Por Filipe Matoso, Alessandra Modzeleski e Guilherme Mazui, G1 — Brasília


Janot denuncia Temer por obstrução de justiça e organização criminosa

Janot denuncia Temer por obstrução de justiça e organização criminosa

Ao oferecer nova denúncia contra o presidente Michel Temer, nesta quinta-feira (14), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a suposta organização criminosa integrada por Temer e outros membros do PMDB atuou em estatais e ministérios.

Na peça encaminhada ao STF, a PGR denunciou o presidente pelos crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça. Segundo a Procuradoria Geral, o grupo atuou, por exemplo, na Petrobras, na Caixa Econômica Federal, em Furnas e em ministérios.

"Esse esquema de corrupção não estava adstrito à Petrobras, mas foi implantado em diversas empresas públicas, como Caixa Econômica Federal e Furnas, além do Congresso Nacional e de órgãos da administração pública federal." – Rodrigo Janot

Além de Temer, foram denunciados por organização criminosa os ministros do PMDB Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral); os ex-ministros do PMDB Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) e Henrique Eduardo Alves (Turismo); o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Também foram denunciados, por obstrução de Justiça, além de Temer, os executivos da J&F Joesley Batista e Ricardo Saud.

Por ser o presidente da República um dos denunciados, o Supremo só poderá analisar a acusação do Ministério Público se a Câmara dos Deputados autorizar. Em relação aos demais acusados, somente quando o processo retornar ao Supremo é que o ministro Edson Fachin, relator, decidirá sobre o prosseguimento.

Petrobras

Ao Supremo, a PGR afirma que a Petrobras se tornou uma das principais fontes de recursos ilícitos que financiaram a organização criminosa em razão do tamanho da empresa, assim como o "apetite" da Petrobras por investimentos.

Segundo Rodrigo Janot, o PT, enquanto ocurpou a Presidência da República, usou a empresa para obter apoio político no Congresso Nacional e "loteou" cargos na estatal, entregando parte ao PMDB, a partir de 2007.

À época, diz Janot, Eduardo Cunha exercia papel de liderança na bancada do partido na Câmara e articulou junto ao PMDB e ao PT para o grupo assumir o comando da Diretoria Internacional da Petrobras. O objetivo, acrescenta a PGR, era conseguir US$ 700 mil mensais a título de propina.

"Jorge Luiz Zelada assumiu a Diretoria Internacional da Petrobras em março de 2008, com ele, João Augsuto Rezende Henriques passou a ser o grande operador financeiro da arrecadação da propina em proveito dos ora denunciados, em especial de Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Michel Temer", diz trecho da denúncia.

De acordo com a PGR, o grupo obtia propinas, por exemplo, a partir de contratos para construção de navios-sonda e de realização de serviços de recuperação de ativos da Petrobras.

"Observe-se que o mecanismo se enquadra na regra de levantamento de propina pela organização criminosa: facilitações ou direcionamento de contratos, recebimento de comissões por intermediários e posterior repasse para integrantes do núcleo político."

Caixa Econômica

Janot diz que o PMDB da Câmara disputava cargos dentro da Caixa para comandar um esquema que durou de 2008 a 2015. Segundo a denúncia, os peemedebistas liberavam indevidamente recursos por meio do FI-FGTS, programa em que empresas tomavam recursos para obras de infraestrutura.

O primeiro a ocupar cargo na Caixa foi Moreira Franco, em 2008, como vice-presidente de Fundos de Governo e loterias da Caixa (CIFUG).

A partir daí, diz a PGR, Eduardo Cunha também entrou no esquema "devido ao seu excelente desempenho como arrecador de propina", também ocuparam cargos, Fábio Cleto e Geddel Vieira Lima, este sendo o último.

De acordo com a denúncia, Henrique Eduardo Alves e Michel Temer também eram beneficiados pelas propinas e "tinham plena ciência de como o esquema funcionava".

Ministério da Agricultura

A denúncia aponta que Joesley Batista pagou propina aos políticos do PMDB em troca de decisões favoráveis aos negócios da JBS tomadas pelo Ministério da Agricultura, cujos ministros eram peemedebistas. Os valores citados chegam a R$ 7 milhões.

A PGR relata que, dentro das negociações para o PMDB da Câmara apoiar os governos do PT, Michel Temer conseguiu a nomeação de Wagner Rossi como ministro da Agricultura em abril de 2010. Ele permaneceu no posto até agosto de 2011. A peça ainda diz que Joesley foi apresentado a Temer por Rossi.

A PGR observa, então, que, após a saída de Rossi do ministério, Temer solicitou a Joesley o pagamento de uma "mesada" no valor R$ 100 mil ao ex-ministro e de R$ 20 mil a Milton Ortolan. Os pagamentos foram feitos por cerca de um ano, pois Joesley sabia que Temer tinha relação com operações da J&F na Caixa Econômica Federal.

Em 2013, diz a Procuradoria Geral, Eduardo Cunha e Lúcio Funaro apresentaram Joesley a Rodrigo Figueiredo, nomeado secretário de Defesa da Agropecuária no ministério. Joesley defendeu junto à pasta a federalizado o sistema de inspeção animal no país e teve a demanda atendida em 2014, em relação aos despojos.

Janot ainda relata que Joesley aproveitou-se do esquema no Ministério da Agricultura "montado por Eduardo Cunha, com o aval de Henrique Eduardo Alves e Michel Temer", para obter a revogação de um ato normativo que autorizava a aplicação de vermífugos de longa duração e diluição. Assim, voltaram a ser usados vermífugos de prazo de absorção mais curto, facilitando a exportação das carnes.

A denúncia informa que, em maio de 2014, o ministério publicou instrução normativa proibindo temporariamente a produção e o uso das avermectinas de longa ação. Esta medida rendeu mais R$ 5 milhões em propina. Uma planilha de Lúcio Funaro com o codinome "Joe", que tratava de negócios com Joesley, aponta a movimentação de R$ 7 milhões, sendo R$ 2 milhões em 18 de março de 2014 e mais R$ 5 milhões em 1º de julho do mesmo ano.

Os valores eram repassados ao grupo de Cunha, conforme a PGR, de diferentes maneiras, entre as quais, dinheiro em espécie e emissão de notas fiscais com a JBS sem contrapartida de prestação de bens ou serviços. Em algumas situações, houve transferência de propriedades, como no caso de um helicóptero dado a Funaro.

Câmara dos Deputados

A PGR aponta um "esquema montado dentro do Congresso Nacional para venda de medidas legislativas" que "possivelmente, ainda funcione".

Segundo narra a denúncia, integrantes do núcleo político do PMDB negociavam com empresários, cujos negócios seriam impactos por projetos de lei ou medidas provisórias. Em troca de propinas, as alterações na legislação atendiam aos interesses das empresas. Também eram acertados pagamentos no âmbito das comissões do Congresso para apresentar ou retirar requerimentos.

A denúncia cita entre os exemplos de mudanças na legislação que resultaram em repasses de propina um projeto que tratou da desoneração tributária de setores da economia. Em 2015, com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, ele solicitou R$ 15 milhões a Joesley Batista “para garantir que o setor de aves mantivesse a sua alíquota na nova proposta legislativa do Executivo sobre as desonerações”. Segundo o texto, a propina foi paga em espécie a Cunha, que cobrou adicional de R$ 5 milhões.

A PGR ainda cita como alvo do esquema medidas para reduzir o ICMS sobre combustível de aviação no Distrito Federal, em favor da Gol, demandas do grupo Hypermercas sobre dívidas fiscais e questões do interesse da Odebrecht.

A denúncia destaca que, para interceder em favor da OAS para eliminar restrições nas privatizações dos aeroportos do Galeão e de Confins e para derrubar entraves à liberação de financiamento do BNDES na obra Arena das Dunas, a empreiteira pagou R$ 7,85 milhões em propinas ao grupo de Cunha.

A PGR ainda registra que entre agosto de 2014 e janeiro de 2015, Cunha “gastou mais de R$ 30 milhões” em sua campanha à presidência da Câmara – ele foi eleito para o cargo em fevereiro de 2015. A peça afirma que o valor foi descontado da propina que a J&F deveria pagar em troca de financiamentos obtidos na Caixa.

Furnas

Segundo a PGR, a suposta organização criminosa começou a atuar em Furnas, empresa vinculada ao Ministério de Minas e Energia, em 2007, quando Eduardo Cunha passou a fazer indicações para cargos.

Na acusação, Rodrigo Janot afirma que houve um "volume expressivo" de valores repassados ao grupo por empresas que se "relacionavam" com Furnas. Esses repasses eram feitos via doações eleitorais para o PMDB.

O procurador-geral usa, ainda, a delação de Lúcio Funaro, para reforçar a acusação. Funaro está preso, fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público e é apontado como um dos operadores de propina para o PMDB. Segundo Janot, Funaro afirmou, por exemplo, que obras no Rio Madeira resultaram no pagamento de propina para Cunha, Henrique Alves e Temer.

Ministério da Integração Nacional

Ao denunciar o grupo, Janot também destaca a atuação da suposta organização criminosa no Ministério da Integração Nacional, a partir de 2007, quando Geddel Vieira Lima assumiu o comando da pasta e Henrique Eduardo Alves fazia indicações para um órgão vinculado ao ministério.

À época, exemplifica o procurador-geral, órgãos de controle apontaram desvios superiores a R$ 300 milhões.

"A cobrança de propina no órgão era feita por interposta pessoa, que, em nome de Henrique Eduardo Alves, cobrava das empresas que tinham negócios com o Dnocs um percentual em torno de 3% do contrato a título de propina. O mesmo percentual era cobrado em benefício de Geddel Vieira Lima, na época em que era ministro da Integração Nacional e responsável pelas verbas orçamentárias que viabilizavam a atuação do Dnocs", diz a denúncia.

Secretaria de Aviação Civil

A denúncia narra que, a partir de 2013, quando Moreira Franco foi nomeado para a Secretaria de Aviação Civil, iniciou-se uma série de fraudes em leilões de concessões de aeroportos.

Em um dos casos apontados por Janot, a Odebrecht perdeu a primeira rodada da concessão dos aeroportos, em 2012, de Guarulhos, Viracopos e Brasília.

Após Moreira Franco ser nomeado ministro, cláusulas do processo de concessão foram mantidas, atendendo a interesses do grupo. Beneficiada, a Odebrecht venceu a concessão do Aeroporto do Galeão.

Em troca, diz a PGR, a Odebrecht fez repasses, a pedido de Moreira Franco, para a campanha eleitoral de 2014. Segundo a denúncia, os valores foram repassados para Eliseu Padilha, indicado na planilha da empresa como "primo". Padilha sucedeu Moreira no comando da secretaria, a partir de 2015.

A PGR relatou, também, outros casos em que empresas foram beneficiadas em leilões de aeroportos e rodovias, acrescentando que tais situações deixam "translúcida" a relação "promíscua" entre o público e o privado, revelando um "verdadeiro escambo por parte de Moreira Franco com a coisa pública."

Outras áreas

Janot apontou, por fim, transações suspeitas do grupo em "outras áreas", como irregularidades na atuação de Henrique Eduardo Alves para beneficiar a construtora OAS nas obras da Arena Dunas, em Natal (RN).

Henrique Alves também recebeu quantias em dinheiro da Odebrecht, para que privatizasse a Companhia de Água e Esgoto do Rio Grande do Norte (CAERN) caso fosse eleito.

A PGR também ilustrou outra atuação do grupo, quando, em 2016, Michel Temer solicitou a Joesley Batista R$ 300 mil para pagar despesas de marketing político pela internet. Uma pessoa de nome Elcinho buscou a quantia na casa de Joesley.

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