Por Camila da Silva — São Paulo


  • O Ministério da Ciência e Tecnologia pagou duas viagens de urgência para Carlos Rocha, indiciado na tentativa de golpe de estado para manter ilegalmente Bolsonaro no poder.

  • Rocha foi indiciado por ser responsável por um relatório, usado pelo PL e outros investigados, para embasar ataques sem provas às urnas eletrônicas.

  • As viagens de urgência ocorreram em 2021, quando o ministério era chefiado por Marcos Pontes, hoje senador pelo PL, e que indicou Rocha para o partido.

  • O motivo das viagens era apresentar propostas de uma associação que defende voto auditável, uma das bandeiras de Bolsonaro parra atacar as urnas, que já são auditadas.

  • Ao jornal 'O Globo', Pontes havia dito que conheceu Rocha porque ambos foram do ITA, e que só repassou o contato para o PL. Procurado por 3 dias pelo g1, não se manifestou.

Governo Bolsonaro pagou viagens para indiciado mostrar supostas fragilidades das urnas

Governo Bolsonaro pagou viagens para indiciado mostrar supostas fragilidades das urnas

O Ministério da Ciência e Tecnologia pagou, em 2021, duas viagens de urgência para o engenheiro Carlos Rocha, um dos indiciados no inquérito da tentativa de golpe de Estado para manter ilegalmente Jair Bolsonaro (PL) no poder mesmo com a derrota na eleição de 2022.

O dinheiro público – R$ 7,7 mil – foi usado para que Carlos Rocha fosse a Brasília se encontrar com o então titular do ministério e hoje senador Marcos Pontes (PL-SP) em duas datas distintas: 26 de julho e 30 e julho de 2021.

A compra de passagens de urgência só pode ser autorizada pelo próprio ministro ou por seu secretário-executivo.

O objetivo oficial das viagens, segundo os registros do ministério, era ouvir uma associação que defende voto auditável – uma bandeira usada por Bolsonaro para atacar a confiabilidade das urnas eletrônicas, que já são auditadas (leia mais abaixo).

Não há registro do primeiro encontro. Já o segundo ocorreu no Palácio do Planalto e contou com a participação, além de Marcos Pontes e Carlos Rocha, do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general da reserva do Exército Augusto Heleno, ambos também indiciados pela tentativa de golpe de estado.

Carlos Rocha, fundador do Instituto Voto Legal — Foto: Reprodução/Redes sociais

Senador é citado no inquérito, mas não foi indiciado

O senador Marcos Pontes não foi indiciado, e é citado no inquérito como responsável por indicar Carlos Rocha para Valdemar da Costa Neto, presidente do Partido Liberal (PL). A legenda contratou o engenheiro por R$ 1 milhão para elaborar um relatório que apontou, sem provas, indícios de fraudes nas urnas eletrônicas no 2º turno da eleição de 2022.

Para a PF, Rocha fez o documento mesmo tendo consciência de que não havia irregularidade nas urnas.

As informações produzidas por Rocha foram usadas pelo PL para questionar o resultado da eleição do 2º turno e para embasar a propagação de informações falsas sobre as urnas eletrônicas para incitar a população contra a derrota de Bolsonaro, segundo a investigação da PF.

Por conta disso, Rocha foi indiciado por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do estado democrática de direito e organização criminosa, juntamente com outras 36 pessoas (incluindo Bolsonaro, Valdemar e Heleno).

A jornal, senador disse que só 'passou contato'

O g1 procurou o senador Marcos Pontes durante três dias consecutivos, mas ele não atendeu a nenhuma das sete tentativas de contato por meio de ligações e mensagens.

Ao jornal "O Globo", Marcos Pontes disse que Valdemar (o presidente do PL) lhe perguntou se conhecia alguém que entendia da tecnologia das urnas e que, em resposta, indicou Carlos Rocha.

Pontes afirma que Rocha o havia procurado anteriormente por meio de uma associação de ex-alunos do Instituto Técnico da Aeronáutica (ITA), no qual os dois estudaram.

"Assim, passei o contato dele [para Rocha], e aí encerrou minha participação", afirmou Pontes ao jornal "O Globo".

O g1 também procurou Carlos Rocha por e-mail, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

O então ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, em imagem de setembro de 2021. — Foto: Isaac Fontana/Framephoto/Estadão Conteúdo

Justificativa para viagens foi ouvir associação que defende 'voto auditável'

Segundo os registros oficiais, o Ministério da Ciência e Tecnologia pagou as viagens para Carlos Rocha para que Marcos Pontes, Bolsonaro e o general Heleno vissem a apresentação de uma proposta "para o aperfeiçoamento técnico do sistema eletrônico de votação" feita pela Associação Grita!.

A associação defende "voto auditável" e "auditoria externa" do processo eleitoral brasileiro – medidas que já existem.

A urna eletrônica já possibilita a auditoria da votação por meio do Boletim de Urna (BU), que é um documento público, disponibilizado logo após o fim da eleição, que permite ver quais foram os votos registrados em cada urna.

Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permite que entidades credenciadas – públicas e privadas – façam a auditoria do código-fonte das urnas antes das eleições, e convida observadores externos para acompanhar todo o processo eleitoral.

Procurada, a Associação Grita! não respondeu aos contatos da reportagem.

Viagens ocorreram à época da live de ataque às urnas

As viagens a Brasília de Carlos Rocha pagas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia ocorreram na mesma época em que Bolsonaro fez uma live com notícias falsas para atacar as urnas eletrônicas.

Na ocasião, 29 de julho, o então presidente voltou a defender voto auditável.

No relatório do inquérito do golpe, a Polícia Federal (PF) destaca que dois dias antes, em 27 de julho, o então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, fez as últimas modificações em um documento com ataques às urnas e orientações que deveriam ser seguidas por Bolsonaro.

Entre as orientações, está a defesa do voto auditável.

"Há domínio de apenas alguns técnicos do TSE ao código-fonte e chaves criptográficas sem qualquer controle. O voto auditável é o controle dessa liberdade desses técnicos. A democracia brasileira não pode estar na governança de alguns técnicos, levados a estas funções por governos anteriores. Estas questões que devem ser massificadas", diz o documento da PF.

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