Por Clara Velasco, Rosanne D'Agostino e Thiago Reis


Mapa mostra superlotação dos presídios no país — Foto: Editoria de Arte/G1

Com o aumento no número de presos no sistema penitenciário, o Brasil já contabiliza um déficit de 273,3 mil vagas. Existem hoje 668.182 presos, sendo que 37% deles são provisórios. É o que mostra um levantamento feito pelo G1 com base nos dados mais atualizados dos governos dos 26 estados e do Distrito Federal. VEJA O MAPA COM DADOS DE TODOS OS ESTADOS

O estado com a maior superlotação no país é o Amazonas, com 230% acima da capacidade (o que significa que há mais de três presos por vaga) – superando Pernambuco, que agora aparece em 2º. Já o que abriga o maior percentual de provisórios (ou seja, ainda aguardando julgamento) é o Piauí (65%).

Os números se referem especialmente aos meses de dezembro do ano passado e janeiro deste ano. Há superlotação em todas as unidades da federação. A média, no país, é de 69,2% – maior que a registrada no último levantamento feito pelo G1, em maio de 2015, quando era de 65,8%.

Desde o último levantamento do G1, foram acrescidos ao sistema 23,4 mil lugares – insuficientes, no entanto, para a nova demanda, de 52,2 mil presos. Há atualmente 394,8 mil vagas no sistema.

Comparando o levantamento de maio de 2015 com o de agora:

  • O Brasil prendeu mais gente do que as vagas criadas nas prisões
  • Como resultado, a superlotação aumentou de 65,8% para 69,2%
  • Amazonas superou Pernambuco como estado com mais superlotação
  • Percentual de presos provisórios caiu de 38,6% para 37,1%

Os dados obtidos pela equipe de reportagem ajudam a traçar um raio X atual do sistema prisional, já que os últimos números oficiais divulgados em 2016 pelo Ministério da Justiça são relativos a dezembro de 2014. O órgão deve divulgar um novo balanço completo até o fim deste mês – ainda assim, com dados defasados, de 2015.

Para o professor de ciência política Frederico de Almeida, da Unicamp, “o grande erro é pensar que o problema da superlotação é resolvido com a construção de mais presídios”. “Só construir cria bases para lotá-los em algum momento. O governo Temer, por exemplo, deslocou dinheiro reservado para o sistema penitenciário para políticas de repressão. Aumenta o investimento em políticas que vão prender mais”, diz.

“Se não parar de mandar gente para o presídio, não vai resolver o problema. Não tem dinheiro que dê conta do ritmo que a gente encarcera. Lotamos as cadeias por crimes patrimoniais, ao mesmo tempo em que crimes contra a vida não são punidos, pois menos de 8% de casos de homicídios são concluídos no país. E os punidos são, em sua maioria, jovens, negros e pobres.”

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, lançou nesta sexta (6) o plano nacional de segurança do governo federal, que vai se concentrar em três eixos principais: a redução dos crimes de homicídio, feminicídio e violência contra a mulher; o combate ao crime organizado, com foco no tráfico de drogas e de armas; e a modernização e racionalização de presídios.

Número de presos cresce em proporção maior que o da população; 180% em 15 anos, ante 16% — Foto: Editoria de arte/G1

Guerra às drogas

Especialistas, no entanto, consideram que uma maior repressão no que se refere às drogas só piorará a situação.

Coordenador nacional da Pastoral Carcerária, o padre Valdir João Silveira afirma que o tráfico tem sido o grande responsável pelo aumento das prisões no país. “A medida mais urgente é fazer com que leis sejam aprovadas para descriminalizar o usuário de drogas. A descriminalização do pequeno tráfico reduzirá o número de presos e reduzirá a violência nas cidades. Em outros países, houve uma queda de imediato, tanto nas prisões como nos índices de violência”, afirma.

O professor da Unicamp tem opinião parecida. “Precisamos rever a questão da guerra às drogas. Estamos lotando presídios com pessoas presas por pequeno tráfico, aumentando o exército de grupos criminosos. Estamos alimentando o problema, não resolvendo. No mundo inteiro, o combate às drogas é como enxugar gelo.”

Vista interna do Compaj, palco de 56 mortes no Amazonas neste ano — Foto: Jamile Alves/G1 AM

Amazonas

O Amazonas, que hoje vive uma crise após o massacre de 56 detentos, é o estado com a maior superlotação em presídios do país: 230%. São 10.323 presos para um total de 3.129 vagas. Em 2015, esse percentual era de 175%, mas o governo afirma que um presídio em Manacapuru foi desativado, aumentando o déficit de vagas.

No 1º dia do ano, o complexo de Manaus teve 56 presos mortos e mais de 180 foragidos em 17 horas de rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). A suspeita inicial é a de que presos que integram a facção Família do Norte (FDN) tenham atacado membros da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), em um novo episódio da guerra entre a facção paulista e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, pela disputa do controle do tráfico de drogas nacional.

O Compaj também está superlotado. Ele abriga 1.224 presos e está localizado no km 8 da BR-174, que liga a capital a Boa Vista (RR). A unidade prisional, feita para abrigar 454 presos, está com a ocupação 170% acima de sua capacidade.

O governador do estado, José Melo, diz que o número de presos cresceu porque o atual governo tem reprimido o tráfico e já conseguiu tirar de circulação duas toneladas de drogas. Ele fez uma sugestão ao ministro da Justiça para que sejam usadas as Forças Armadas no combate ao narcotráfico nas fronteiras do país.

Melo afirma que, entre as medidas para combater a superlotação, está a construção de três novos presídios no estado. "Já temos terreno, os projetos estão prontos. Um presídio será construído em Parintins e outro em Manacapuru. Uma penitenciária agrícola vai começar [a ser construída] neste mês, porque eu quero segregar o bandido que matou todas essas pessoas ligadas ao tráfico, daquele preso que, em um ato desatino, matou ou roubou alguém e hoje está junto com os outros, como se aquilo fosse uma escola do crime."

Pernambuco

Pernambuco, que liderava no último levantamento, aparece agora em segundo no ranking. O estado conta hoje com 10.967 vagas, mas abriga 30.030 presos – uma superlotação de 174%. A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco diz que tem tomado diversas ações para reduzir a superlotação do sistema prisional, como a inauguração das unidades de Tacaimbó e Santa Cruz do Capibaribe. Há ainda a construção do Complexo de Araçoiaba em andamento, segundo o governo, que abrigará 2.754 detentos, distribuídos em sete unidades. Com previsão de inauguração para o primeiro semestre de 2018, a obra desafogará o Complexo do Curado, na Região Metropolitana do Recife, e a Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá.

O governo diz que está construindo ainda o Centro Integrado de Ressocialização (CIR) de Itaquitinga. Na obra, está previsto adequar a atual Unidade de Regime Semiaberto (URSA-1) em Unidade de Regime Fechado, além de concluir as Unidades de Apoio ao Complexo do CIR. Com a finalização das obras, a previsão é que sejam entregues mais de mil vagas em regime fechado.

Segundo o padre Silveira, as regiões Norte e Nordeste do país são as mais carentes e com alto índice de violência prisional, com prisões mistas e superlotadas. “Outro ponto gravíssimo é que há poucos defensores públicos. Existe um defensor para 17 comarcas em alguns locais. E há presos amontoados por muito tempo pressionando a primeira audiência no fórum”, afirma.

Audiências de custódia têm sido feitas em alguns estados do país — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Audiências de custódia

O professor da Unicamp e o coordenador da Pastoral Carcerária apontam um caminho comum para tentar diminuir o problema da superlotação no país.

“Precisamos de um esforço constitucional grande para resolver, a curto prazo, a superlotação e a questão dos problemas físicos e humanitários. De curto para médio prazo, tem que ter um esforço grande de dar vazão aos processos judiciais. Nesse sentido, uma medida que está sendo implantada em caráter experimental em alguns estados é a audiência de custódia. As audiências já reduziram o número de prisões, mas ainda há muita resistência por parte da polícia e de alguns magistrados”, diz Almeida.

O padre Silveira também defende investir nas audiências de custódia e cobra a efetivação da súmula 56, que impede que o preso seja colocado em um regime mais grave por falta de vagas no semiaberto. “Precisamos melhorar a Justiça criminal, vingativa, que só olha para o passado do crime e não olha para as consequências da punição. Ela precisa ser restaurativa, colocando a vítima no centro da discussão. Onde o estado foi ausente, ele hoje é presente para reprimir.”

Piauí

O secretário de Justiça do Piauí, Daniel Carvalho Oliveira Valente, diz que o estado tem focado exatamente nas audiências de custódia para tentar diminuir o número de provisórios, mas que a tarefa, ainda assim, tem sido difícil. O estado, segundo o levantamento do G1, é o que tem o maior percentual de presos sem condenação no sistema prisional: 65%, ou 2,7 mil de 4,2 mil detentos.

“Tem que controlar a porta de entrada do sistema penitenciário. Mesmo com as audiências, o índice de aprisionamento é muito alto. Os magistrados mantêm as prisões de quase 60% dos presos levados às audiências”, diz.

Ele atribui o alto índice à morosidade dos julgamentos e à própria concepção do sistema no país, que “prende mal”. “A gente precisa discutir melhor como prender. Pessoas que cometeram crimes com grave ameaça devem ser mantidas na prisão e devem ter penas mais severas, mas aqueles que cometeram crimes mais simples, como o uso de drogas, que às vezes é enquadrado como tráfico, podem ter alternativas à prisão.”

Ele acredita que o enfrentamento à situação depende de todo o sistema de Justiça penal, passando por polícia, Defensoria, a própria Secretaria de Justiça, entre outros órgãos. “Cada instituição tem que desempenhar melhor seu papel.” Quanto à superlotação no estado, que está 87% acima da capacidade, o secretário afirma que ela deve ser resolvida com a construção de novos presídios. Segundo ele, 800 novas vagas devem ser abertas em 2017 e outras mil, em 2018. “Com essas novas vagas, a gente praticamente zera o nosso déficit.”

O ministro Alexandre de Moraes diz que a situação dos presos provisórios deve ser revista em todo o país. O governo federal, explica, vai sugerir a criação de uma força tarefa nacional com as defensorias públicas e analisar junto ao Judiciário a realização de um mutirão de audiências de custódia para presos sem condenação por crimes sem violência.

São Paulo

São Paulo, que tem a maior população prisional do país, conseguiu reduzir, segundo os dois levantamentos do G1, o número de provisórios em dois anos. Agora, são 56.540 – menos de 1/4 do total. Com isso, houve uma ligeira queda também na média do país: de 38,6% para 37,1%.

A Secretaria da Administração Penitenciária diz que tem participado ativamente na realização de audiências de custódia, que tem colaborado de forma decisiva para reduzir o número de inclusões de pessoas presas em flagrante no sistema penitenciário. "O governo de São Paulo, por meio da SAP, também mantém parcerias com a Defensoria Pública e a Corregedoria Geral de Justiça para prestação de assistência judiciária aos sentenciados e a realização de mutirões para análise dos pedidos de progressão de regime", informa.

"São Paulo é pioneiro em audiência de custódia: em 24 horas o preso em flagrante é apresentado ao juiz, promotor público e a um defensor, podendo responder ao processo em liberdade dependendo da análise do juiz. A realização das audiências está em expansão para todo o estado, de acordo com cronograma do Poder Judiciário paulista. De acordo com seus antecedentes e natureza do delito praticado, a pessoa autuada em flagrante delito pode responder ao processo em liberdade, sem ser recolhida ao cárcere", diz a pasta.

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