03/08/2016 11h48 - Atualizado em 03/08/2016 17h20

Senadores batem boca durante discussão do parecer de Anastasia

Para relator, Dilma cometeu ‘atentado à Constituição’ e deve ser julgada.
Votação do parecer está prevista para acontecer nesta quinta-feira (4).

Gustavo GarciaDo G1, em Brasília

A comissão especial do impeachment do Senado abriu sessão por volta das 11h30 desta quarta-feira (3) para discutir o relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) que recomenda que a presidente afastada Dilma Rousseff seja levada a julgamento final no plenário do Senado. A reunião foi marcada por debates acalorados entre senadores da oposição e da base de apoio ao governo Michel Temer.

LEIA A ÍNTEGRA DO PARECER

No parecer apresentado nesta terça (2) ao colegiado, o tucano afirmou que a petista cometeu um “atentado à Constituição” ao editar decretos de créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e ao autorizar as chamadas "pedaladas fiscais".

 

Antes do início da discussão do relatório de Anastasia, o líder da oposição, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), pediu a palavra para protestar contra uma suposta articulação do presidente em exercício, Michel Temer, para acelerar o fim do processo de impeachment (assista ao vídeo acima).

Lindbergh reclamou especificamente do fato de Temer ter se reunido nesta terça (2) no Palácio do Planalto com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O encontro entre os dois caciques peemedebistas não constava na agenda oficial deles.

Ao retornar da audiência com o presidente em exercício, Renan negou no Senado que tivesse recebido pedidos para agilizar o processo de afastamento de Dilma. Segundo ele, a reunião foi para tratar da “pauta legislativa”.

No entanto, na mesma entrevista em que admitiu a reunião com Temer, o presidente do Senado disse que iria trabalhar para concluir o processo de afastamento do petista em agosto. Na ocasião, ele chegou a ressaltar que a ida do presidente em exercício para a reunião do G20, na China, sem a decisão do Senado sobre o impedimento de Dilma seria “ruim”.

Senadores da base governista não gostaram da interferência do petista e passaram a discutir com ele. O senador Magno Malta (PR-ES) disse que Lindbergh estava querendo “tumultuar” a sessão.

Já o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), foi irônico ao dizer que Renan também visitou recentemente Dilma no Palácio da Alvorada e o encontro não gerou "celeuma" por parte dos governistas.

Em resposta, a líder do PC do B, senadora Vanessa Grazziotin (AM), chamou Temer de "usurpador" e a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) lamentou o que chamou de "desrespeito" existente na comissão especial do impeachment.

Os ânimos só voltaram a se acalmar depois que o presidente da comissão, senador Raimundo Lira (PMDB-PB), interveio.

Relatório de Anastasia
No relatório apresentado nesta terça (2), o senador tucano acolheu os argumentos da acusação e concluiu que Dilma cometeu ilegalidades e, por isso, deve ser levada a julgamento final pelo Senado.

Para Anastasia, Dilma agiu em “atentado à Constituição” ao praticar as chamadas “pedaladas fiscais” (atraso de pagamentos da União a bancos públicos para execução de despesas).

Segundo Anastasia, as “pedaladas” configuram empréstimos da União com bancos que controla, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O parlamentar também afirma no parecer que Dilma desrespeitou o Legislativo ao editar três decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional.

Ainda de acordo com Anastasia, as práticas do governo Dilma Rousseff, ao editar decretos e praticar “pedaladas fiscais”, estão associadas à “profunda” crise econômica pela qual o país passa atualmente. Os atos, segundo o tucano, levam a comunidade internacional a acreditar que o Brasil “não é um país comprometido” com a ordem financeira. 

Discussão do parecer
A primeira senadora a discutir o parecer foi Simone Tebet (PMDB-MS). A parlamentar elogiou o relatório de Anastasia e disse que acompanhará o relator na sessão de votação do parecer nesta quinta.

“A presidente da República cometeu crime de responsabilidade ao editar decretos e ao atrasar o pagamento de subvenções agrícolas ao Banco do Brasil, o que configura empréstimo. Por isso vou votar pela pronúncia da denúncia”, disse a peemedebista.

Em seguida foi a vez do líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), debater o relatório. Caiado disse que houve dolo (má-fé) de Dilma na edição de decretos suplementares sem autorização do Congresso Nacional, o que vem sendo negado pela defesa da petista.

“A presidente foi alertada sobre a irregularidade dos decretos. A presidente agiu com dolo eventual, porque deveria ter suspendido a edição de decretos”, declarou o parlamentar goiano.

Caiado também disse que a prática “pedaladas fiscais”, desde 2014, tiveram finalidade “eleitoreira” porque, segundo ele, esconderam a real situação econômica do país. No entanto, o processo de impeachment só se baseia nas “pedaladas” de 2015.

Ao finalizar seu discurso, Caiado disse que “até a língua portuguesa vai agradecer ao impeachment, porque vamos nos livrar da palavra presidenta”, concluiu. 

Em resposta a Caiado, o senador Humberto Costa (PE), líder do PT no Senado, disse que o português aceita as duas formas: presidente e presidenta. Além disso, o parlamentar petista voltou a dizer que o processo de impeachment é “golpe”.

“Nós estamos tomando uma decisão gravíssima para o Brasil. Estamos banalizando um instrumento da democracia [o impeachment] e tornando ele um instrumento de agressão à democracia”, afirmou.

“Não é porque o rito foi seguido que o processo se torna legítimo. O que torna o processo legitimo é a justeza do mérito. E mérito não existe”, completou.

Humberto Costa disse ainda que quem “vai pagar o preço do golpe é o povo pobre brasileiro”. Para ele, Michel Temer governa em favor das elites socioeconômicas e vai retirar direitos de trabalhadores, além de cortar programas sociais. Costa citou o programa Ciência Sem Fronteiras, que foi alterado para excluir alunos de graduação.

Em meio à discussão, os senadores capixabas Ricardo Ferraço (PSDB) e Magno Malta (PR) aproveitaram para reafirmar que irão votar a favor do afastamento definitivo de Dilma.

"Diante dos fatos não há versão. O competente relatório do senador Anastasia não fala, ele grita. A presidente Dilma cometeu uma coleção de crimes e não atentou apenas as leis orçamentárias e fiscais,  mas mergulhou o país em profunda desorganização, crise política, moral e ética. O estado brasileiro foi apropriado pelos instintos mais primitivos do patrimonialismo, da defesa dos interesses privados. O meu voto é sim pelo afastamento em definitivo da quadrilha que se apropriou do país, fazendo dele um quintal", discursou Ferraço.

Bate-boca
Os ânimos se exaltaram ainda mais no momento em que a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) – ex-ministra da Agricultura de Dilma – pediu a palavra para comentar o parecer de Anastasia.

A parlamentar fez um discurso em defesa da presidente afastada, ressaltando que, na opinião dela, não houve crime de responsabilidade por parte da petista. Kátia Abreu ainda estava concluindo o discurso quando se esgotou o tempo regimental reservado para cada senador debater o relatório de Anastasia.

O fato de a parlamentar ter extrapolado o tempo desagradou ao senador José Medeiros (PSD-MT), que é favorável ao impeachment. O parlamentar mato-grossense protestou, pedindo que Raimundo Lira interrompesse Kátia Abreu. A peemedebista, então, reagiu.

“Este senhor está com uma mania crônica de me interromper, exijo respeito”, queixou-se Kátia Abreu.

“Você está desrespeitando o tempo”, rebateu José Medeiros em voz alta.

Houve, então, mais bate-boca entre Medeiros e senadores aliados a Dilma. Com o dedo em riste, Kátia Abreu chegou a dizer que Medeiros era homem, “mas não era dois”.

Raimundo Lira contornou a situação e pediu que a senadora do Tocantins concluísse o discurso. A solicitação foi atendida e a sessão prosseguiu.

Crise econômica
Após a discussão, a senadora Lúcia Vânia (PSB-GO) declarou seu voto a favor do julgamento de Dilma Rousseff. A parlamentar disse que o governo da petista foi irresponsável na gestão financeira, o que levou o país a uma grave crise econômica.

“Infelizmente, a irresponsabilidade do Poder Executivo na gestão da política fiscal imporá sacrifícios às futuras gerações”, concluiu a parlamentar.

Já a senadora Fátima Bezerra (PT-RN) lembrou que a perícia do Senado concluiu que não houve ato de Dilma Rousseff nas chamadas “pedaladas fiscais”.

“Não houve ato da presidente Dilma nas ‘pedaladas fiscais’, que era o eixo central das denúncias contra a presidente Dilma [...] Está se tentando aqui julgar uma inocente sem provas. Se isso for consumado estaremos violando a Constituição naquilo que ela tem de mais valioso que é a soberania popular, o voto”, disse a petista.

No relatório, Anastasia afirma que Dilma deve ser punida justamente por ter se omitido ao não evitar que as pedaladas tivessem acontecido.

Cronograma
A votação do relatório de Anastasia está prevista para a manhã desta quinta-feira (4) na comissão especial. Após ser apreciado no colegiado, o parecer do tucano será submetido à votação no plenário principal do Senado, independentemente de ter sido aprovado ou rejeitado pelo colegiado. A previsão é de que a análise do relatório no plenário ocorra na próxima terça-feira (9).

Se o plenário principal decidir, por maioria simples, que é procedente a denúncia de que Dilma cometeu crime de responsabilidade no exercício da Presidência e que há elementos suficientes para o afastamento definitivo da petista, ela será submetida a julgamento final no Senado.

Encarregado de comandar um eventual julgamento, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, prevê que a análise definitiva do processo de impeachment tenha início no plenário do Senado na sexta-feira, 29 de agosto. A projeção do magistrado é que o julgamento irá se estender por uma semana.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e outros parlamentares governistas, no entanto, querem antecipar a data do julgamento, para começar no dia 25 de agosto, uma quinta-feira. Oposicionistas discordam da antecipação.

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