Na hora certa?
Após as já habituais doses cavalares de suspense, ontem teve fim, enfim, o martírio dos aficionados por tecnologia: em seu tradicional evento anual de lançamento – agora liderado por Tim Cook – a Apple apresentou ao mundo o aguardadíssimo Apple Watch, espécie de “computador de pulso” que marca o debut da empresa fundada por Steve Jobs na seara dos wearable devices (os equipamentos que vestimos). Nessa recriação, digamos, pós-modernista, a clássica e simplória concepção vislumbrada por Santos Dumont, de um marcador do tempo que pudesse ser carregado no braço em vez de no bolso, e que se manteve praticamente inalterada desde 1904, como não poderia deixar de ser, foi em muito superada.
Isso porque, além de mostrar as horas, o Apple Watch permite receber e responder a mensagens, ouvir músicas, visualizar mapas e calendários, atender ligações telefônicas, acompanhar a previsão do tempo, entre outros aspectos que também o transformam no companheiro ideal para quem gosta de praticar exercícios. Como pontos fracos, podem ser citados os emoticons animados – e horrendos – e a estranha funcionalidade que permite compartilhar seus batimentos cardíacos com alguém. A não ser que haja suspeita de infarto, não vejo muito porque alguém iria querer usar isso...
A partir do início de 2015, o dispositivo poderá ser encontrado nas lojas em 3 versões: a tradicional, a esportiva, com pulseiras de cores extravagantes e mais resistentes, e a Watch Edition, em ouro 18 quilates e direcionada a um público mais sofisticado. Merece destaque a opção dos designers da Apple por incorporar o botão giratório lateral – comumente encontrado nos modelos de pulso analógicos – como a principal interface de controle do gadget, comprovando a máxima que diz que modernidade é estar um passo a frente ou dois atrás.
Curioso, no entanto, é notar a perspicaz estratégia comercial evidenciada no evento de ontem, quando foram lançados, numa mesma ocasião, o Apple Watch, dispositivo portátil que na prática elimina a necessidade de se puxar o telefone do bolso, e o iPhone 6 Plus, com seu display de 5,5 polegadas, que, de tão grande, basicamente não cabe em bolso algum. De certo modo, eis que aí está uma dupla perfeita (e um promissor case de venda casada).
A partir das primeiras resenhas disponibilizadas online, é possível afirmar que o mercado foi, de maneira geral, receptivo à chegada do Apple Watch, com especial destaque para o fato dele ter sido considerado bem mais bonito do que seus concorrentes diretos, muito embora haja rumores de que seu design foi, na verdade, inspirado no relógio dos Power Rangers.
Aqui em casa, ao contrário, pairou no ar uma certa decepção, motivada pela sensação de retrocesso, uma vez que, há muitos anos, optei por deixar de usar relógios justo ao ter me dado conta de que os telefones podiam exercer a mesma função sem que eu tivesse que carregar constantemente um objeto amarrado no pulso. Pelo visto, não sou só eu que penso assim, afinal o próprio Steve Wozniak, co-fundador da Apple, revelou em recente entrevista seu ceticismo a respeito das pessoas quererem de fato comprar smartwatches. Soma-se a isso a falta de detalhes quanto à duração da bateria o que, de acordo com especialistas, sem dúvida indica que a autonomia não é lá essas coisas.
No mais, fica a impressão de que o Apple Watch nada mais é do que o bom e velho iPhone, só que em versão menorzinha – o que pode ser conferido a partir dos incontáveis memes que já circulam por aí – e só confirma a determinação da marca de testar a capacidade de seus fiéis entusiastas comprarem o mesmo produto repetidas vezes, contanto que este sempre venha em tamanhos e formatos diferentes.
Seguindo a estratégia, para 2015 as apostas são de que, depois do relógio de pulso, a Apple irá ressuscitar o pager. A conferir.
* Fotos: Divulgação/Apple; Reprodução