A Caixa de Pandora
No último sábado, enquanto buscava através da janela do restaurante alguma distração que me ajudasse a atenuar a demora do prato que havia pedido, me deparei com uma pitoresca visão, daquelas que costumam escapar aos olhos menos atentos na correria do dia a dia. Eis que numa movimentada esquina do bairro do Jardim Botânico, lá estava, bem em frente a minha mesa, em toda a sua nostálgica imponência azul e amarela, uma caixa de coleta dos Correios.
Apesar de ter absoluta certeza de que aquele nada discreto objeto já se encontrava há muito tempo no preciso lugar em que o avistei – quiçá desde os idos em que o Xou da Xuxa era gravado ali perto – eu, que por tantas vezes sentei naquela mesmíssima mesa, fui surpreendido pela constatação de que não só nunca havia notado sua presença como, de certa forma, havia também apagado da minha mente qualquer registro relacionado à existência de uma caixa de coleta dos Correios. Para me manter fiel à lembrança do Xou da Xuxa, o sentimento despertado pelo inusitado encontro remeteu a não avistar o Geninho mal camuflado num arbusto bem no centro da tela, no desafio pelo qual todas as crianças aguardavam ansiosamente no encerramento do desenho da She-Ra.
Talvez, menos provável do que conceber a existência do Planeta Ethéria – onde a irmã de He-Man se locomovia montada num unicórnio alado e tinha como confidente uma coruja que falava e voava balançado orelhas gigantescas com as cores do arco-íris – seja supor que hoje em dia ainda existe alguém que se preste a depositar uma carta na tal caixa. Basta pensar que, para alcançar seu destino final, a correspondência precisa estar selada (sim, aparentemente ainda há quem possua um estoque de selos em casa) e ser recolhida pelo carteiro (sabe-se Deus com que periodicidade), que possui uma chave específica daquela caixa, para só então ser levada à agência, e de lá, enfim, despachada.
Sem querer passar a impressão de ser um intransigente defensor da hegemonia tecnológica, dada a relativa complexidade do processo se comparado às atuais alternativas existentes de comunicação entre pessoas, seria até natural conceber a sobrevivência das caixas em contextos adversos, tais como cidades muito pequenas ou povoados encrustados em meio à Floresta Amazônica, mas este certamente não é o contexto em que se inserem os moradores e frequentadores da Rua Maria Angélica. Uma breve pesquisa no Google feita antes do almoço (o prato realmente demorou a vir) indicou o óbvio: as caixas de coleta de fato estão se tornando obsoletas Brasil afora e têm sido pouco a pouco descontinuadas pelos Correios.
Assim sendo, não pude deixar de refletir sobre o quão desestimulante pode ser a rotina do sujeito incumbido de checar o que nelas é depositado; reparem que seu trabalho é muito semelhante a participar do extinto programa Porta da Esperança, afinal, devem ser consideráveis as chances de retornar para a central com as mãos abanando após um dia inteiro na rua: “Querido, como foi seu dia?” “Hoje o bagulho foi bem loco, na oitava caixa que abri tinham 2 cartas, e eram de remetentes distintos!”.
A necessidade destes profissionais lidarem constantemente com a frustração me leva a cogitar se nos centros de treinamento dos Correios, aqueles onde gostamos de pensar que existem muros cenográficos e cachorros ciborgues para testar as habilidades físicas dos candidatos a carteiros, já não existem grupos de apoio orientados a reforçar a autoestima dos que têm como ofício a incessante busca por algo que quase nunca encontram. Posso até imaginar como devem ser as sessões: “Boa tarde pessoal, bem-vindos ao grupo de apoio dos coletores de caixas! Antes de começar, gostaria de fazer uma pergunta: quem aí quando criança gostava de procurar o Geninho no desenho da She-Ra?”