Por Kevin Lima, g1 — Brasília


  • A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado pode votar uma proposta que anula partes de um decreto do presidente Lula e flexibiliza restrições ao acesso às armas

  • O projeto visa derrubar seis regras do decreto de julho de 2023, incluindo a retirada de controle sobre armas de pressão e a permissão de clubes de tiro próximos a escolas

  • Se aprovada pela CCJ e pelo plenário do Senado, a proposta será promulgada pelo Congresso sem a necessidade de sanção presidencial

  • Associações de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) apoiam a proposta, enquanto entidades de segurança pública, como o Instituto Igarapé, criticam o texto

  • O projeto, fruto de um acordo entre a “bancada da bala” e o governo, já foi aprovado pela Câmara e deve passar sem dificuldades pelo Senado

Homem segura arma em um clube de tiro — Foto: Unsplash/Hosein Charbaghi

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve votar nesta quarta-feira (14) uma proposta que anula trechos de um decreto do presidente Lula (PT) e flexibiliza restrições ao acesso às armas.

O texto volta à pauta da CCJ após pressão de parlamentares sobre o presidente do colegiado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para que o projeto seja aprovado às vésperas do início das campanhas municipais.

Ao todo, a proposta derruba seis regras — ainda válidas — estabelecidas pelo decreto editado por Lula, em julho de 2023, para ampliar o controle sobre armamentos no país.

Em linhas gerais, o texto:

  • retira qualquer tipo de controle a armas de pressão
  • permite o funcionamento de clubes de tiro próximos a escolas
  • acaba com um regime de progressão de nível para atiradores
  • e concentra poderes no Exército

As regras do decreto de Lula somente serão anuladas se a proposta for aprovada pela CCJ e também pelo plenário do Senado. Se não sofrer modificações, o texto, que já foi aprovado pela Câmara, será diretamente promulgado pelo próprio Congresso — sem passar pela sanção do presidente Lula.

A possibilidade de uma eventual derrubada dos trechos é celebrada por associações que representam os CACs (Caçadores Atiradores e Colecionadores). E duramente criticada por entidades civis especialistas em segurança pública, como o Instituto Igarapé.

O instituto avalia o texto como uma possibilidade de “colocar em xeque a eficácia do controle de armas restabelecido” durante o governo Lula.

Por outro lado, as confederações de tiro esportivo afirmam que a proposta dá fim a medidas que têm causado “constrangimentos e entraves ao pleno desenvolvimento das atividades desportivas”.

Por trás das manifestações, o projeto chegou ao Senado com um acordo já pacificado entre a “bancada da bala” e o governo.

O texto foi aprovado pela Câmara em votação simbólica, com uma vice-líder do governo como relatora e como fruto de diálogos com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.

Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) afirmou ao g1 que o texto terá o mesmo tratamento na Casa.

Na prática, significa que não deverá enfrentar problemas na CCJ e, futuramente, no plenário principal do Senado — votação que ainda não tem data para ocorrer.

O relator do texto no Senado, Vanderlan Cardoso (PSD-GO), declarou ao g1 que, após a análise do projeto, pedirá a aprovação de um requerimento de urgência para que a proposta entre com mais rapidez na pauta do plenário principal do Senado.

Interlocutores do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), dizem que não há chance de a proposta ser discutida nesta semana.

Veja o que poderá mudar com a aprovação da proposta pelo Congresso (clique no link para seguir ao conteúdo):

  • clubes de tiro
  • flexibilização para armas
  • comprovações para atiradores
  • armas de pressão
  • trocas de armas
  • poder do Exército

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Clubes de tiro

O projeto anula trecho do decreto de Lula e passa a permitir que clubes de tiro sejam instalados a menos de um quilômetro (km) de distância de creches, escolas e universidades públicas ou privadas.

Segundo Vanderlan Cardoso, a derrubada do trecho devolve aos municípios a competência para criar regras sobre a localização desses ambientes, que podem ou não contemplar distâncias mínimas de instituições de ensino.

O Instituto Igarapé afirma que 8 em cada 10 clubes de tiro estão a menos de 1 km de escolas. Para a entidade, a proximidade entre clubes de tiro e instituições de ensino pode “afetar a segurança e aprendizagem” das crianças.

“Estudos mostram que a presença de armas de fogo em uma cena aumenta significativamente a probabilidade de violência e efetuação de disparos em ocorrências, seja por meio de brigas de trânsito, acidentes ou ainda, nestes casos, por tentativas de roubo aos clubes de tiro”, diz a entidade.

O decreto do presidente Lula determinava também que os clubes de tiro já existentes deveriam se adequar às regras de distância em até 18 meses — ou seja, até janeiro de 2025.

A proposta discutida no Senado propõe anular essa medida, que também acabaria com o mesmo prazo para que clubes de tiro regularizassem condições de uso e armazenamento das armas.

Flexibilização para armas

O projeto autoriza que colecionadores, habilitados pelo Exército, reúnam armas iguais às utilizadas pelas Forças Armadas.

Também permite a coleção de armamento atualmente proibido. São eles:

  • automático, de qualquer calibre
  • ou longo semiautomático, de calibre de uso restrito, cujo primeiro lote de fabricação tenha menos de 70 anos

Comprovações para atiradores

A proposta acaba com um regramento que prevê comprovações de treinos e participação em competições para que uma pessoa conquiste o registro como atirador.

O trecho, que pode ser derrubado se o Congresso aprovar a proposta, estabelecia que, em cada um dos três níveis de registro, o atirador precisaria comprovar anualmente os critérios para cada um dos calibres registrado — a chamada habitualidade.

O texto também derruba uma regra que, para subir de nível, o atirador precisaria permanecer ao menos 12 meses em uma mesma classificação.

Apesar das mudanças, a proposta mantém os limites de armas e munições para cada nível de atirador:

Nível 1:

  • Até 4 armas de fogo de uso permitido
  • Até 4 mil cartuchos, por ano
  • Até 8 mil cartuchos .22 LR ou SHORT para cada arma, por ano

Nível 2:

  • Até 8 armas de fogo de uso permitido
  • Até 10 mil cartuchos, por ano
  • Até 18 mil cartuchos .22 LR ou SHORT para cada arma, por ano

Nível 3:

  • Até 16 armas de fogo, sendo quatro de uso restrito
  • Até 20 mil cartuchos, por ano
  • Até 31 mil cartuchos .22 LR ou SHORT para cada arma, por ano

Para o Instituto Igarapé, os trechos que podem ser derrubados pela proposta ajudam a “diferenciar atiradores amadores e profissionais, permitindo que somente atiradores mais experientes tenham acesso a armas e munições mais potentes”.

“Essa medida possibilita que os CACs possam ter armas que atendam às características e necessidades de cada categoria, viabilizando um maior controle sobre os armamentos e munições”, afirma a entidade.

Armas de pressão

O projeto acaba com qualquer tipo de restrição e controle, por parte do Exército e da Polícia Federal, sobre armas de pressão.

O texto de Lula previa restringir o acesso a armas de pressão com calibre superior a seis milímetros. Com a derrubada do trecho, deixam de existir regras para esse tipo de armamento.

Para o relator do texto no Senado, a restrição não "possui finalidade lógica".

"Não há que se falar em uso permitido ou restrito, quando não há vedação legal sobre o objeto. Isso fere o princípio da legalidade", argumentou.

Trocas de armas

A proposta permite aos CACs trocar armas com outros CACs, derrubando a proibição à transferência de acervos estabelecida pelo texto de Lula.

Além disso, a proposta também autoriza que armamentos registrados para uma finalidade sejam utilizados em outra — exemplo: uma arma de fogo cadastrada como de coleção poderá ser usada em tiro esportivo.

Poder do Exército

A proposta devolve ao Exército a competência para atestar e validar uma arma como histórica ou de coleção. O decreto de Lula dava esse poder ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) — o que, para entidades, poderia levar a um “maior controle sobre a prática do colecionamento”.

Se a CCJ e o plenário do Senado aprovarem o projeto, também passará a ser permitido que armas de coleção sejam utilizadas para disparos, além de eventos específicos e testes.

A proposta também concentra poder no Exército ao devolver às Forças Armadas a competência para regulamentar o processo de qualificação de pessoas jurídicas como colecionadoras de armas.

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