Solidão a cabo
Prezado Sr. Técnico da TV a cabo,
Meu nome é Bruno Medina, mas, por favor, não se dê ao trabalho de tentar lembrar de mim, porque a verdade é que nunca tivemos a oportunidade de nos conhecer. Para encurtar bastante o enredo, sou um dos clientes em quem você deu bolo hoje. Ontem à noite, liguei para a empresa em que você trabalha e solicitei uma visita técnica à minha casa, visto que tanto o sinal da internet como o da TV foram abruptamente interrompidos. Apesar de toda solicitude e simpatia demonstradas pela Simone, a moça que me atendeu , sou obrigado a admitir que fiquei mesmo, digamos, um tanto exaltado com a notícia que recebi dela, de que meu problema seria resolvido em algum momento entre 9h e 18h.
Como você há de convir, hoje em dia é um privilégio para muito poucos dispor de tanto tempo para esperar pelo que quer que seja, mesmo o nascimento de um filho – basta constatar a quantidade de cesarianas que são feitas por aí. Então imagine, caro Sr. Técnico da TV a cabo, com qual estado de espírito eu não aguardei sua chegada. Para você ter uma ideia, como eu moro numa casa relativamente grande, nas três primeiras horas, minha preocupação era apenas a de não me envolver em nenhuma atividade que me impedisse de ouvir a campainha. Sendo assim, passei toda a manhã sentado no sofá da sala, à exceção de quando me levantava para dar uma espiada pela janela, como faz uma criança que tenta prever a aproximação de seu oponente enquanto brinca de pique-esconde.
Eu até sei o que você vai dizer em defesa própria, ‘é tudo culpa do sistema’: a empresa, em sua incessante busca por lucro, marca mais visitas do que os técnicos conseguem dar conta, bastando um mísero contratempo, um adaptador que veio com defeito de fabricação, um cabo que entalou no conduíte, um sinal que teima em não estabilizar, para que a grade de horários caia como uma fileira de dominós. Eventualidades ocorrem nas melhores famílias, claro, mas, responda com sinceridade, custava me passar um status? Dar uma ligada e dizer algo do tipo: ‘campeão, aqui é o Emerson, técnico da TV a cabo. Só pra avisar que o bicho tá pegando e vou atrasar com certeza. Se bobear, nem vou passar aí, mas, se eu conseguir me desenrolar aqui, deve ser lá pra depois das quatro’.
Como você bem deve saber, para a empresa em que você trabalha, oficialmente, o atraso só se configura após decorridas todas as nove horas do prazo estipulado. Repare que apenas você tem a possibilidade de antever a situação e que, portanto, há algo de sórdido em permitir que alguém o espere chegar a qualquer instante ao longo de todo esse tempo. Pior ainda é, ao final, constatar que além de ter perdido um dia em vão, o problema também não foi resolvido.
Já que não podia sair de casa, assistir TV ou acessar a internet, lá pela quinta ou sexta hora de espera, conclui que uma maneira eficiente de atenuar a expectativa em função da sua chegada era me dedicar a atividades produtivas, tais como arrumar gavetas, separar roupas para doar, cortar as unhas do pé, ligar para alguns amigos, ler um livro, ouvir música e tocar piano (neste momento eu realmente estava me lixando para a campainha). E quando não havia mais nada que eu quisesse ou precisasse fazer, me pus simplesmente a pensar sobre a deplorável condição de dependência tecnológica que nos assola, ao ponto de alguém como eu aceitar se submeter a um dia inteiro de prisão domiciliar apenas para não ficar mais um dia sem TV e internet. Pelo visto, hoje à noite também você não me dará outra alternativa senão passar mais tempo com meus próprios pensamentos. E quanto a isso, Sr. Técnico da TV a cabo, só tenho uma coisa a dizer: muito obrigado!