Padrão BRASIL
Dentro das arenas, uma enxurrada de gols – a melhor média desde o mítico Mundial de 82, hegemonia do futebol latino-americano frente aos precocemente eliminados campeões europeus, arquibancadas apinhadas mesmo em jogos pouco expressivos (e o melhor, sem vuvuzelas!), japoneses catando o próprio lixo ao sair, comemorações criativas que se transformam em "memes" instantâneos, Neymar inspirado, chapéu, gol de letra, gol contra, gol de peixinho, frangaço e até mordida.
Fora das arenas, o maior evento em mídias sociais da história, número de ocorrências policiais abaixo das expectativas, brasileiros que se passam por estrangeiros para se darem bem com a mulherada, caravana de motor homes (com direito a churrasco e altinho argentino nas areias de Copacabana), jogadores nigerianos dando um tapa no visual na barbearia do posto de gasolina, banda da Polícia Militar tocando com holandeses bêbados, porteiro compartilhando a TV do hall de entrada do prédio com chilenos sem ingresso na calçada, e muito mais.
A nós, que enchíamos a boca para disparar o autodepreciativo bordão “imagina na Copa”, a materialização do que Nelson Rodrigues sabiamente definiu como complexo de vira-lata – “o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”-, resta apenas reconhecer que, até agora, o balanço do evento não só é positivo como supera em muito as expectativas. Ora, se não temos transporte público ou sinalização urbana eficientes, ao menos existe sempre alguém por perto disposto a socorrer um gringo confuso; se as estruturas dos estádios e aeroportos ficaram aquém do desejado, com algum jogo de cintura, os obstáculos têm sido contornados sem comprometer a experiência do visitante; se há filas, burocracia, falta de planejamento ou de informação, há também sorrisos e boa vontade para atenuar o desconforto causado.
Sim, é bem verdade que o tal "padrão FIFA" – esta espécie de bicho-papão nutrido pela descrença generalizada em nossa capacidade de sediar uma Copa do Mundo que, ao longo dos últimos anos, açoitou o sonho de pertencer à elite das nações – nem chegou perto de ser atingido, mas, ainda assim, quem parece de fato estar se importando com isso? De acordo com boa parte da imprensa internacional, a despeito de todas as reconhecíveis falhas na organização, dos bilhões superfaturados e dos justificáveis protestos, esta tem tudo para ser a melhor de todas as Copas, e não duvidem que isso se deve única e exclusivamente ao povo brasileiro.
Ainda que sem saber, como, aliás, é característico do nosso complexo de vira-lata, é possível que neste exato momento estejamos ensinando ao mundo uma valorosa lição: a de que uma grande Copa não se faz apenas com metrôs que chegam à porta de estádios e aeroportos que funcionam com a precisão de relógios suíços, mas sim com alegria, cordialidade e uma boa dose de improviso. Afinal, é ou não é esse jeitão de primeiro convidado a desatar o nó na gravata e ficar descalço no casamento, em outras palavras, o lado bom do famigerado jeitinho brasileiro, o que tem feito realmente a diferença?
Pois que daqui em diante, ao invés de Padrão FIFA, os preparativos para as próximas Copas sejam orientados pelo Padrão BRASIL: para começar, saem Joseph Blatter e Jérôme Valcke, entram Romário e Zeca Pagodinho. Na lanchonete dos estádios, tapioca e caldo de cana, e não cachorro-quente e refrigerante superfaturados. Carona de moto-táxi em substituição a metrô eficiente, churrasco na laje com show da Anitta ao invés de FIFA Fun Fest e colchonete no chão da rodoviária no lugar de rede de hotéis 4 estrelas (mais barato e melhor para fazer amizade).
Posso até imaginar uma hipotética aula de Métodos Caóticos para Organização de Multidões ministradas pelo Seu Jorge, onde um apreensivo aluno alemão faria a inevitável pergunta: mas e se isso tudo der errado, qual seria o plano B? Nas palavras do professor: “se tudo der errado, a gente chama o Neymar”.