O ex-presidente Jair Bolsonaro no Teatro Municipal de SP, em imagem de março de 2024 — Foto: Amanda Perobelli/Reuters
A Polícia Federal indiciou nesta quinta-feira (21) o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ex-integrantes de seu governo por abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Ao todo, a lista tem 37 nomes.
A defesa de alguns indiciados já se posicionou nesta tarde. Por meio de uma rede social, Bolsonaro disse que precisa analisar o teor do indiciamento e que vai aguardar o advogado.
Já o advogado do ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022, general Braga Netto, afirmou que "repudia" a divulgação das informações sobre o inquérito e que aguardará o recebimento oficial das informações para se posicionar (veja todas as declarações das defesas).
➡️ O indiciamento significa que a PF viu fatos suficientes para considerar que Bolsonaro e esses ex-integrantes participaram da trama golpista que tentou tirar o mandato do presidente eleito em 2022, Luiz Inácio Lula da Silva.
A PF apresentou o relatório com os indiciamentos para o Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, deve enviar o material para análise Procuradoria-Geral da República (PGR).
Se a PGR entender que há elementos suficientes que demonstram a participação nos atos, vai oferecer à Justiça uma denúncia contra os envolvidos. Só se a denúncia for acolhida pelo STF é que Bolsonaro e seus auxiliares virariam réus.
PF conclui inquérito do golpe e indicia Bolsonaro e ex-ministros
Desde o ano passado, a PF investiga a tentativa de golpe de Estado e iniciativas nesse sentido que ameaçaram o país entre 2022 e 2023, após Lula ter sido eleito — vencendo Bolsonaro nas urnas — e até pouco depois de ele ter tomado posse.
A investigação remonta aos discursos de altas autoridades do governo Bolsonaro para descreditar a urna eletrônica e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e se estende até o fim de 2022.
Passa, portanto, pelas "minutas do golpe" encontradas na casa do ex-ministro Anderson Torres, no celular de Mauro Cid e na sede do PL em Brasília; e pelo plano, revelado pela operação Contragolpe na última terça (19), que previa inclusive o assassinato de autoridades.
Os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, embora também se relacionem a uma tentativa de derrubar Lula da Presidência da República, são investigados em um inquérito separado.
O que dizem os indiciados
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
A defesa de Bolsonaro ainda não se pronunciou oficialmente nesta quinta-feira (21), mas, em uma rede social, Bolsonaro replicou uma entrevista que concedeu a um veículo de imprensa.
Na ocasião, Bolsonaro afirmou que precisa analisar o teor do indiciamento e que aguardará o advogado.
Inquérito golpe: Jair Bolsonaro se manifesta em rede social
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022, general da reserva do Exército
A defesa de Walter Souza Braga Netto repudiou a divulgação de informação sobre o inquérito e afirmou que "aguardará o recebimento oficial dos elementos informativos para adotar um posicionamento formal e fundamentado".
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro
A defesa do ex-ministro Anderson Torres informou, nesta quinta, que irá se posicionar somente após ter acesso ao relatório de indiciamento.
- Valdemar Costa Neto, presidente do PL – partido pelo qual Bolsonaro disputou a reeleição;
A defesa de Valdemar Costa Neto disse que não vai comentar o indiciamento da PF. "Sem comentários. Não vamos comentar", disse o advogado Marcelo Bessa nesta quinta.
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
A defesa do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, reiterou a inocência do investigado, esclarecendo que ainda não teve acesso integral aos autos.
- Alexandre Ramagem, deputado federal, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e delegado da Polícia Federal
A defesa de Alexandre Ramagem criticou a atuação do STF e a investigação. Um dos trechos da nota diz:
"A base do ordenamento no Brasil passou a ser mesmo a criatividade. STF é a lei. Não importa construção da segurança jurídica."
Em outro momento afirma:
"Sistema acusatório, divisão entre investigação, acusação, julgamento e a própria vítima completamente desrespeitado e descaracterizado. A lógica investigativa foi alterada de materialidade a autoria, para um início a partir da escolha de alvos, necessidade de imputar e posterior 'produção' de provas."
Os advogados também citam a prisão Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais do ex-presidente Bolsonaro como "absurda". Ele ficou seis meses preso preventivamente.
"Narrativas se tornam fatos. Estúpidos absurdos como essa descabida prisão do Filipe Martins, com vergonhosa conclusão de relatório, é um dos diversos e graves atropelos à ordem e legalidade. Onde isso irá parar? Excessos e perseguições estão mais que evidentes. Não está mais apenas para a história julgar."
- Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor de Bolsonaro e considerado um dos pilares do chamado "gabinete do ódio", e Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva e ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro
A defesa de Tércio Arnaud e de Marcelo Costa Câmara enviou nota em que diz ter tomado conhecimento do relatório da PF e que, embora a medida fosse esperada, "discorda veementemente" dos indiciamentos, pois entende que eles não se sustentam diante da "ausência de qualquer elemento concreto" que vincule os clientes às condutas investigadas.
"Confiamos que o representante do Ministério Público, em sua atuação isenta, técnica e guiada pela busca da verdade, reconhecerá a necessidade de diligências complementares para esclarecer integralmente os fatos, o que evitará a propositura de denúncia baseada em elementos insuficientes ou especulativos", escreveu.
A defesa reafirmou a inocência dos clientes "reconhecida no curso da apuração" e o "compromisso com a verdade e com o pleno respeito ao devido processo legal".
- Ronald Ferreira de Araujo Junior, tenente-coronel do Exército
Os advogados do tenente-coronel do Exército Ronald Ferreira de Araujo Junior informaram que embora o relatório final da investigação não tenha sido divulgado e que a denúncia não tenha sido oferecida pela Procuradoria-Geral da República, o indiciamento de Ronald "não condiz, a toda evidência, com a realidade dos fatos".
A defesa argumentou também que o cliente "não participou, a qualquer título, dos supostos crimes investigados". Afirmou também que ele não "concorreu, intelectual ou materialmente, para a prática de qualquer conduta voltada à subversão da ordem jurídica do país que sempre procurou dignificar por meio da farda."
Reforçou que "confia na análise que será realizada pelo Ministério Público Federal e aguarda o acesso ao relatório da PF para maiores esclarecimentos".
- Amauri Feres Saad, advogado citado na CPI dos Atos Golpistas como 'mentor intelectual' da minuta do golpe
A defesa de Saad disse que não teve acesso ao relatório final da PF, portanto, não tem condições de comentá-lo.
"Apenas ressaltamos que o inquérito tramita em segredo de justiça, de forma que causa espanto que a Polícia Federal disponibilize uma suposta lista de indiciados em seu site, desrespeitando o sigilo imposto pelo ministro Alexandre de Moraes", afirmam os advogados.
- Alexandre Castilho Bitencourt da Silva, coronel do Exército e um dos autores do documento de teor golpista "Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa e Exército Brasileiro"
À TV Globo, a defesa de Castilho disse que ele "reafirma seu absoluto compromisso com o Estado democrático de Direito e repudia veementemente qualquer alegação que o vincule a atos que visem sua abolição violenta, golpe de Estado ou organização criminosa."
A defesa do coronel também afirmou que não há "provas substanciais que sustentem as acusações" e que o militar "tem mais de 31 anos de serviços dedeicados à segurança e ao bem-estar do Brasil."
- José Eduardo de Oliveira e Silva, padre da diocese de Osasco
A defesa do religioso fez críticas ao inquérito, dizendo que os investigadores "não se furtaram em romper a lei e tratado internacional ao vasculhar conversas e direções espirituais realizadas pelo padre" que possuem garantia de sigilo.
Também à TV Globo, a divulgação pela PF da lista de indiciados "é mais um abuso realizado pelos responsáveis da investigação", que "contamina toda instituição e a torna responsável pela quebra da determinação do ministro de sigilo absoluto."
- Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva e ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro
Em manifestação enviada à TV Globo, a defesa de Câmara disse discordar "veementemente do indiciamento, pois entende que ele não se sustenta diante da ausência de qualquer elemento concreto que vincule o Coronel Marcelo Costa Câmara às condutas investigadas."
O advogado Eduaro Kuntz completou dizendo confiar que o Ministério Público "reconhecerá a necessidade de diligências complementares para esclarecer integralmente os fatos" e que "a inocência do Cel. Marcelo Costa Câmara será devidamente reconhecida no curso das apurações."
- Filipe Garcia Martins, ex-assessor da Presidência da República que participou da reunião que tratou da minuta de golpe
A defesa de Filipe Martins se manifestou nesta sexta-feira (22). Em nota, afirmou considerar "risível e juridicamente insustentável o indiciamento de seu cliente."
Acrescentou que o indiciamento foi "fabricado inteiramente com base em ilações e narrativas fantasiosas — jamais em fatos e evidências concretas".
Em outro trecho do documento, a defesa citou a prisão Filipe Martins. Criticou a atuação e o relatório da PF.
"Filipe Martins foi preso com base em um documento apócrifo e não oficial, providenciado exclusivamente por um delator desesperado em busca de benefícios judiciais. Esse documento foi prontamente contraditado por provas oficiais brasileiras e americanas que demonstraram de forma incontestável que a alegada viagem jamais ocorreu. Ainda assim, sua prisão foi mantida por mais de seis meses, desconsiderando todas as evidências de sua inocência", pontuou.
A nota finaliza dizendo que a inocência de Martins será "mais uma vez provada, contra toda e qualquer criatividade autoritária que busque distorcer os fatos e a realidade."
- Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, empresário e neto do ex-presidente do período ditatorial João Figueiredo
Na noite desta quinta, Paulo Renato afirmou, em nota, que "entende o indiciamento como parte de uma campanha de intimidação" conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes.
Moraes, segundo ele, busca silenciar tanto ele quanto o trabalho que ele vem conduzindo.
Pontuou que não esteve no Brasil nenhuma vez em 2022 e que realizou o seu trabalho jornalístico nos Estados Unidos, onde reside há quase uma década.
"A conduta criminosa que me é atribuída é a de reportar, com precisão, os acontecimentos envolvendo o alto comando do Exército brasileiro", afirmou.
"Deixo claro: não respondo a intimidações, tampouco recuarei no exercício das minhas liberdades dadas por Deus. Tenho inclusive plena confiança de que os Estados Unidos, sob uma nova administração que valoriza a liberdade, tratarão esses acontecimentos com a gravidade que merecem", completou em outro trecho.
- Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército acusado de intermediar inserção de dados ilegal em cartões de vacinação contra Covid-19
A Defensoria Pública da União informou, nesta quinta, que ainda não houve tempo hábil para o defensor se inteirar completamente das acusações conta Ailton Gonçalves, por isso, não terá como se manifestar neste momento.
- Laercio Vergililo, general da reserva envolvido em suposta trama golpista
A TV Morena procurou o coronel Laércio Vergílio nesta quinta, em Campo Grande. Na ocasião, ele afirmou que não vai se pronunciar sobre o indiciamento.
Divisão de tarefas
As investigações da PF apontaram que os investigados se estruturaram por meio de divisão de tarefas, o que permitiu a individualização das condutas e a constatação da existência dos seguintes grupos:
- Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;
- Núcleo Responsável por Incitar Militares à Aderirem ao Golpe de Estado;
- Núcleo Jurídico;
- Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;
- Núcleo de Inteligência Paralela;
- Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas
Veja a lista de todos os indiciados:
- AILTON GONÇALVES MORAES BARROS
- ALEXANDRE CASTILHO BITENCOURT DA SILVA
- ALEXANDRE RODRIGUES RAMAGEM
- ALMIR GARNIER SANTOS
- AMAURI FERES SAAD
- ANDERSON GUSTAVO TORRES
- ANDERSON LIMA DE MOURA
- ANGELO MARTINS DENICOLI
- AUGUSTO HELENO RIBEIRO PEREIRA
- BERNARDO ROMAO CORREA NETTO
- CARLOS CESAR MORETZSOHN ROCHA
- CARLOS GIOVANI DELEVATI PASINI
- CLEVERSON NEY MAGALHÃES
- ESTEVAM CALS THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA
- FABRÍCIO MOREIRA DE BASTOS
- FILIPE GARCIA MARTINS
- FERNANDO CERIMEDO
- GIANCARLO GOMES RODRIGUES
- GUILHERME MARQUES DE ALMEIDA
- HÉLIO FERREIRA LIMA
- JAIR MESSIAS BOLSONARO
- JOSÉ EDUARDO DE OLIVEIRA E SILVA
- LAERCIO VERGILIO
- 24.MARCELO BORMEVET
- 25.MARCELO COSTA CÂMARA
- 26.MARIO FERNANDES
- 27. MAURO CESAR BARBOSA CID
- 28.NILTON DINIZ RODRIGUES
- 29.PAULO RENATO DE OLIVEIRA FIGUEIREDO FILHO
- 30.PAULO SÉRGIO NOGUEIRA DE OLIVEIRA
- 31.RAFAEL MARTINS DE OLIVEIRA
- 32.RONALD FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR
- 33.SERGIO RICARDO CAVALIERE DE MEDEIROS
- 34.TÉRCIO ARNAUD TOMAZ
- 35.VALDEMAR COSTA NETO
- 36.WALTER SOUZA BRAGA NETTO
- 37.WLADIMIR MATOS SOARES
- Esta reportagem está em atualização