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  • De volta pra casa

    Los Hermanos
    Não se pode negar que o finalzinho do ano chegou trazendo uma boa notícia para quem gosta de Los Hermanos. Na sexta-feira passada, a prefeitura do Rio anunciou duas apresentações da banda (nos dias 30 e 31 de outubro de 2015), dentro do calendário de comemorações dos 450 anos da cidade.
     
    De certa forma, posso dizer que não foram apenas os fãs que se surpreenderam com a novidade, visto que nós mesmos recebemos o convite poucas semanas antes da divulgação oficial, e, claro, aceitamos na hora.
     
    Esta será uma ocasião especial em muitos sentidos, a começar pelo fato de termos sido incluídos numa programação que se destina a celebrar os principais símbolos da cidade, e isso não é pouca coisa, sobretudo se considerarmos o papel de protagonismo que o Rio sempre desempenhou no cenário cultural brasileiro.
     
    Acredito que esse reconhecimento, que muito nos orgulha, tenha algo a ver com a constância com que o samba e o carnaval de rua, temáticas essencialmente cariocas, ainda que misturadas a outras influências, se fizeram presentes em nossos discos, reflexos naturais das vivências que permearam tanto a formação de nossa identidade artística quanto como indivíduos.
     
    Também nem é preciso mencionar que este tem tudo para ser mais um emocionante encontro com o público que acompanhou de maneira tão carinhosa a evolução de nossa carreira, nos prestigiando quer fosse no diminuto segundo andar do Empório, nas temporadas do Canecão e da Fundição, no topo do Morro da Urca ou na imensidão das areias do Réveillon em Copacabana.
     
    Soma-se agora a esta emblemática lista o tradicional Jockey Club do Brasil, local que, além da beleza arquitetônica e da enorme relevância histórica, ao longo de seus mais de 90 anos de existência, abriu seus portões para pouquíssimas bandas, dentre as quais se inclui a Legião Urbana, no mítico show que lá realizaram em 1990.
     
    Como se todos esses ainda não fossem motivos suficientes, eis aí uma grande oportunidade para que este grupo de velhos amigos – que hoje, por conta dos descaminhos da vida, se vê muito menos do que de fato gostaria – possa, após três longos anos, novamente se reunir para fazerem, juntos, o que mais gostam.
     
    Até outubro do próximo ano há ainda um longo caminho a ser percorrido, tempo mais do que suficiente para remover a poeira dos equipamentos, relembrar acordes esquecidos, definir os inúmeros aspectos práticos relativos às apresentações e, acima de tudo, ficar imaginando em detalhes estas duas noites que, sem dúvida, serão memoráveis. Taí um presente de Natal pra ninguém botar defeito...

    *Foto: Caroline Bittencourt Fotografia

  • Grunge, uma startup que deu certo

    Nirvana
    Nesta semana retornei de um giro por algumas cidades americanas que há muito queria conhecer, dentre as quais, como não poderia deixar de ser, incluía-se a mítica Seattle. Talvez a adjetivação soe levemente exagerada para alguém que tenha menos de 30 anos, ou que apenas consulte o Wikipédia para concluir que a capital do estado de Washington trata-se de um reconhecido polo das indústrias tecnológica (a sede da Microsoft fica lá) e madeireira e, é claro, o berço do grunge.
     
    Engana-se, no entanto, quem porventura pense que a cada esquina de Seattle se encontra um ambulante com cabelo na altura dos ombros e cavanhaque tingido de vermelho vendendo camisas com a capa de ‘In Utero’ ou bandanas do Pearl Jam. Apesar de ter dado origem a um movimento musical consistente o bastante para colocar no mapa cultural do século XX a fria e distante localidade do noroeste americano e, de certa forma, redefinir os rumos do rock, pela simples incidência do tempo ou por instinto de sobrevivência (?), a cidade conseguiu seguir adiante e se recriar, a partir do valoroso legado deixado por Kurt Cobain, Eddie Vedder, Layne Staley, Chris Cornell e seus contemporâneos.
     
    Colocado assim, fica até a impressão de que a população local optou por também enterrar o grunge naquela fatídica manhã de 5 de abril de 1994, quando o líder do Nirvana decidiu tirar a própria vida. Não é o caso. A incrível história da banda – e do movimento em si – estará para sempre registrada no magistral "Experience Music Project Museum – EPM", um dos mais bonitos museus que já visitei e, para quem ainda está na dúvida, que certamente justifica uma visita a Seattle.
     
    Num dos documentários em exibição, me chamou a atenção o depoimento de Dave Grohl sobre seu despertar musical. Dizia ele que, durante a adolescência, as tardes chuvosas pós-escola, passadas numa cidade onde nada de fato acontecia, somadas ao acesso a equipamentos de gravação relativamente baratos e a certeza de que nenhum dos artista que admirava dariam os ares da graça naquele extremo do país, o impulsionou a reunir na garagem de casa os amigos que tocavam (ainda que muito mal) e criar, junto com outros grupos formados por garotos motivados pelos mesmos propósitos, uma cena musical que ao menos aliviasse o tédio dos fins de semana.
     
    No final dos anos 80, as únicas maneiras de ter contato com novas bandas era formando uma ou através de zines, fitas-cassete demo e rádios comunitárias, um contexto bem diferente do que encontramos agora, passados mais de 25 anos, onde a abrangência e a facilidade com que se obtém informação via web criou um mundo hiperconectado, a famigerada "aldeia global", que ignora fronteiras e a própria noção de localidade. Nem foi preciso, portanto, grande empenho para constatar que nada de muito relevante em termos musicais surgiu em Seattle depois do grunge e, para ser sincero, duvido muito que um dia surja.
     
    A despeito daqueles anos terem testemunhado uma safra de músicos com talento acima da média, capazes de não só transformar suas angústias e mazelas em ótimas músicas como também fazê-las ressoar em milhões de outras pessoas, o que impede um novo grunge de surgir não é propriamente a falta de talento das gerações atuais, mas sim o mundo, em seu constante e inevitável processo de mutação. Se num passado não tão distante moleques entediados e com acesso restrito aos seus objetos de interesse, munidos da gana por transpor as barreiras impostas pelo lugar onde nasceram, uniam-se para criar sua própria cena musical, como fizeram Nirvana e Pearl Jam, hoje me arrisco a dizer que boa parte destes mesmos moleques não estão mais na garagem de seus pais fazendo barulho suficiente para incomodar os vizinhos, mas sim silenciosamente sentados em frente aos seus computadores, tentando criar a próxima startup de sucesso.
     
    Quando é mais fácil e mais conveniente fazer um sócio no Camboja do que uma banda com o sujeito do outro lado da rua, fica mesmo difícil conceber algo genuíno e autoral, que fuja de um denominador comum que, por assim dizer, permeie a generalidade da condição humana. E que a história daqueles garotos de Seattle continue sempre nos inspirando a criar não só mais e melhores músicas, mas o mundo em que queremos viver.

    *Imagem: Divulgação

Sobre a página

Bruno Medina é músico da banda Los Hermanos e escritor nas horas vagas. Nascido no Rio de Janeiro, formou-se em comunicação pela PUC-RJ, mas a música nunca permitiu que chegasse ao mercado publicitário. Começou a tocar piano e escrever histórias ainda criança, sendo que as duas aptidões o acompanham desde então.