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  • iPhone 6, a saga involuntária ou como a oportunidade faz o ladrão

    iPhone 6 - Bruno MedinaSoho, Manhattan, sábado de manhã. A região que em Nova York se destaca por abrigar a maior concentração por metro quadrado de galerias de arte e boutiques de luxo no mundo possui ainda – sobretudo para todo brasileiro que se preze – um atrativo em especial: uma belíssima Apple Store. Para não degenerar aos meus, foi por lá também que iniciei o roteiro de uns dias de férias que estou tirando, e qual não foi minha surpresa ao chegar à meca do consumismo coxinha, ao Eldorado da ostentação digital, e me deparar com uma fila que às 10h já dobrava o quarteirão e contornava toda a extensão do prédio?
     
    Segundo informações que apurei, aquele bando de infelizes aficionados por tecnologia, que preferiram passar horas a fio de pé em vez de aproveitar um sábado de sol numa das cidades mais legais que existem, aguardava com ansiedade a chance de enfim colocar suas mãozinhas trêmulas e suadas no que pode ser considerado hoje o cálice sagrado dos smartphones, o recém-lançado iPhone 6. De acordo com relatos que ouvi de uma família de brasileiros que encontrei por lá (é impressionante a capacidade que nosso povo tem de se reconhecer em qualquer circunstância), havia dois dias que peregrinavam sem sucesso pelos três pontos de venda da marca na cidade à procura do bendito telefone, e foi por conta de um carregamento que chegou sorrateiro, na calada da noite, que a notícia logo se espalhou, e a fila se formou.
     
    Sem entender direito o motivo daquele convercê todo e supondo que eu também estivesse no páreo, a mocinha da Apple já foi logo me questionando qual modelo e cor eu desejava, porque, àquela altura, nem todos ainda estavam disponíveis. Repare, caro leitor, que é em situações como estas que se revela toda a vulnerabilidade da essência humana, afinal eu, que inocentemente apenas passava pela rua e me intriguei com a aglomeração atípica, naquele momento havia acabado de me tornar um potencial comprador de um iPhone 6. Isso aconteceu porque, reconheçamos, ainda que o benefício em questão seja tomar uma injeção na testa ou lamber a sola de um sapato, se alguém porventura nos fizer acreditar que teremos uma oportunidade de nos favorecer de algo exclusivo ou escasso, é quase certo que vamos topar, o que quer que seja.
     
    Então eis que, como num passe de mágica, aquele telefone que eu carregava no bolso migrou do status de satisfatório para imprestável. Obsoleto, lento, câmera com baixa resolução e bateria que não chega nem a metade do dia, eram argumentos que me vinham à mente para justificar a compra que 5 minutos antes eu sequer pensava em fazer. Com uma hora de fila e 36 anos de idade, os calcanhares e a lombar começaram a incomodar, mais ou menos ao mesmo tempo em que me dei conta de que havia uma peculiar predominância de chineses no local. Não demorou muito para sacarmos, eu e o grupo de brasileiros, que a malandragem deles era se revezar para comprar o máximo de telefones possível, a fim de revendê-los mais caros no mercado paralelo. Deixa estar, não tá fácil pra ninguém, pensei.
     
    Na segunda hora de fila, com o corpo todo já pedindo arrego, comecei a ser tomado por pensamentos bastante pessimistas, que me levaram a indagar seriamente o que diabos eu fazia ali: "E daí que tá difícil encontrar o maldito telefone? Só por isso eu tenho que querer também?". "Aliás, quem disse que eu sequer preciso de um telefone?". "E esses chineses? Tão pensando que tem algum otário aqui?". Tomado por um senso de justiça agudo, possivelmente motivado por razões semelhantes as mencionadas, o vovozinho pernambucano à minha frente resolveu desmascarar a máfia chinesa denunciando o esquema para o gerente da loja. Não deu outra, as senhas eram falsas e todos foram convidados a se retirar da fila sob uma humilhante salva de aplausos, mas confesso que fiquei com pena e me restringi ao olhar de reprovação.
     
    Na terceira hora completa de fila, apertado para fazer xixi, já sem sentir nada da cintura para baixo, depois de testemunhar uma quadrilha chinesa ser desbaratada e devorar dois cachorros-quentes e um pretzel comprados de um tiozinho que parecia o Danny de Vito, sinceramente, minha vontade era espatifar aquele telefone miserável na parede tão logo o tivesse em minha posse: "Quem a Apple pensa que é pra fazer isso com a gente, hein?", "Tão se achando muito, espera nego se cansar dessa palhaçada toda, aí e que a gente vê se vai ter filinha pra comprar!".
     
    Enfim era chegado o momento pelo qual eu tanto havia esperado. A sensação era um misto de alívio e raiva do tal iPhone 6, e também da Apple, do vendedor, do Steve Jobs, dos chineses, da família brasileira e, por fim, de mim mesmo, o babaca que se submeteu a aquilo tudo sem entender direito o porquê.
     
    "Aqui está seu telefone, Mr. Medina. Você teve sorte porque há 2 semanas não recebemos nada e esse foi um dos últimos da loja!". Encarei a caixa do bicho, alva como um copo de leite, respirei fundo e pensei a única coisa que poderia pensar naquele instante: será que ainda dá tempo de tirar onda lá fora na fila?

  • A 'WhatsAppização' da vida

    Whatsapp - montagemLembro-me como se fosse hoje do dia em que um amigo aficionado por tecnologia veio correndo ao meu encontro para mostrar na tela de seu smartphone um recém-lançado aplicativo que, segundo o próprio, mudaria para sempre a minha vida. Exageros à parte, não foi necessário muito esforço para me convencer a dar uma chance ao simpático iconizinho verde, sobretudo considerando a ambiciosa proposta de seus criadores: estabelecer entre os contatos dos usuários, independente a qual operadora de telefonia estivessem vinculados, uma rede gratuita e ilimitada de troca de mensagens, que logo faria do SMS algo tão obsoleto quanto uma máquina de escrever.

    Do alto de minha apurada sensibilidade para detectar tendências hegemônicas, tendo o cuidado de escolher as palavras adequadas para não jogar um balde de água fria travestido de racionalidade, sentenciei o que na ocasião me pareceu óbvio: “o conceito até que é bacana, mas, se meus amigos não usarem, não me serve de nada”. Três anos se passaram desde a cena descrita e nem é preciso mencionar que meu diagnóstico não poderia estar mais incorreto. Atualmente, o WhatsApp possui mais de 600 milhões de usuários cadastrados, cerca de 50 milhões destes apenas no Brasil, podendo ser encontrado em nada menos do que 74% dos smartphones em atividade, onde se incluem, sem sombra de dúvida, os aparelhos da totalidade de meus amigos e parentes.

    Sua endêmica popularidade o transformou no único fenômeno passível de ser comparado ao Facebook que, não por acaso, o adquiriu por módicos US$ 19 bilhões no ano passado. Assim sendo, para onde quer que se olhe hoje, por mais improvável que seja o interlocutor ou o contexto, não se pode ignorar os fartos indícios de que estamos irremediavelmente imersos na Era WhatsApp, esta que possui como principal característica a disponibilização indefinida e compulsória à socialização. Sim, também achei a definição bonita, mas o que exatamente isso quer dizer? Pode ter certeza que você sabe muito bem. Basta olhar em volta e constatar que, desde que o WhatsApp foi alçado à condição de canal oficial de comunicação da espécie humana, nunca mais tivemos um segundo sequer de paz ou privacidade.

    Isso ocorre porque, no afã de estimular a interação infinita entre você e seus contatos, o aplicativo acabou por instituir na vida moderna funcionalidades no mínimo indiscretas, que permitem à outra parte ter total visualização das suas ações durante uma conversa. Na prática, acabou-se o tempo do “não vi o que você disse porque não estava olhando o telefone” ou “engraçado, acho que não recebi essa mensagem!”, porque lá estão o ‘visto pela última vez em...’ e os dois ‘checks’ de confirmação de entrega da mensagem, para expor a fragilidade de sua argumentação furada e desmoralizá-lo por completo.

    Como se isso já não parecesse inconveniente o bastante, o que dizer da dádiva que é se ver, de súbito, incluído naquele grupo criado pelo seu tio, contendo 37 integrantes da família se mandando ‘bom dia’ a partir das 6 da manhã de domingo e trocando ininterruptamente entre si mensagens de 2 palavras (isso quando não são vídeos de cunho político ou de contadores de piadas), te obrigando a desbloquear o telefone a cada 20 segundos para ler um comentário tipo “muito legal” ou “rsrsrsrs”? Com receio de causar uma crise sentimental sem precedentes ao manifestar o desejo de pular fora, sem ter outra alternativa a que recorrer, você desabilita as ‘notificações de grupo’, deixando de ter acesso também às mensagens dos demais grupos que efetivamente te interessam.

    Ontem, o mesmo amigo que me apresentou o WhatsApp anos atrás compartilhou comigo uma informação que dá bem a ideia do que pode estar por vir; aparentemente, há relatos de usuários que descobriram fazer parte de grupos compostos por pessoas aleatórias, formados por gente disposta a bater papo com desconhecidos, um misto do extinto ‘Chat Roulette’ com a reencarnação daqueles números telefônicos para os quais pré-adolescentes dos anos 80 discavam a fim de acessar linhas cruzadas, algo que dificilmente alguém com menos de 30 anos conseguiria compreender. 

    Num cenário mais fatalista, num futuro não muito distante, é possível temer uma espécie de ‘WhatsAppização’ da vida, um tempo sombrio em que sua mãe receberia dois ‘checks’ assim que você pisasse em casa, que atendentes de telemarketing entrariam falando na sua orelha sem autorização prévia ou que o chefe pudesse puxar reuniões de equipe mesmo que você estivesse sentado no vaso do banheiro de casa. Ficou assustado com a perspectiva? Calma, não há razão para pânico, afinal, seu tio ainda nem ouviu falar em 4G...

    *Imagem: Montagem/Bruno Medina

  • Resta 1

    FacebookDei "hide" no Gabriel porque ele fez uma postagem que julguei homofóbica.
     
    E na Débora, porque ela curtiu o comentário dele.
     
    Aproveitei e já bloqueei o Pedro também, porque, ao criticar os dois, ele acabou, sem perceber, fazendo um comentário que na verdade foi meio machista.
     
    Daí eu tive que limar, numa só tacada, a Clara e o Miguel, afinal eles opinaram no tópico sem condenar a atitude do Pedro, o que foi uma omissão imperdoável.
     
    Pra minha surpresa, nessa mesma onda foi embora o Maurício, que, apesar de sempre ter sido um cara sensato, escolheu um momento bastante infeliz pra fazer piada. Falta de respeito, pô!
     
    Na sequência, Amanda e Paulinha. Em uma palavra? Alienadas.
     
    E como o Thiago é namorado da Paulinha, apesar de até ter concordado com o que ele disse, por uma questão de coerência, dançou também.
     
    Alexandre foi no embalo, porque tem o dom de discordar dos outros de uma maneira muito arrogante, e isso me irrita.
     
    Bianca e Felipe, porque me lembraram de como sempre tentam colocar panos quentes quando anteveem qualquer possibilidade de atrito, dois bunda-moles.
     
    Acabou que tive que dar um "hide" no Leo, aliás, esse já merecia há tempos, porque sempre arruma um jeito de fazer o debate descambar pro futebol, nada a ver...
     
    O Matheus foi em boa hora também, ô cara pessimista! Parece que tem uma nuvem preta em cima da cabeça o tempo todo.
     
    Já a Roberta, bloqueei com prazer, porque sabia que ela não ia conseguir resistir a se colocar daquele jeito super agressivo, como de costume.
     
    A Viviane mereceu só pela burrice mesmo, acho que ela nem entendeu qual questão estava sendo discutida ali, e o Márcio, porque defendeu ela quando todo mundo zoou.
     
    Edu, Luiz e Renato tomaram "unfollow" também, sem hesitação, porque não pode zoar daquele jeito.
     
    Moral da história: por causa de um único post, 20 amigos foram despachados pra sempre da minha timeline.
     
    Agora, com a galera que sobrou, só me resta puxar o tema "eleições"...

    *Imagem: Bruno Medina

  • Bode na sala

    Tom YorkAconteceu outra vez. Após sacudir os alicerces da indústria fonográfica em 2007 com a improvável ideia de perguntar aos fãs quanto queriam pagar pelo novo disco de sua banda (Radiohead), Thom Yorke deu, de novo, o ar de sua subversiva graça. Agora, no entanto, a proposta é um pouco diferente, mas equivalente em termos de ousadia: cobrar um preço relativamente baixo por algo que sempre foi de graça.

    Semana passada, na ocasião do lançamento de seu segundo disco solo, “Tomorrow’s Modern Boxes”, Yorke intrigou seu público e a imprensa especializada ao anunciar que as 8 músicas do trabalho seriam disponibilizadas a partir de arquivos torrent, que podem ser baixados de maneira oficial por aqueles que se dispuserem a pagar U$6 pelo combo que inclui ainda um videoclipe.

    Em comunicado que divulgou no último dia 26, o líder do Radiohead referiu-se à iniciativa como “um experimento para ver se a mecânica do sistema é algo com que o grande público consegue lidar” e que “se funcionar bem, esse pode ser um meio eficiente de dar às pessoas que produzem conteúdos criativos na internet alguma autonomia sobre seus trabalhos, transpassando os autointitulados guardiões dos portões”, numa clara alusão a iTunes e Spotify, alvos constantes de seus ataques.

    Quanto a este último especificamente, em recente entrevista, Yorke definiu-o como “o último peido de um cadáver em putrefação”, declaração que por si só justifica seu empenho em desenvolver métodos alternativos de distribuição que libertem a classe artística das garras dos poderosos intermediadores de conteúdo. Interessante observar como neste caso a lógica se inverteu, ou seja, um artista do mainstream legitimou uma prática que sempre flertou com a ilegalidade, afinal, para quem não se lembra, o modelo de compartilhamento via torrent foi introduzido em 1999 pelo Napster como uma forma de permitir que pessoas trocassem músicas online gratuitamente entre si.

    A única razão que explica um sistema como este ainda estar de pé depois de 15 anos, a despeito do combate implacável de gravadoras, estúdios cinematográficos e emissoras de TV, reside numa brecha legal: ao baixar arquivos torrent, em teoria, os usuário não cometem qualquer violação de direitos autorais, visto que compartilham apenas fragmentos das obras, reunidos para execução como peças de um grande quebra-cabeças pelos chamados BitTorrents clients.

    Se em 2007 a coragem de confrontar o secular sistema de comercialização de fonogramas rendeu ao Radiohead um total de 3 milhões de cópias vendidas de “In Rainbows” (somados downloads, CDs e LPs) e uma receita de aproximadamente US$ 6,5 milhões – números bem mais expressivos do que os alcançados com “Hail to the thief”, álbum anterior da banda, ofertado apenas em formato físico –, quem se atreveria a questionar, em 2014, as chances de sucesso de sua inusitada proposta? A bem da verdade, em menos de 2 semanas, “Tomorrow’s Modern Boxes” já foi baixado 1,2 milhões de vezes, o que pode ser considerado como um resultado mais do que promissor.

    Como não poderia deixar de ser, no mesmo dia em que foi lançado, o disco já podia ser obtido também de modo, digamos, menos lícito no site Pirate Bay. Então por que as pessoas escolheriam pagar US$ 6 pelo mesmíssimo produto (um arquivo torrent) que conseguem obter com facilidade de graça? A resposta para esta pergunta pode apontar nada menos do que o futuro da indústria musical.

    Independente do resultado a ser obtido por seu experimento, não há como negar que Yorke caminha na direção certa ao procurar compreender e se adaptar às inevitáveis transformações ocorridas no padrão de consumo de entretenimento durante a última década, estas mesmas que os grandes produtores de conteúdo preferem continuar empurrando para baixo do tapete. Ainda que sua cruzada recheada de simbolismos à altura do épico “Davi e Golias” não resulte numa ruptura completa do atual modelo, possui, ao menos, o mérito de deixar o bode na sala.

    *Foto: Divulgação

  • Nunca seremos tão felizes como fomos no Orkut

    Lápide - fim do Orkut
    No início desta semana, a internet brasileira sucumbiu a um clamor generalizado que se evidenciou através de centenas de milhares de manifestações de alívio e pesar, relacionadas ao derradeiro suspiro de um antigo e controverso conhecido, este que atendia pela pitoresca alcunha de Orkut. Como muitos devem saber, na terça (30), após 10 anos no ar, o site que a partir de 2008 passou a ser controlado pelo Google encerrou definitivamente suas atividades, deixando órfãos uma legião de entusiastas que, apesar dos consecutivos avisos, negaram-se a deixar o navio, mesmo sabendo que ele estava fadado a afundar.
     
    Por mais que ainda pudesse despertar a paixão de um séquito fiel, a bala de prata que atingiu em cheio o coração do Orkut representou na prática tão somente um tiro de misericórdia, visto que há muito encontrava-se numa rota irreversível de decadência que acabou por inviabilizar seu custo operacional. Diante da frieza incontestável dos números, muitos se perguntam o porquê de tanto chororô, afinal o que verdadeiramente sentenciou o site à morte foi o fato dele, ao longo dos anos, ter sido abandonado pela imensa maioria de seus usuários.
     
    Apesar dos pesares, é preciso reconhecer o legado deste que foi o grande responsável por apresentar aos internautas tupiniquins o real significado da expressão ‘conectividade’. Mais do que isso, o Orkut foi a porta de entrada no mundo virtual para milhões de brasileiros, exercendo a função de desmistificar conceitos e funcionalidades que até hoje vigoram nas principais redes sociais existentes, as mesmas para as quais provavelmente serviu como inspiração.
     
    Difícil compreender como uma trajetória tão promissora pode ter se encerrado de forma tão trágica, a ponto de, apenas no período entre 2010 e 2013, o site ter perdido 95,6% de seus visitantes regulares. As explicações para uma debandada nestas proporções são diversas, e vão desde a falta de comprometimento do Google com a identidade visual e as atualizações necessárias para adequar o Orkut às transformações sociais ocorridas até a negligência em relação à enxurrada de perfis falsos que aniquilaram por completo a credibilidade da rede.
     
    Também não se pode esquecer das incontáveis comunidades inúteis com nomes sem sentido (até que era engraçado, vai...), da falta de privacidade dos comentários postados nos murais, das fotos com cadeados – que impediam fuçar a vida alheia – e, é claro, da endêmica propagação de gifs animados que combinavam buquês de flores ou filhotes fofinhos com mensagens de autoajuda, o que, com certeza, pode ser apontado como uma das principais causas do ‘orkuticídio’ em massa.  
     
    Impossível, no entanto, lembrar de tudo isso sem ser tomado por um retumbante sentimento de nostalgia, não exatamente da rede em si, mas de tantos momentos significativos que vivemos através dela. A verdade, meus amigos, é que nunca seremos tão felizes como fomos no Orkut. Apesar da sua evidente inadequação ao mundo atual, o site era como uma camiseta antiga e puída que mora no fundo da gaveta, aquela que, sabemos, nunca mais será usada, nem como pijama, mas que ainda assim precisa permanecer ali, porque cumpre o papel de nos lembrar de quem um dia fomos.
     
    Foi o Orkut que nos permitiu viver a ilusão da conectividade sem fronteiras, quer fossem colegas do jardim de infância, primos de 3º grau ou astros da TV, estes que compunham a valorosa lista dos ‘mais de mil amigos’. Foi lá, também, que muitos comemoraram a aprovação no vestibular, o primeiro emprego, começaram a namorar seus atuais esposas e maridos, e, mais tarde, postaram as fotos do nascimento de seus filhos. O apagar das luzes do site decreta o fim de uma era de descobertas e experimentações, onde havia mais espontaneidade e menos regras de conduta e tudo estava por ser definido. Ainda que resista a impressão de que ali jaziam apenas scraps inocentes e fotos que hoje nos causariam estranheza e constrangimento, fato é que em seus acervos estava registrada uma parte importante de nossas vidas.
     
    De certa modo, junto com o Orkut se despede, também, um pedacinho de nós mesmos.

    *Foto/montagem: Bruno Medina

  • Solidão a cabo

    Prezado Sr. Técnico da TV a cabo,

    Meu nome é Bruno Medina, mas, por favor, não se dê ao trabalho de tentar lembrar de mim, porque a verdade é que nunca tivemos a oportunidade de nos conhecer. Para encurtar bastante o enredo, sou um dos clientes em quem você deu bolo hoje. Ontem à noite, liguei para a empresa em que você trabalha e solicitei uma visita técnica à minha casa, visto que tanto o sinal da internet como o da TV foram abruptamente interrompidos. Apesar de toda solicitude e simpatia demonstradas pela Simone, a moça que me atendeu , sou obrigado a admitir que fiquei mesmo, digamos, um tanto exaltado com a notícia que recebi dela, de que meu problema seria resolvido em algum momento entre 9h e 18h. 

    Como você há de convir, hoje em dia é um privilégio para muito poucos dispor de tanto tempo para esperar pelo que quer que seja, mesmo o nascimento de um filho – basta constatar a quantidade de cesarianas que são feitas por aí. Então imagine, caro Sr. Técnico da TV a cabo, com qual estado de espírito eu não aguardei sua chegada. Para você ter uma ideia, como eu moro numa casa relativamente grande, nas três primeiras horas, minha preocupação era apenas a de não me envolver em nenhuma atividade que me impedisse de ouvir a campainha. Sendo assim, passei toda a manhã sentado no sofá da sala, à exceção de quando me levantava para dar uma espiada pela janela, como faz uma criança que tenta prever a aproximação de seu oponente enquanto brinca de pique-esconde.

    Eu até sei o que você vai dizer em defesa própria, ‘é tudo culpa do sistema’: a empresa, em sua incessante busca por lucro, marca mais visitas do que os técnicos conseguem dar conta, bastando um mísero contratempo, um adaptador que veio com defeito de fabricação, um cabo que entalou no conduíte, um sinal que teima em não estabilizar, para que a grade de horários caia como uma fileira de dominós. Eventualidades ocorrem nas melhores famílias, claro, mas, responda com sinceridade, custava me passar um status? Dar uma ligada e dizer algo do tipo: ‘campeão, aqui é o Emerson, técnico da TV a cabo. Só pra avisar que o bicho tá pegando e vou atrasar com certeza. Se bobear, nem vou passar aí, mas, se eu conseguir me desenrolar aqui, deve ser lá pra depois das quatro’.

    Como você bem deve saber, para a empresa em que você trabalha, oficialmente, o atraso só se configura após decorridas todas as nove horas do prazo estipulado. Repare que apenas você tem a possibilidade de antever a situação e que, portanto, há algo de sórdido em permitir que alguém o espere chegar a qualquer instante ao longo de todo esse tempo. Pior ainda é, ao final, constatar que além de ter perdido um dia em vão, o problema também não foi resolvido.

    Já que não podia sair de casa, assistir TV ou acessar a internet, lá pela quinta ou sexta hora de espera, conclui que uma maneira eficiente de atenuar a expectativa em função da sua chegada era me dedicar a atividades produtivas, tais como arrumar gavetas, separar roupas para doar, cortar as unhas do pé, ligar para alguns amigos, ler um livro, ouvir música e tocar piano (neste momento eu realmente estava me lixando para a campainha). E quando não havia mais nada que eu quisesse ou precisasse fazer, me pus simplesmente a pensar sobre a deplorável condição de dependência tecnológica que nos assola, ao ponto de alguém como eu aceitar se submeter a um dia inteiro de prisão domiciliar apenas para não ficar mais um dia sem TV e internet. Pelo visto, hoje à noite também você não me dará outra alternativa senão passar mais tempo com meus próprios pensamentos. E quanto a isso, Sr. Técnico da TV a cabo, só tenho uma coisa a dizer: muito obrigado!

Sobre a página

Bruno Medina é músico da banda Los Hermanos e escritor nas horas vagas. Nascido no Rio de Janeiro, formou-se em comunicação pela PUC-RJ, mas a música nunca permitiu que chegasse ao mercado publicitário. Começou a tocar piano e escrever histórias ainda criança, sendo que as duas aptidões o acompanham desde então.