Lápide - fim do Orkut
No início desta semana, a internet brasileira sucumbiu a um clamor generalizado que se evidenciou através de centenas de milhares de manifestações de alívio e pesar, relacionadas ao derradeiro suspiro de um antigo e controverso conhecido, este que atendia pela pitoresca alcunha de Orkut. Como muitos devem saber, na terça (30), após 10 anos no ar, o site que a partir de 2008 passou a ser controlado pelo Google encerrou definitivamente suas atividades, deixando órfãos uma legião de entusiastas que, apesar dos consecutivos avisos, negaram-se a deixar o navio, mesmo sabendo que ele estava fadado a afundar.
 
Por mais que ainda pudesse despertar a paixão de um séquito fiel, a bala de prata que atingiu em cheio o coração do Orkut representou na prática tão somente um tiro de misericórdia, visto que há muito encontrava-se numa rota irreversível de decadência que acabou por inviabilizar seu custo operacional. Diante da frieza incontestável dos números, muitos se perguntam o porquê de tanto chororô, afinal o que verdadeiramente sentenciou o site à morte foi o fato dele, ao longo dos anos, ter sido abandonado pela imensa maioria de seus usuários.
 
Apesar dos pesares, é preciso reconhecer o legado deste que foi o grande responsável por apresentar aos internautas tupiniquins o real significado da expressão ‘conectividade’. Mais do que isso, o Orkut foi a porta de entrada no mundo virtual para milhões de brasileiros, exercendo a função de desmistificar conceitos e funcionalidades que até hoje vigoram nas principais redes sociais existentes, as mesmas para as quais provavelmente serviu como inspiração.
 
Difícil compreender como uma trajetória tão promissora pode ter se encerrado de forma tão trágica, a ponto de, apenas no período entre 2010 e 2013, o site ter perdido 95,6% de seus visitantes regulares. As explicações para uma debandada nestas proporções são diversas, e vão desde a falta de comprometimento do Google com a identidade visual e as atualizações necessárias para adequar o Orkut às transformações sociais ocorridas até a negligência em relação à enxurrada de perfis falsos que aniquilaram por completo a credibilidade da rede.
 
Também não se pode esquecer das incontáveis comunidades inúteis com nomes sem sentido (até que era engraçado, vai...), da falta de privacidade dos comentários postados nos murais, das fotos com cadeados – que impediam fuçar a vida alheia – e, é claro, da endêmica propagação de gifs animados que combinavam buquês de flores ou filhotes fofinhos com mensagens de autoajuda, o que, com certeza, pode ser apontado como uma das principais causas do ‘orkuticídio’ em massa.  
 
Impossível, no entanto, lembrar de tudo isso sem ser tomado por um retumbante sentimento de nostalgia, não exatamente da rede em si, mas de tantos momentos significativos que vivemos através dela. A verdade, meus amigos, é que nunca seremos tão felizes como fomos no Orkut. Apesar da sua evidente inadequação ao mundo atual, o site era como uma camiseta antiga e puída que mora no fundo da gaveta, aquela que, sabemos, nunca mais será usada, nem como pijama, mas que ainda assim precisa permanecer ali, porque cumpre o papel de nos lembrar de quem um dia fomos.
 
Foi o Orkut que nos permitiu viver a ilusão da conectividade sem fronteiras, quer fossem colegas do jardim de infância, primos de 3º grau ou astros da TV, estes que compunham a valorosa lista dos ‘mais de mil amigos’. Foi lá, também, que muitos comemoraram a aprovação no vestibular, o primeiro emprego, começaram a namorar seus atuais esposas e maridos, e, mais tarde, postaram as fotos do nascimento de seus filhos. O apagar das luzes do site decreta o fim de uma era de descobertas e experimentações, onde havia mais espontaneidade e menos regras de conduta e tudo estava por ser definido. Ainda que resista a impressão de que ali jaziam apenas scraps inocentes e fotos que hoje nos causariam estranheza e constrangimento, fato é que em seus acervos estava registrada uma parte importante de nossas vidas.
 
De certa modo, junto com o Orkut se despede, também, um pedacinho de nós mesmos.

*Foto/montagem: Bruno Medina