lágrimas involuntárias que rolavam para o chão, pressenti as pessoas emocionadas que acorriam às varandas.  E as crianças estupefatas e maravilhadas que já não brincavam...

    Compreendi que vivia um momento de efêmera eternidade, de comunhão com outras almas, como se por magia estivéssemos sidos chamados à outra dimensão, a um universo mais belo, onde talvez tudo fizesse sentido... Ou talvez não!

    Por fim, a sua voz calou-se e ficou um silêncio que tinha gosto de vazio, quase opressivo, mas logo as palmas troaram efusivas, os sorrisos iluminaram e as crianças gritaram ‘bis’ entusiasmadas.

    No entanto, o homem, como que completada a sua missão, preparou as muletas e continuou seu caminho. Saí correndo e só descansei quando o alcancei, esbaforida. Era tão óbvio deduzir que o fado era o seu ganha pão, que sem hesitar lhe apertei uma nota na mão, mas juro que foi apenas, quando comovida, o abracei e lhe pedi que nunca mais parasse de cantar, e o seu rosto enrugado e cansado se suavizou... e me sorriu!

    Não voltei a vê-lo, mas quero acreditar que continua por outros caminhos, a chorar o seu fado, a cumprir a sua missão. Se por acaso ele passar aí perto, diga-lhe, por favor, que não o esqueci.

  • A subida arriscada e o coração

    Durante uma tempestade, o peregrino chega numa hospedaria, e o dono lhe pergunta onde está indo.
    - Vou até as montanhas - responde.
    - Desista - diz o dono.
    - É uma subida arriscada, e o tempo está ruim.
    - Irei, sim - responde o peregrino.
    - Se meu coração chegou lá primeiro, será fácil segui-lo com meu corpo.

  • Na roda do tempo I - A intenção e a irritação

    (Reflexões de Carlos Castaneda)

    A intenção é o mais importante:
    para os antigos feiticeiros do México, a intenção (intento) é uma força que intervém em todos os aspectos do tempo e do espaço. Para poder utilizar e manipular esta força precisavam ter um comportamento impecável. A meta final de um guerreiro é poder levantar a cabeça além do sulco onde está confinado, olhar ao redor, e modificar o que deseja. Para isso, necessita disciplina e atenção total.

    A irritação é desnecessária: irritar-se com os outros significa dar a eles o poder de interferir em nossas vidas. É imperativo deixar este sentimento de lado. Os atos alheios não podem de maneira nenhuma nos desviar de nossa única alternativa na vida: o encontro com o infinito.

  • Caminhando apenas pelo prazer de andar

    Iris (ao chegar a Santiago de Compostela)

    Quando cheguei na Praça do Obradoiro, perguntei a mim mesma: por que tive que encontrar tantas dificuldades? Entrei na fila interminável para beijar o santo, tudo me parecia absurdo, exceto o reencontro com alguns peregrinos que conheci no caminho. Sim, tudo era absurdo, exceto a alegria de ter vencido os meus limites e sentir-me, por causa disso, uma pessoa melhor. Ainda bem que não andei como o resto das pessoas. Ainda bem que decidi parar sempre que o sol se punha, evitando pensar se estava perto de um albergue ou se havia comida. Ainda bem que comi um prato de lentilhas que me deu uma intoxicação e me obrigou a dormir aos pés de uma montanha, em um lugar que não teria conhecido se não fosse este problema.

    Ainda bem que perdi a hora, e terminei tendo que passar a noite debaixo de um céu cheio de estrelas. Ainda bem que começava a andar quando tinha vontade, e parava quando queria, sem ninguém para me dizer se isso era certo ou errado. Ainda bem que estava sozinha, e por causa disso a lua me tratou de maneira muito especial. Ainda bem que errei quatrocentas vezes a rota determinada, e terminei conhecendo lugares que ninguém conheceu. Em um destes desvios, terminei ficando sentada o dia inteiro diante da porta de um convento, pensando em minha vocação.

    Foi por causa de tantos absurdos, e tantos “ainda bem”, que a coisa teve graça. Porque antes a minha vida tinha uma meta, e a partir de agora continuarei caminhando apenas pelo prazer de andar.

  • Com a palavra o leitor - histórias da Espanha e Paquistão

    Anabel (Mérida, Espanha)

    Não sei se tudo está escrito, não sei se uma pessoa escreve sua história no momento de nascer, ou antes, ou enquanto vive. O que estou convencida é que tudo que se passa em nossa vida tem um sentido, e para isso é necessário viver intensamente cada momento. Porque é o dia de hoje que nos permite avançar, quebrar as amarras, deixar que a vida possa fluir em toda a sua liberdade, e entender que o amor ao instante é o que nos deixa contentes. Amar o que vemos, o que tocamos, o que não entendemos, amar o desconhecido, o que nos provoca inquietações, o profundo e o superficial, mas amar de qualquer maneira.

    Beba (Islamabad, Paquistão)

    A vida é absolutamente temperamental, e termina nos guiando por caminhos que não estávamos absolutamente convencidos ou entusiasmados por percorrer. Mas o que seria de nós sem essas surpresas? Levanto um brinde a tudo de absurdo e maravilhoso que seguiremos encontrando a cada passo adiante.

  • Acreditando em sinais, pois tudo tem um sentido

    Tudo que precisamos aprender está sempre diante de nossos olhos, e basta olhar ao redor com respeito e atenção, para descobrir onde Deus deseja nos levar, e qual o melhor passo a ser dado no próximo minuto.

    Aprendemos também  a respeitar o mistério: como dizia Einstein, Deus não joga dados com o Universo, tudo está interligado e tem um sentido. Embora este sentido permaneça oculto quase todo o tempo, sabemos quando estamos próximo de nossa verdadeira missão na terra quando o que estamos fazendo está contagiado pela energia do entusiasmo.

    Se estiver, tudo está bem. Se não estiver, é melhor mudar logo de rumo.  Quando estamos no caminho certo, seguimos os sinais,  e de vez em quando damos um passo em falso, a Divindade vem em nosso socorro, evitando que cometamos um erro.

Autores

  • Paulo Coelho

    Imortal da Academia Brasileira de Letras e Mensageiro da Paz da ONU, autor do fenômeno literário “O Alquimista”, livro brasileiro mais vendido de todos os tempos.

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Imortal da Academia Brasileira de Letras e Mensageiro da Paz da ONU, autor do fenômeno literário “O Alquimista”, livro brasileiro mais vendido de todos os tempos.