instante posterior

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Foi durante a dramática disputa de pênaltis entre Brasil e Chile que eles se olharam pela primeira vez; a má sorte de Hulk na cobrança – caprichosamente rebatida com os pés pelo goleiro andino – levou-o às lágrimas, afinal, o lance pintava em tenebrosas e verossímeis cores o pesadelo que seria testemunhar a seleção cair de joelhos dentro de sua própria casa, uma pá de cal precoce e definitiva no sonho do hexa.
 
Pousar a mão no ombro de um desconhecido em desespero foi, sobretudo, um ato reflexo de compaixão, retribuído de imediato por ele com um afago, em sinal de agradecimento. Quando deram por si, ainda tinham as mãos unidas na cobrança que Pinilla desperdiçou na trave, e então abraçaram-se longamente para comemorar a classificação e afastar de vez o imponderável: o Brasil seguia vivo na competição.
 
Apesar do acaso ter lhes colocado lado a lado na arquibancada, os caminhos que os levaram ao Mineirão eram muito distintos: ele cumprira sozinho e de ônibus os quase 1.000 Km que separam o interior do Mato Grosso do Sul da capital mineira, a fim de fazer valer o prêmio que ganhara num sorteio realizado pela rádio de sua cidade natal. Ela veio de São Paulo acompanhada por duas amigas, usufruindo dos ingressos ofertados pela agência de publicidade que presta serviços à empresa do pai.
 
Após o jogo, ele pretendia, quem sabe, conhecer a Fan Fest, comer um lanche e fazer o trajeto de volta. Ela havia combinado de mais tarde aparecer na boate de um amigo de suas amigas, ia ter bebida liberada e coxinha de ossobuco. Ainda na rampa de acesso do estádio, no entanto, o primeiro beijo tornou evidente que precisavam traçar um novo plano. Dali em diante, para onde quer que fossem, estariam juntos. Não levou mais do que um minuto para que decidissem se espremer num ônibus lotado, que mais parecia uma festa de réveillon sobre rodas, rumo à rodoviária. Destino? Rio de Janeiro.
 
Chegaram com o dia amanhecendo e foram direto para Copacabana, porque ele nunca tinha visto o mar. Tomaram café da manhã num quiosque, enquanto narravam a um grupo de uruguaios bêbados a aventura que viviam. Por insistência dos presentes, casaram-se ali mesmo, improvisando uma rosca de polvilho como aliança, mas a lua-de-mel nem chegou a ser consumada, visto que ele foi intimado a completar o time dos países africanos na pelada prestes a começar.
 
Envolvida com a partida, ela nem se deu conta de que comera a aliança de tanta aflição, para deleite de sua nova confidente, uma mulher de burca preta que também torcia pelo marido e ria de tudo, muito embora provavelmente não estivesse entendendo nada do que lhe era dito. Da praia, foram para o Pão de Açúcar, mas desistiram de subir porque a fila do bondinho estava grande demais. Almoçaram por ali mesmo, na mureta do Bar Urca, emoldurados por um pôr-do-sol rosa e alaranjado.
 
Por mais que hesitassem abordar o assunto, àquela altura ambos sabiam que era preciso pensar um pouco mais a diante. Ela sugeriu que comprassem roupas limpas e pegassem um hotel, mas ele alegou que o dinheiro estava contado para comprar a passagem de volta. No mesmo instante, uma amiga dela mandou uma mensagem dizendo que havia conseguido ingressos para o jogo no Castelão. Ela perguntou se ele não gostaria de ir junto, disse que não se incomodaria em pagar, mas ele respondeu que não se sentiria confortável com a situação.
 
Olharam-se nos olhos e sorriram emocionados, porque sabiam que ali terminavam suas bodas de polvilho.