Tom YorkAconteceu outra vez. Após sacudir os alicerces da indústria fonográfica em 2007 com a improvável ideia de perguntar aos fãs quanto queriam pagar pelo novo disco de sua banda (Radiohead), Thom Yorke deu, de novo, o ar de sua subversiva graça. Agora, no entanto, a proposta é um pouco diferente, mas equivalente em termos de ousadia: cobrar um preço relativamente baixo por algo que sempre foi de graça.

Semana passada, na ocasião do lançamento de seu segundo disco solo, “Tomorrow’s Modern Boxes”, Yorke intrigou seu público e a imprensa especializada ao anunciar que as 8 músicas do trabalho seriam disponibilizadas a partir de arquivos torrent, que podem ser baixados de maneira oficial por aqueles que se dispuserem a pagar U$6 pelo combo que inclui ainda um videoclipe.

Em comunicado que divulgou no último dia 26, o líder do Radiohead referiu-se à iniciativa como “um experimento para ver se a mecânica do sistema é algo com que o grande público consegue lidar” e que “se funcionar bem, esse pode ser um meio eficiente de dar às pessoas que produzem conteúdos criativos na internet alguma autonomia sobre seus trabalhos, transpassando os autointitulados guardiões dos portões”, numa clara alusão a iTunes e Spotify, alvos constantes de seus ataques.

Quanto a este último especificamente, em recente entrevista, Yorke definiu-o como “o último peido de um cadáver em putrefação”, declaração que por si só justifica seu empenho em desenvolver métodos alternativos de distribuição que libertem a classe artística das garras dos poderosos intermediadores de conteúdo. Interessante observar como neste caso a lógica se inverteu, ou seja, um artista do mainstream legitimou uma prática que sempre flertou com a ilegalidade, afinal, para quem não se lembra, o modelo de compartilhamento via torrent foi introduzido em 1999 pelo Napster como uma forma de permitir que pessoas trocassem músicas online gratuitamente entre si.

A única razão que explica um sistema como este ainda estar de pé depois de 15 anos, a despeito do combate implacável de gravadoras, estúdios cinematográficos e emissoras de TV, reside numa brecha legal: ao baixar arquivos torrent, em teoria, os usuário não cometem qualquer violação de direitos autorais, visto que compartilham apenas fragmentos das obras, reunidos para execução como peças de um grande quebra-cabeças pelos chamados BitTorrents clients.

Se em 2007 a coragem de confrontar o secular sistema de comercialização de fonogramas rendeu ao Radiohead um total de 3 milhões de cópias vendidas de “In Rainbows” (somados downloads, CDs e LPs) e uma receita de aproximadamente US$ 6,5 milhões – números bem mais expressivos do que os alcançados com “Hail to the thief”, álbum anterior da banda, ofertado apenas em formato físico –, quem se atreveria a questionar, em 2014, as chances de sucesso de sua inusitada proposta? A bem da verdade, em menos de 2 semanas, “Tomorrow’s Modern Boxes” já foi baixado 1,2 milhões de vezes, o que pode ser considerado como um resultado mais do que promissor.

Como não poderia deixar de ser, no mesmo dia em que foi lançado, o disco já podia ser obtido também de modo, digamos, menos lícito no site Pirate Bay. Então por que as pessoas escolheriam pagar US$ 6 pelo mesmíssimo produto (um arquivo torrent) que conseguem obter com facilidade de graça? A resposta para esta pergunta pode apontar nada menos do que o futuro da indústria musical.

Independente do resultado a ser obtido por seu experimento, não há como negar que Yorke caminha na direção certa ao procurar compreender e se adaptar às inevitáveis transformações ocorridas no padrão de consumo de entretenimento durante a última década, estas mesmas que os grandes produtores de conteúdo preferem continuar empurrando para baixo do tapete. Ainda que sua cruzada recheada de simbolismos à altura do épico “Davi e Golias” não resulte numa ruptura completa do atual modelo, possui, ao menos, o mérito de deixar o bode na sala.

*Foto: Divulgação