Filtrado por Bruno Medina Remover filtro
  • Os 7 Pecados Digitais

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    A despeito de nos identificarmos com tais valores, antes mesmo de nascermos, nossas ações e sentimentos já estão subjugados aos preceitos dos 7 Pecados Capitais. A seguir, sete pequenas histórias que ilustram a maneira como este dogma secular sobrevive no mundo de hoje:
     
    Luxúria
    No perfil criado para o site de namoro virtual, Cintia se descrevia como uma bem sucedida jovem executiva que de segunda a sexta dividia-se entre a casa no Morumbi e a cobertura em Ipanema, e, nos finais de semana, entre as festinhas no iate e a equitação. Quando um australiano 10 anos mais novo e herdeiro de uma multinacional do ramo alimentício caiu em sua armadilha, Cintia enfim percebeu a iminência de sua sorte mudar; mas, antes de receber a passagem para um encontro tête-à-tête em Nova York, era preciso atender a uma única exigência de seu príncipe virtual: enviar uma foto bem sexy, que não deixasse pairar dúvidas quanto aos seus ditos privilegiados dotes físicos. O empenho em sustentar em uma imagem todas as mentiras que havia contado foi tamanho que Cintia nem notou que a foto recebida pelo príncipe incluía, ao fundo, o filho de 2 anos besuntado de papinha no colo de sua mãe, com quem realmente morava, de babydoll e touca térmica na cabeça.
     
    Ira
    Bianca e Danilo haviam terminado o namoro, mas ele, inconformado, negava-se a romper os últimos laços que ainda os uniam. Certo dia, ao logar-se no Netflix com a conta dela, constatou que seu perfil de usuário havia sido apagado para dar lugar ao de um tal de Leo. Embevecido pela sede de vingança, por mais de uma semana Danilo se deu ao trabalho de entrar no perfil de seu sucessor e escolher os piores filmes e séries disponíveis no menu, apenas para que o sistema brindasse Leo com as sugestões mais inadequadas possíveis ao seu gosto. O plano sádico foi confidenciado a um amigo em comum do ex-casal, que, indignado, fez questão de tornar pública a história. Agora que Bianca trocou a senha do Netflix, Danilo assiste, sozinho e humilhado, a filmes em DVD que aluga de uma locadora à beira da falência, a única que ainda entrega a domicílio em seu bairro.
     
    Gula
    Letícia gostava de gabar-se por ser uma verdadeira gourmet, que não media esforços ou custos para desfrutar dos melhores restaurantes do mundo. Sua coleção de pratos, tão refinados quanto exóticos, era extensa, e podia ser acompanha por milhares de fiéis seguidores – reles mortais condenados para todo sempre à mediocridade dos buffets por quilo – em postagens em sua conta no Instagram. Por uma enfadonha coincidência do destino, certo dia Letícia sentou-se para jantar na mesa ao lado de um de seus fãs, sem sequer desconfiar que ele a observava enquanto devolvia ao maitre a sobremesa intocada, após fotografá-la. O boato sobre sua suposta disfunção alimentar espalhou-se como fogo em palha nas redes sociais, sendo que a internação por anorexia chegou a ser noticiada por um site de celebridades. 
       
    Avareza
    Sempre que a turma resolvia fazer uma festa, antes mesmo que estivessem determinados dia, horário e local, uma coisa já era certa: o dj seria o Eduardo. Sua reconhecida aptidão por manter a pista cheia em muito se devia, é verdade, a invejável biblioteca de músicas que construiu de maneira meticulosa ao longo dos anos. Certa vez, no entanto, as datas não coincidiram e, por ter um outro compromisso marcado, Eduardo não pode discotecar. Os amigos tiveram então a ideia de pedir emprestado seu iPod, afinal, se não podiam contar com o dj preferido, ao menos teriam acesso a sua fonte de inspiração. A imagem da galera dançando e se divertindo a partir de seu set de músicas sem que ele próprio estivesse no comando não o agradou em nada, tanto que resolveu inventar uma desculpa qualquer para não emprestar o iPod. Sem ter outra alternativa a que recorrer, os responsáveis pela festa contrataram um dj profissional, que, além de possuir um acervo musical muito mais vasto do que o de Eduardo, tinha um sistema de caixas de som tão potente que podia ser ouvido a 1 quilômetro de distância. Dessa festa em diante, o único posto a ser ocupado por Eduardo era o do sujeito que fica sentado na mesa reclamando das escolhas do dj com quem está do lado.
     
    Inveja
    Marcos e Luana formavam um daqueles casais que todo mundo acha que só existem nos filmes, almas gêmeas, por assim dizer. De uns tempos pra cá, no entanto, o amor que os unia foi pouco a pouco se esvaindo, sobretudo por causa das constantes comparações que Marcos sofria em relação ao marido da melhor amiga de Luana, que não se furtava em cobrir a esposa de elogios e declarações apaixonadas no Facebook. “Você deveria ter dado mais valor ao que a gente tinha”, disse Marcos, consternado, antes de bater a porta para não mais voltar. Na semana seguinte ao fim do casamento, foi em seu próprio Facebook que Luana consolou a amiga, cujo marido fora flagrado saindo com outra do motel.
     
    Vaidade
    Já fazia um tempo que Rafael havia se inscrito como bombeiro voluntário, mas lhe frustrava nunca ter entrado de fato em ação. Assim sendo, mal pode acreditar no dia em que finalmente recebeu um telefonema do quartel, convocando-o para integrar a equipe de salvamento que estava sendo enviada para combater um incêndio de grande proporções numa fábrica de móveis, na saída da cidade. A dedicação de Rafael impressionou até mesmo os bombeiros profissionais, visto que não hesitava um só instante antes de enfrentar as enormes labaredas, se embrenhar nos destroços e voltar trazendo no ombro mais uma vítima para atendimento. Quando a situação parecia estar sob controle, Rafael puxou discretamente do bolso o telefone para fazer uma selfie e se dar de presente uma recordação daquele dia tão especial. A primeira saiu tremida, a segunda, escura, a terceira nem chegou a ser batida, foi o que concluiu a perícia ao retirá-lo dos escombros da parede que se desfez e o soterrou.
     
    Preguiça
    Preocupava aos pais de Mateus o fato de que o menino era conhecido no bairro como uma criança que não gostava de sair de casa. Enquanto os vizinhos de sua idade ralavam os joelhos e se sujavam jogando bola ou brincando de "polícia e ladrão" na calçada em frente ao seu quarto, Mateus preferia a segurança e a assepsia dos ambientes de jogos virtuais, nos quais era possível enveredar-se por aventuras fantásticas sem derramar uma única gota de suor. Quando tinha fome, mandava para mãe uma mensagem perguntando a que horas sairia o jantar e, a partir de uma providencial lista de serviços de entrega, orgulhava-se em obter quase tudo de que precisava sem sequer sair do quarto. Levado ao médico para investigar a causa de suas constantes enxaquecas, Mateus foi diagnosticado como pré-diabético e, de quebra, descobriu uma tendinite nos dedos da mão direita. O tratamento recomendado foi trancá-lo do lado de fora da casa e só deixá-lo entrar quando estivesse sujo ou com o joelho ralado.

  • Bem-vindo à roda

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    Provavelmente é difícil encontrar por aí alguém que discorde do fato de que os ancestrais e popularíssimos quadros televisivos de câmera escondida são bem mais engraçados para aqueles que os assistem do que para quem está sendo vítima da brincadeira. Afinal, deve ser possível contar nos dedos de uma única mão as pessoas que reagiriam com um largo sorriso ao se perceberem envolvidas numa espécie de teste comportamental não-consentido, em que suas ações e emoções estão sendo observadas e manipuladas por terceiros. E que tal seria descobrir que agora mesmo, em casa ou no trabalho, ainda que sem ter conhecimento disso, a cobaia pode estar sendo você?
     
    Há algumas semanas, essa mastodôntica pulga instalou-se atrás da orelha de muitos usuários do Facebook, a partir da confirmação por parte dos responsáveis pela rede social de que cerca de 700 mil pessoas foram submetidas a um experimento secreto que suprimia de seus feeds conteúdos considerados positivos, para observar se isso os deixava menos felizes. Como se não bastasse, nesta segunda-feira foi a vez do OKCupid.com, um dos principais sites de namoro da web, admitir que sugeriam encontros entre perfis completamente incompatíveis, apenas para avaliar o quão bem funcionava a ferramenta que criaram:
     
    “Para testar isso, pegávamos pares com afinidade em torno de 30% e dizíamos a eles que eram perfeitos um para o outro, exibindo uma afinidade de 90% (...) advinhem, pessoal: se vocês usam a internet, estão sujeitos em qualquer link, a qualquer momento, a experimentos desse tipo. É assim que funciona um website”, declarou, à queima roupa, Christian Rudder, co-fundador do site.
     
    A despeito da já generalizada consciência de que nossos passos pela internet são monitorados, e que estes trajetos são compartilhados por alguns centavos com quem quiser pagar por eles, não seria exagero algum afirmar que, ao mentir deliberadamente para seus usuários, além de jogar por terra toda a credibilidade conquistada, estes sites migraram de práticas relacionadas à melhoria do serviço prestado para o que poderia ser considerado como fraude.
     
    Pior ainda seria imaginar o que nos reserva um futuro em que testes involuntários se tornarem usuais; de acordo com um artigo que repercutia as declarações de Rudder, publicado ontem na versão online do jornal britânico "The Guardian", a perspectiva de um cenário pessimista para os próximos anos incluiria empresas especializadas em propagar duas versões de uma mesma notícia: a primeira, tendo como referência o que realmente foi apurado e, a segunda, construindo a história com base num algoritmo que levaria em consideração dados capturados do leitor para lhe apresentar textos, fotos e vídeos, escolhidos de acordo com a reação que se pretende obter dele.
     
    Em outro contexto, lojas virtuais poderiam manipular a visualização de reviews positivos e negativos de clientes para alavancar a venda de seus produtos, ou mesmo ancorar o negócio de seus competidores. Ficcional demais? Então melhor pensar duas vezes. Ano passado, tornou-se pública a estratégia da Target, gigante do varejo norte-americano, que identificou um curioso padrão de compras entre jovens mulheres e passou a rastrear a aquisição de 25 itens específicos em seu site, estes que supostamente indicariam uma maior propensão a engravidar.
     
    O caso veio à tona através de um homem da cidade de Minneapolis, que chegou a se queixar a respeito de e-mails enviados para sua filha contendo ofertas direcionadas a gestantes, o que classificou como um estímulo à gravidez na adolescência. Alguns meses depois, no entanto, constatou, estupefato, que a loja havia "previsto" o que ele próprio não conseguia enxergar: em breve seria avô.
     
    A história é mais uma que se soma a outras tantas, e que não deixa dúvidas quanto ao fato de que grandes corporações já estão se beneficiando de novos métodos e instrumentos que expõem nossas privacidades e permitem capturar personalidades e vulnerabilidades com o propósito de tentar moldar ideias, desejos e sonhos. Toda vez que clicamos num mouse, mesmo que de maneira involuntária, estamos fornecendo o combustível que faz girar essa roda de atividades a que estamos presos, onde os ratos de laboratório, infelizmente, somos nós. A pergunta que fica é: de que maneira poderíamos nós fugir desta triste vocação?
     
    Crédito da imagem: Lawrence Spencer

  • Repaginada

    Bruno medina- Bom dia, Gabriel. Por favor, sente-se.

    - Bom dia, Senhor. Antes de mais nada, muito obrigado por me receber, sobretudo considerando a loucura que não deve estar a Sua agenda por esses dias.

    - Pois então, vamos diretamente ao ponto, fiquei sabendo que você tem considerações a fazer em relação ao meu projeto...

    - Quer dizer, não sei se eu colocaria dessa forma. Na verdade, o que aconteceu foi que eu andei tendo umas ideias meio malucas aí e, sabe como é, o pessoal da montagem ficou botando uma certa pilha pra eu vir conversar com o Senhor.

    - E quais seriam essas ideias?

    - Primeiro queria deixar claro que longe de mim dar a impressão de estar criticando Seu trabalho, que é maravilhoso, com certeza, mas não pude deixar de notar que faz um bom tempo que não mexemos no projeto original. Nenhum redesenho das partes, nenhuma nova funcionalidade adicionada, nenhuma atualização de sistema sequer programada, nada.

    - Sim, mas e daí?

    - E daí que a gente que mete mais a mão na massa mesmo acaba percebendo que existem oportunidades de, digamos, dar uma repaginada, ou seja, de modificar alguns detalhes que aumentariam consideravelmente a resistência do produto e o tornariam bem mais adequado às demandas de uso que a gente vê por aí.

    - Seja mais específico, por favor...

    - Por exemplo, a duração das baterias. A recarga recomendada de 8 horas diárias é muito extensa para os padrões atuais. Na prática, a maioria das pessoas recarrega por apenas 6 ou 7 horas e, ao longo de uma semana, não tem como isso não afetar a performance.

    - Entendo. Mais alguma coisa?

    - Sim, tem mais. Precisamos urgentemente aprimorar o sistema antivírus onboard. Não dá pro sujeito perder 1, 2 dias de trabalho por conta desses viruszinhos bestas que, convenhamos, conhecemos há muito tempo. Não entendo por que não resolvemos isso logo de uma vez. Já que estou aqui, vamos falar também das lentes: baixa resolução, zoom extremamente limitado, necessidade constante de manutenção e alto índice de defeito na fabricação.

    - OK, essa é nova até pra mim. Que mais?

    - Sem querer fazer fofoca, o pessoal tem reclamado bastante da estrutura física do aparelho. Dizem que tem pouca flexibilidade, que quebra fácil e que quando retorna do conserto nunca mais volta a ser a mesma coisa.

    - Acabou, Gabriel?

    - Deixa eu ver... bom, na minha lista ainda tinha fragilidade no controle de temperatura, inadequação de acabamentos...ih, esse aqui era bem importante, "eliminar a porta de saída e substituir por sistema auto-limpante". Mas, se o Senhor estiver ocupado, posso voltar numa outra hora...

    - Infelizmente não terei como prosseguir com essa conversa pois surgiu uma emergência e preciso passar instruções para meu pessoal em terra, mas já adianto que em relação a todas as suas proposições, Gabriel, existe apenas uma única consideração a ser feita: você já ouviu falar em obsolescência programada?

    - Não, mas se o Senhor permitir tirar as unhas, os pelos que nascem nas orelhas e o apêndice e me deixar desenhar um joelho que realmente funcione, eu juro que me dou por satisfeito.

  • O Fator 7 a 1

    Fernandinho se pendura na rede depois de mais um gol da Alemanha: maior vexame da Copa

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Agora que a Copa terminou, finalmente é chegado o momento de dizer adeus àqueles mágicos dias de alegria e emoção e fazer um balanço sobre o verdadeiro legado deixado pela passagem do maior evento esportivo do planeta por nosso país. Na lista de possíveis candidatos figuram, dentre outros, o aquecimento da economia a partir da geração de novos postos de trabalho, os estádios e as obras de mobilidade realizadas nas cidades sede e a valorização da "marca" Brasil, sobretudo devido à boa impressão que nosso povo causou nos mais de 1 milhão de visitantes estrangeiros recebidos.
     
    Nada disso, no entanto, é páreo para a importância da contribuição associável a um aspecto deste Mundial que em princípio poderia ser encarado como sendo muito negativo, mas que, na prática, revelou-se um patrimônio improvável, penso eu, já completamente integrado à identidade cultural brasileira: o fator 7 a 1. Imagino que para uma parte considerável dos leitores deste blog a teoria que está por ser desvelada só poderia se tratar de uma piada, sob o risco, inclusive, de soar como o dedo que cutuca uma ferida aberta. Aos que se aventurarem a seguir com a leitura até o fim, garanto que os argumentos serão mais do que suficientes para comprovar o ponto e sustentar minha controversa afirmação. A conferir.
     
    Na última terça-feira, quando aqueles jovens homens alçados à condição de heróis nacionais e incumbidos da nobre missão de defender nossa hegemonia futebolística perante as demais nações caíram em desgraça, um paradoxo surgiu. Devorados vivos em seu próprio quintal pelos leões da eficiência tática, do planejamento a longo prazo e do controle emocional, propiciaram ao mundo e a sua gente um espetáculo dantesco, que não será esquecido nem pelas gerações que estão por vir, mas também redimensionará de forma definitiva o prestígio da seleção brasileira, maculando para todo sempre a identificação do torcedor com a entidade que outrora em grande parte o definia.
     
    Faltam palavras para descrever a barbárie praticada por nossos gentis algozes – aqueles mesmos que se tornaram amigos dos índios e celebraram com o staff do hotel a classificação nos pênaltis contra o Chile – tocando a bola com a precisão de malabaristas circenses, invadindo a pequena área de Júlio César para sapecar gols do jeito que bem entendiam e reduzindo o outro time, no caso, o nosso, à condição semelhante a de crianças desafiadas por adultos a jogar de igual para igual. A título de comparação, seria mais ou menos como se um sujeito invadisse sua casa, beijasse sua mulher, brincasse com seus filhos, levasse seu cachorro pra passear e, ainda por cima, fizesse tudo isso bem melhor do que você.
     
    À altura em que o placar contabilizava 3 gols a favor de nossos adversários, a impotência e a incredulidade generalizada frente ao que se anunciava como um épico massacre, num reflexo, quem sabe, de autopreservação, foi aos poucos cedendo lugar a um sentimento estranhamente reconfortante, este que refletiu o fato de que ali se definiam novos parâmetros para os conceitos de insucesso e honradez. Afinal, se aqueles 11 semideuses que aprendemos a venerar através de filmes publicitários e discursos ufanistas de comentaristas esportivos podiam se submeter à tamanha humilhação, imagine eu ou você, que nem temos 200 milhões de pessoas torcendo por nós, muito menos contas bancárias com tantos dígitos quanto as deles? E foi justo este pensamento que marcou a gênese do fator 7 a 1.
     
    De acordo com os preceitos deste providencial salvo-conduto, para os cabíveis fins, a partir do dia 8 de julho de 2014 passou a não mais ser válido todo e qualquer  índice previamente estabelecido de fracasso. Em outras palavras, desta data em diante, nenhuma falha ou lapso, seja da natureza e da intensidade que for, poderá ser taxado como inaceitável.
     
    Passou o ano todo estudando e ainda assim zerou a prova do ENEM? Foi pega no flagra saindo do motel com o primo do namorado? Vomitou no pé da mãe da noiva na festa de casamento do chefe? Tomou caldo na praia e saiu do mar com a sunga nos joelhos? Deixou o telefone cair dentro da privada? Achou que a entrevista do sósia do Felipão era verdadeira? Chorou ao ler a cartinha da Dona Lúcia? Quebrou a vértebra ou mordeu o cara do outro time durante o jogo? Para todos os casos mencionados, uma única resposta: "desculpe, rolou um fator 7 a 1...".
     
    Ainda é cedo para avaliar de que maneira este libertário recurso afetará a sociedade, mas, por ora, tudo que se sabe é que foi muito bem recebido pela classe política, que tem planos de utilizá-lo ao longo das campanhas deste ano. 

    (Foto: AP)

  • Descendo pro play

    Pronto, acabou a agonia. Agora aqui estou eu, sentado em frente a tela branca, tentando buscar o estado de espírito, as palavras, o ângulo mais adequado para descrever este pedaço tão triste e inacreditável da história que todos nós acabamos de testemunhar: uma derrota cruel e inquestionável do futebol brasileiro em sua própria Copa. Minha rua agora está tomada por um silêncio tão absoluto que quase é possível ouvir o pensamento dos vizinhos, cada um dialogando consigo mesmo em busca de uma explicação plausível para o que se deu no Mineirão. Mas será que existe apenas uma?

    A bem da verdade, antes de sequer ponderarmos sobre as ausências de Neymar e Thiago Silva neste jogo ou de apontarmos o dedo na direção dos prováveis culpados pela pior derrota jamais sofrida por nosso futebol, reconheçamos que tanto a seleção do Brasil quanto a da Alemanha, cada qual ao seu modo, tiveram coletivamente atuações excepcionais. Sim, sabemos que nosso time não foi soberano em nenhuma partida desta Copa, que deixou-se dominar por equipes inferiores e perdeu a compostura sempre que esteve atrás no placar. O time da Alemanha, por sua vez, apesar do empate com Gana na 1a fase e da vitória apertada sobre a Argélia, era, desde antes de embarcar no aeroporto de Berlim, um dos favoritos ao título.

    Nada disso, no entanto, justifica um placar tão dilatado, mas sim o fato de que, com todo respeito devido ao futebol apresentado pelos alemães, a goleada que tomamos foi mesmo imposta pelo lado emocional. Quatro gols em apenas 6 minutos seria um resultado surpreendente até para uma pelada entre crianças no play, mas eis que o futebol se mostrou imponderável como realmente é, nos lembrando que um campeonato não se vence com vibração e torcida apenas, mas sim minuto a minuto, jogo após jogo, e neste de hoje fomos muito inferiores ao nosso adversário.

    Talvez por hora, o melhor seria pensar que fatos contundentes como este sempre trazem consigo uma valorosa lição, e certamente não faltará quem nos próximos dias se candidate a sentencia-la. Como não sou cronista esportivo, ao invés de procurar possíveis respostas para o chocolate, prefiro ater-me ao conforto do ditado mais verdadeiro que há: “o jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã”. Deixem que comemorem os alemães, que zombem de nós os rivais, afinal, fizemos por merecer, mas ainda assim esse não é um jogo para ser esquecido, mas sim relativizado. O futebol brasileiro é com certeza muito maior do que uma geração de jogadores pouco brilhantes ou uma fatídica partida em que tudo deu errado, e não duvidem que já já estaremos de volta ao posto que sempre nos foi por direito. 

    A despeito do enredo que agora se escreve ser forte candidato a desbancar o mítico Maracanazzo de 64 anos atrás, fico na torcida para que um acontecimento tão emblemático não ofusque por completo a beleza que foi esta Copa até agora. Digam às crianças que mantenham a cabeça erguida, porque ainda temos muito do que nos orgulhar, se não pelo o que ocorreu dentro de campo, que seja pelo que fora dele mostramos ao mundo nas 3 últimas semanas.

    E, antes que eu me esqueça, bola pra frente, porque 2014 ainda está longe de terminar...

  • A dama e o vagabundo

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    Foi durante a dramática disputa de pênaltis entre Brasil e Chile que eles se olharam pela primeira vez; a má sorte de Hulk na cobrança – caprichosamente rebatida com os pés pelo goleiro andino – levou-o às lágrimas, afinal, o lance pintava em tenebrosas e verossímeis cores o pesadelo que seria testemunhar a seleção cair de joelhos dentro de sua própria casa, uma pá de cal precoce e definitiva no sonho do hexa.
     
    Pousar a mão no ombro de um desconhecido em desespero foi, sobretudo, um ato reflexo de compaixão, retribuído de imediato por ele com um afago, em sinal de agradecimento. Quando deram por si, ainda tinham as mãos unidas na cobrança que Pinilla desperdiçou na trave, e então abraçaram-se longamente para comemorar a classificação e afastar de vez o imponderável: o Brasil seguia vivo na competição.
     
    Apesar do acaso ter lhes colocado lado a lado na arquibancada, os caminhos que os levaram ao Mineirão eram muito distintos: ele cumprira sozinho e de ônibus os quase 1.000 Km que separam o interior do Mato Grosso do Sul da capital mineira, a fim de fazer valer o prêmio que ganhara num sorteio realizado pela rádio de sua cidade natal. Ela veio de São Paulo acompanhada por duas amigas, usufruindo dos ingressos ofertados pela agência de publicidade que presta serviços à empresa do pai.
     
    Após o jogo, ele pretendia, quem sabe, conhecer a Fan Fest, comer um lanche e fazer o trajeto de volta. Ela havia combinado de mais tarde aparecer na boate de um amigo de suas amigas, ia ter bebida liberada e coxinha de ossobuco. Ainda na rampa de acesso do estádio, no entanto, o primeiro beijo tornou evidente que precisavam traçar um novo plano. Dali em diante, para onde quer que fossem, estariam juntos. Não levou mais do que um minuto para que decidissem se espremer num ônibus lotado, que mais parecia uma festa de réveillon sobre rodas, rumo à rodoviária. Destino? Rio de Janeiro.
     
    Chegaram com o dia amanhecendo e foram direto para Copacabana, porque ele nunca tinha visto o mar. Tomaram café da manhã num quiosque, enquanto narravam a um grupo de uruguaios bêbados a aventura que viviam. Por insistência dos presentes, casaram-se ali mesmo, improvisando uma rosca de polvilho como aliança, mas a lua-de-mel nem chegou a ser consumada, visto que ele foi intimado a completar o time dos países africanos na pelada prestes a começar.
     
    Envolvida com a partida, ela nem se deu conta de que comera a aliança de tanta aflição, para deleite de sua nova confidente, uma mulher de burca preta que também torcia pelo marido e ria de tudo, muito embora provavelmente não estivesse entendendo nada do que lhe era dito. Da praia, foram para o Pão de Açúcar, mas desistiram de subir porque a fila do bondinho estava grande demais. Almoçaram por ali mesmo, na mureta do Bar Urca, emoldurados por um pôr-do-sol rosa e alaranjado.
     
    Por mais que hesitassem abordar o assunto, àquela altura ambos sabiam que era preciso pensar um pouco mais a diante. Ela sugeriu que comprassem roupas limpas e pegassem um hotel, mas ele alegou que o dinheiro estava contado para comprar a passagem de volta. No mesmo instante, uma amiga dela mandou uma mensagem dizendo que havia conseguido ingressos para o jogo no Castelão. Ela perguntou se ele não gostaria de ir junto, disse que não se incomodaria em pagar, mas ele respondeu que não se sentiria confortável com a situação.
     
    Olharam-se nos olhos e sorriram emocionados, porque sabiam que ali terminavam suas bodas de polvilho.

Sobre a página

Bruno Medina é músico da banda Los Hermanos e escritor nas horas vagas. Nascido no Rio de Janeiro, formou-se em comunicação pela PUC-RJ, mas a música nunca permitiu que chegasse ao mercado publicitário. Começou a tocar piano e escrever histórias ainda criança, sendo que as duas aptidões o acompanham desde então.