Ouro negro
“Se você gosta de chocolate, temos uma notícia ruim para te dar”, era o que dizia a manchete compartilhada mais cedo por uma amiga no Facebook. Assim como deve ter feito a imensa maioria dos amigos dela – afinal, existe alguém que de fato não goste de chocolate? –, cliquei no link, na expectativa de mais uma vez me deparar com algum desses artigos científicos que escolhem randomicamente um alimento para eleger como inimigo número 1 da saúde. Aumento anormal do fígado, distúrbios psicológicos irreversíveis, crescimento de seios em homens e barba em mulheres, eu considerava estar preparado para o que quer que fosse. Ledo engano.
Muito além dos costumeiros malefícios associáveis ao consumo excessivo do alimento milenar, concebido pela Civilização Maia e popularizado na Europa por Cristóvão Colombo, o artigo do jornal britânico "The Independent" trazia uma tenebrosa informação que nem o mais pessimista dos chocólatras seria capaz de imaginar: está prevista para 2020 uma potencial escassez de chocolate em nível mundial. É isso mesmo que você acabou de ler, caro amigo: enquanto o crescimento econômico dos mercados asiáticos não para de introduzir novos membros no já extenso contingente de consumidores do produto, as fazendas de cultivo de cacau simplesmente não conseguem dar vazão ao nosso apetite voraz.
Se as coisas continuarem caminhando nessa direção, de acordo com especialistas, as barras de chocolate do futuro terão tão pouco cacau em sua fórmula que nada restará de familiar em relação ao alimento que hoje conhecemos e, desde pequenos, aprendemos a amar. Ainda segundo eles, dentro de 20 anos, o chocolate será tão caro quanto o caviar. Bem, se esse cenário apocalíptico de fato se cumprir, imaginem como viver num mundo sem brigadeiro, chocolate quente e ovo de páscoa, em que a melhor recompensa após a prova difícil será saborear uma barra de gergelim e casais apaixonados se presentearão com caixas de biscoitos integrais, ou em que crises de baixa-estima serão curadas à base de sorvete de limão?
Mas não para por aí. Posso antever uma crise humanitária sem precedentes na Bélgica e na Suíça, a multiplicação exponencial de centros de tratamento e adesivos de cacau como únicos instrumentos de combate à dependência química, quadrilhas especializadas em roubo de tabletes de chocolate e a música homônima de Tim Maia sendo reclassificada como apologia ao crime, crianças que nunca rasparam o dedo na calda do bolo ou sequer tiveram uma dor de barriga de verdade!
E quando a população do planeta estiver absorta na mais profunda depressão, tendo os índices de dopamina mais baixos que a segunda cota do volume morto do Sistema Cantareira, como medida profilática, essências de chocolate produzidas artificialmente em laboratório serão borrifadas nos sistemas de refrigeração dos metrôs das grandes cidades, onde também haverá exibições públicas de filmes como “A Fantástica Fábrica de Chocolates” e “O Diário de Bridget Jones”. Ao ver Renée Zellweger afogar as mágoas do amor não correspondido num pote de sorvete de chocolate, os espectadores também se debulharão em lágrimas, num misto de tristeza e saudade daquele gosto mágico do qual seus paladares mal se recordam.
Confesso que essa perspectiva me deixou à beira do desespero, sobretudo devido à consciência pesada por minha inquestionável contribuição ao longo de todos esses anos para a suposta escassez do cacau. A vontade agora seria chafurdar numa caixa recheada de bombons, mas a prudência me sugere outra coisa: começar já a fazer um estoque para os dias mais difíceis que possivelmente estão por vir.
*Foto: Ruan Melo/G1