Engrossando as estatísticas
O dia que eu temia, enfim, chegou: após 3 décadas e meia praticando uma dieta relativamente saudável, porém sem restrições, eis que me vejo pela primeira vez na vida na indigesta situação de precisar controlar o peso, ou, em versão um pouco mais direta, de ter que fechar a boca. Confesso que esta é uma condição bastante inusitada para mim, uma vez que passei boa parte da infância e da adolescência sendo um fiapo humano e, portanto, constantemente estimulado pela família a "ganhar corpo", de forma que só lá por volta dos 25 anos me ocorreu que não convinha comer tudo que me dava na veneta.
Agora percebo que é justo aí que muita gente se estrepa. Ter passado mais da metade da minha existência pensando que estava predestinado a ser magro para sempre me transformou na cigarra que prefere tocar seu violino e zombar da determinação da formiga a considerar a possibilidade de um revés em sua sorte. Pois, assim como na fábula, o inverno demorou, mas também me alcançou.
Tudo começa com a desconfiança de que a blusa predileta já não veste tão bem, depois, vem aquela calça, que há 6 meses até precisava de cinto, mas que hoje só fecha prendendo a respiração. A última trombeta do apocalipse se materializa através do eufemismo presente no comentário de amigos e parentes, para os quais seu rosto parece "mais cheinho", o que nos conduz inevitavelmente à balança e à sensação de horror ao nos depararmos com um número que nunca antes havia estado ali.
Como consolo, posso considerar que não estou só, aliás, muito pelo contrário. De acordo com estatísticas oficiais, atualmente quase 51% da população brasileira encontra-se acima de seu peso ideal, o que nos leva à surpreendente condição de maioria e à consequente constatação de que, de acordo com esta lógica, não seria errado afirmar que o normal mesmo é estar gordinho. Reforça a teoria a quantidade de artigos que resultam de uma breve pesquisa na web sobre programas alimentares. Sendo sincero, a impressão é a de que a humanidade dedicou mais tempo e esforço à criação e registro de dietas e receitas voltadas para quem deseja emagrecer do que ao advento da ciência.
É tanta loucura que se vê por aí que nem surpreende a polêmica em torno do livro “O peso das dietas”, lançado em dezembro pela nutricionista Sophie Deram. De acordo com a doutora em endocrinologia e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), as dietas só funcionam mesmo no início, sendo que cerca de 95% das pessoas que se submetem a elas, cedo ou tarde, acabam voltando ao peso original. Isso acontece porque o cérebro interpreta a restrição súbita na alimentação como uma ameaça iminente e reage retendo ainda mais gordura. É preciso reconhecer que a tese faz bastante sentido...
Opa, peraí! Reparem como os dois parágrafos anteriores não deixam dúvidas quanto ao fato de toda a minha argumentação poder ser classificada como o bom e velho papo de gordinho: "Somos maioria", "o normal é ser assim", "tentar emagrecer na verdade engorda". Em suma, muita desculpinha e pouca atitude. Mas isso há de mudar! Deus é testemunha que, de hoje em diante, os excessos ficarão no passado, e que me dedicarei com afinco à uma rotina de alimentação saudável e prática regular de exercícios, no mínimo até que essa pochete com 5kg de banha afivelada na minha cintura desapareça em definitivo. Porque, vamos ser realistas, a ambição de ninguém aqui é ter barriga tanquinho, apenas recuperar um pouco da dignidade – e algumas peças do guarda-roupa.
Tendo a meta sido atingida, a gente relaxa e aceita, claro, mais uma vez, engrossar as estatísticas.
Imagem: montagem Bruno Medina