Uma 'ola' pela metade no país do não-futebol
Quando se nasce no lugar unanimemente conhecido como “o” país do futebol que, por precisos 64 anos, amargou a espera para de novo sediar uma Copa do Mundo – esta que vem sendo apontada por muitos como uma das melhores de todos os tempos –, mas, por um acaso do destino, nesta mesma ocasião, você se encontra num dos poucos países em que o esporte bretão não é soberano ou popular, o único consolo possível é encontrar um bar com cerveja, comida e TV decentes para assistir aos jogos do Brasil com o mínimo de dignidade.
E foi justo isso que fiz quando, por volta de meio-dia, adentrei o Golden Gate Bar, bem no centro de São Francisco, certo de que o local deve conhecer dias mais gloriosos durante as temporadas da NBA ou da NFL.
Sendo um pouco mais específico, numa casa que, seguramente, comporta umas 150 pessoas, havia 17 (eu contei), sendo 10 mexicanos, 4 brasileiros (já me incluindo), e 3 americanos, sem considerar, é claro, o staff do bar, pra não contaminar a amostragem estatística. Pouco antes de a partida começar, assim como no Castelão, as torcidas rivais buscaram formar seus redutos em sofás opostos; do nosso lado, infelizmente, o contingente não era promissor, pois, para apoiar a seleção canarinho, havia apenas eu, um rapaz que estuda por aqui, a mãe, que provavelmente veio visitá-lo, e um senhor careca e conversador que, pelo sotaque, nem brasileiro era.
Bola rolando e já se via que o negócio ia ser tenso: angustiado, eu jogava ao vento comentários do tipo “não adianta cruzar, tem que entrar na área com a bola dominada” ou “o que que cê tá fazendo aí, Marcelo? Volta!”, e a mãe do estudante retrucava com máximas típicas de quem só assiste a futebol de 4 em 4 anos, tais como “tem que correr mais, pessoal” ou “misericórdia, assim não sai gol nenhum”. O estudante parecia mais interessado em ligar pros amigos no Brasil para bater papo e, eventualmente, comentar um ou outro lance do jogo, enquanto o senhor careca, de maneira acintosa, tentava se engraçar pra cima da mãe dele.
Na trincheira inimiga, gritinhos coordenados com palmas ritmadas e tentativas tímidas de fazer uma “ola”, que, por falta de quórum, nunca passava do meio do sofá, parando sempre no quarto ou quinto cara. Lá pelas tantas, ainda no primeiro tempo, o jogo esquentou e o curioso foi notar que a nossa torcida se exaltava com os lances ofensivos, enquanto os mexicanos vibravam mesmo quando a defesa deles fazia seu papel. Quanto aos americanos presentes, a sensação era a de que assistiam a um daqueles programas do National Geographic, afinal, as reações daqueles latinos tresloucados e apaixonados por futebol lhes pareciam tão pitorescas e engraçadas que o que se dava em campo não tinha de fato nenhuma relevância.
No canto superior da tela, o tempo corria impiedoso contra o anfitrião da Copa, sem dúvida um dos times favoritos que, àquela altura, já dava pinta de que iria tropeçar logo no segundo degrau da competição. Nessas horas, meus amigos, confesso que faz falta um Galvão içando nosso patriotismo lá do fundo do poço, mantendo acesa a chama da esperança de um golzinho que seja, nos lembrando de que “tem que ser com sofrimento”, ou mesmo perguntando ao Arnaldo César Coelho por que quando o juiz dá 1 minuto de acréscimo no primeiro tempo, dá 3 no segundo (não sei se dessa vez ele chegou a tecer esse comentário, mas reparem que foi o que realmente aconteceu).
O 0 a 0 persistia no placar e a vaca estava irremediavelmente condenada ao brejo, mas pelo menos foi bonito ver nossa canhestra e famigerada torcida toda de pé unida em frente ao telão, lamentando a má sorte por uma daquelas 15 bolas que deveriam ter entrado, mas não entraram porque havia um polvo cabeludo debaixo da trave deles. Saldo final? O telão pareceu pequeno, a comida insossa, a cerveja cara e não tão gelada, e a seleção um pouco mais distante do sonho do hexa. Como se não bastasse a celebração dos mexicanos que estavam no bar, no caminho de volta pra casa, ainda foi preciso aguentar a zoação do lutador mascarado. Reconheçamos que, se este jogo soou como um luta para os brasileiros, para nossos adversários, o empate teve sabor de vitória.