GHIGGIA, O 'CARRASCO', MANDAVA FLORES PARA OS JOGADORES BRASILEIROS
Duas cenas comoventes me vêm à lembrança agora, quando recebi a notícia da morte de Ghiggia, o mais célebre "carrasco" da história do futebol brasileiro.
Ghiggia nos recebeu para uma longa entrevista, em 2013, na casa modesta onde vivia, em Las Piedras, perto de Montevidéu.
Primeira cena: diante da câmera - e também nos bastidores - ele usou uma palavra bonita para explicar por que evitava falar da Copa de 50 quando se encontrava com os jogadores brasileiros - de quem tinha ficado amigo.
Não falava da Copa de 50 por "respeito" aos brasileiros. "Respeito" - era esta a palavra que ele usava. Porque sabia que a glória dos uruguaios em 1950 era uma dor brasileira.
Pensei, na hora: eis aí um campeão legítimo, um herói uruguaio que, por sobre toda rivalidade com o Brasil, falava em respeito - tanto tempo depois.
Segunda cena: aos 86 anos, Ghiggia fez uma pequena confissão: fazia planos de terminar logo a construção da casa - também modesta - para onde pretendia se mudar em companhia da mulher. Viúvo, tinha se apaixonado por Beatriz, quatro décadas mais nova. Os dois faziam planos para o futuro, como jovens apaixonados.
O campeão não deve ter tido tempo de se mudar para a casa que estava construindo aos poucos. Mas deixou, ali, naquele encontro com o repórter, uma dupla lição: de respeito pelos brasileiros e de amor juvenil por Beatriz.
Uma canção anarquista italiana diz: "mandem flores para os rebeldes que falharam". Era o que Ghiggia fazia: ao declarar "respeito" à Seleção Brasileira de 50, ele estava, na verdade, mandando flores para os jogadores que falharam.
Neste 16 de julho, é a nossa vez: de mandar flores para o campeão que sai de cena e para Beatriz, a última paixão de Ghiggia.