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Por Luciano Trigo


Capa do livro 'Os meninos de Nápoles', de Roberto Saviano — Foto: Divulgação/Companhia das Letras

Em meio a mafiosos adolescentes, um garoto luta pelo poder: é esta a premissa do romance "Os meninos de Nápoles", de Roberto Saviano. Embora se trate de ficção, o autor bebe diretamente na fonte de seu livro mais famoso e polêmico, "Gomorra", lançado em 2006. Uma e outra obra fazem um retrato chocante e sem retoques do submundo da Máfia napolitana. Trata-se, em todo caso, do primeiro livro a tratar do braço adolescente do crime organizado na Itália – e, por extensão, das mudanças em curso na estrutura da Máfia.

Nicolas Fiorillo, jovem de uma família de classe média moradora do centro de Nápoles, aceita de bom grado a proposta de ingressar no tráfico de drogas. Seu gosto pela ostentação – incluindo idas frequentes a um restaurante de luxo, com vista para a baía da cidade – faz com que seus amigos o apelidem de "Marajá". Sua meta na vida é ascender socialmente e ingressar na elite do crime, conquistando mais e mais poder. Inspira-se, para isso, em Maquiavel e na premissa de que, para ser bem-sucedido, um príncipe deve despertar medo, e não amor.

Depois do sucesso de seu primeiro livro, Saviano – que hoje vive sob proteção policial – percebeu que, a cada ano, os mafiosos que iam presos eram cada vez mais jovens – e decidiu investigar por quê. O resultado foi “Os meninos de Nápoles”. Como em "Gomorra", Saviano não economiza detalhes escabrosos, o que de certa forma explica o sucesso do autor: seu objetivo é produzir no leitor a mesma náusea e o mesmo assombro que ele próprio sentiu, ao travar contato em primeira mão com os episódios que descreve. Para Saviano, este é um assunto pessoal.

Nicolas é uma espécie de "poderoso chefinho", que mede forças com lideranças locais, eliminando um por um até se tornar, aos 16 anos, o chefe do crime em Forcella, região central de Nápoles. No processo, ele arregimenta seus quadros entre os colegas adolescentes de apelidos estranhos – Dentino, Lollipop, Drone, Biscottino... Nem por isso são menos violentos e cruéis que os veteranos da Máfia local: o método de Nicolas inclui intimidação, roubos violentos e execuções a sangue-frio.

Já nas primeiras páginas do romance, Nicolas e seus amigos castigam de forma asquerosa um certo Renatino, por ele ter dado likes na página de sua namorada. Tanto quanto as armas e drogas, aliás, o Facebook, o Whatsapp, o Twitter e outras plataformas virtuais são parte da rotina desses jovens – que, no controle dos mercados de cocaína e outras drogas ilícitas, chegam a ganhar 200 mil dólares por semana. Com a irresponsabilidade típica da juventude, Nicolas e seus amigos gostam de exibir nas redes sociais o dinheiro e poder que acumulam. Eles preferem deixar pistas para a polícia a não estar no Facebook: dinheiro, seguidores e aparência são suas prioridades.

Um tema secundário do romance é a crise da autoridade familiar. Os pais aceitam a súbita ascensão social dos filhos com um misto de resignação e interesse, diante do dinheiro que eles começam a colocar dentro de casa. É um mundo sem adultos, sem Estado, sem instituições.

“Os meninos de Nápoles” foi acusado de glamurizar a vida dos jovens delinquentes, mas seu problema principal não é este. A meio caminho entre a ficção e o comentário sociológico, cada episódio dramático é longamente preparado por explicações sobre as guerras entre gangues locais e reflexões sobre os valores da cultura napolitana. Por um lado, é interessante o registro de que, apesar de cruel e violento, Nicolas respeita a virgindade da namorada. Ou que a lei do silêncio é tão respeitada em Nápoles que um homem se nega a dar informações sobre o assassino de seu próprio filho. Mas, como a narrativa se constrói em duas camadas – a ação dramática propriamente dita e o comentário feito por Saviano – muitas vezes episódios e personagens parecem meras "escadas" para o autor expor seu conhecimento sobre os bastidores da Máfia. O livro é perturbador, mas não há um arco narrativo claro: apenas instantâneos de uma geração perdida. A preocupação, por assim dizer, sociológica prevalece sobre os recursos propriamente ficcionais do autor.

Triste é saber que processos semelhantes ao retratado no romance estão em curso neste exato momento, na periferia de muitas metrópoles, incluindo Rio de Janeiro e São Paulo – onde garotos de 14 e 15 anos estão matando garotos de 17 e 18, na disputa pela ocupação de posições de comando no tráfico. Como declarou Saviano em uma entrevista recente, a escolha que se coloca para esses jovens é entre uma vida longa na pobreza e uma vida curta com dinheiro e poder: “Eles têm pressa, porque sabem que vão morrer cedo. Mas morrer aos 20 anos, para eles, é morrer como uma lenda”.

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